Intervenção de

Criação do Observatório da Violência Escolar<br />Intervenção de João Oliveira

Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: O tema da violência escolar tem sido recorrentemente trazido à discussão nesta Assembleia, particularmente através do Grupo Parlamentar do CDS-PP. Desde o início da década, o CDS-PP propõe um conjunto de medidas securitárias, adoptando um velho discurso de que à violência se responde sempre com violência e considerando que o meio escolar é um espaço de disfunção social por excelência. Todos estes pressupostos se alicerçam numa compreensão redutora do fenómeno da violência, entendido exclusivamente como acto físico de agressão. As crianças e os jovens são apresentados quase sempre como os agressores e os restantes elementos da comunidade como vítimas. Tudo isto foi confirmado recentemente com a discussão do projecto de lei n.º 190/X, do CDS-PP, que previa, mais uma vez, o agravamento das penas por crimes praticados em ambiente escolar. Não pretendendo avaliar as complexas razões da violência escolar, o CDS propõe ora respostas puramente securitárias, ora a criação de uma entidade suficientemente distante da realidade vivida nas escolas, destinada à produção de estudos e relatórios. De facto, Sr. as e Srs. Deputados, os últimos tempos têm sido suficientemente elucidativos de que à violência do quotidiano não se pode responder com derivas securitárias e que é muito perigoso ficar-se pela observação. Os graves problemas de violência existentes em muitas escolas dos Estados Unidos ou os últimos acidentes ocorridos em diferentes países europeus são sinalizações óbvias de que o caminho terá que ser outro e que o actual é errado. Naturalmente, as Sr. as e os Srs. Deputados conhecem o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, de 2005, segundo o qual, no século XX perderam a vida 109 milhões de pessoas em guerras; por cada euro investido na ajuda humanitária os países investem 10 em gastos militares; os governos dos países mais industrializados gastam, pelo menos, quatro vezes mais com a actividade militar do que com o desenvolvimento; os Estados Unidos investem 25 vezes mais na guerra e na violência do que na ajuda humanitária e no desenvolvimento; existem hoje 110 milhões de crianças condenadas a não ir à escola; a escolarização regrediu em 43 países. Este é também o mundo das crianças e dos jovens portugueses, e é por isso que vos perguntamos se acreditam que a violência é um problema conjuntural, localizado no seio da escola e passível de ser solucionado com medidas como esta que hoje discutimos. Um estudo realizado em 2001, baseado em inquéritos feitos a cerca de 7000 alunos, revela a estreita relação que existe entre situações de pobreza, exclusão social e familiar, racismo e xenofobia ou violência televisiva e as situações de violência escolar. Não é difícil perceber que uma sociedade violenta, que não respeita os mais elementares direitos do ser humano no trabalho, na família, na comunicação social ou no desporto, não seja violenta também na escola. A não ser que se acredite que a escola não reproduz, no seu seio, a sociedade. A não ser que não se saiba que a escola é um espaço de interacção permanente. Num parecer do Conselho Nacional de Educação, sobre o tema «como combater a indisciplina nas escolas», afirma-se: «A perda do potencial de inclusão da escola, para além de contribuir para desmotivar os alunos, pode ter sobre eles um efeito de crispação, como se a escola fosse culpada pela perda desse potencial. Talvez isso nos ajude a compreender que, por vezes, uma parte dos alunos assuma uma atitude de rejeição latente perante a escola, rejeição essa que radica menos naquilo que a escola é em si própria do que no facto de ser encarada como manifestação de uma sociedade que esses alunos sentem já com injusta ». E acrescenta: «É também muito importante nunca deixarmos que se esqueça que a escola nunca poderá ser um paraíso enquanto a sociedade for um inferno, nunca poderá se uma ilha de felicidade num mundo infeliz, um oásis de paz num deserto de violência». Por isso Sr. as e Srs. Deputados, rejeitando medidas autoritárias, e sem ignorar a complexidade do que está em causa, faremos nossas as palavras do Conselho Nacional de Educação quando sublinha que «o problema da indisciplina só pode ser verdadeiramente resolvido quando se conquistar uma sociedade justa, radicada na liberdade, na criatividade e na solidariedade». Em nosso entender, importa antes de mais prevenir as situações de exclusão social e familiar que, criadas fora do ambiente escolar, não deixam de ter reflexos nesse meio. No espaço de aprendizagem da escola, faz sentido que se utilizem todas as medidas políticopedagógicas que combatam a violência e valorizem a vivência democrática, e que, na nossa opinião, se sustentam em 3 vectores. Em primeiro lugar, na afirmação da centralidade do papel do professor. A visão que os alunos têm dos professores é um factor decisivo, capaz de criar a disponibilidade para alterar um comportamento disfuncional. Não nos parece, no entanto, que a dignificação e a valorização da função docente constitua hoje um objectivo da política educativa dos diferentes governos. Em segundo lugar, na importância das infra-estruturas escolares – a adequação ao convívio sem sobrelotações. A rede escolar terá que valorizar sempre os objectivos pedagógicos e não os interesses economicistas que pretendem transformar as escolas em espaços de armazém de crianças e jovens de níveis etários muito diferentes, o que nomeadamente se denomina por agrupamentos. Em terceiro lugar, na valorização de toda a comunidade educativa —trabalhadores docentes e não docentes, pais, alunos e comunidades locais —, garantindo que todos os parceiros são relevantes, indispensáveis e têm responsabilidades diferentes e que se completam na interacção permanente da vida escolar. E há que assegurar a sua efectiva participação, ao contrário do que ouvimos o CDS-PP aqui defender, aquando da discussão de mecanismos legais capazes de permitir a participação dos pais na vida escolar dos seus filhos. Finalmente, Sr. as e Srs. Deputados, consideramos que a escola é um lugar social e enquanto o edifício da verdadeira democracia não se alicerçar em direitos e deveres de justiça social crescerá o espaço e o tempo da e para a violência. A escola não apaga da vida da sua comunidade as marcas de exclusão e marginalidade sociais que não gerou, mas reproduziu.

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