Projecto de Lei N.º 983/XII/4.ª

Criação da Freguesia de Caparica, no Concelho de Almada, Distrito de Setúbal

Criação da Freguesia de Caparica, no Concelho de Almada, Distrito de Setúbal

1. Caparica a Freguesia – Razões de Ordem Histórica
As terras onde existe hoje a freguesia de Caparica são desde tempos imemoriais, percorridas ou habitadas pelos seres humanos, existindo vestígios dessa ocupação, de forma continuada, datados da pré-história.

A presença romana está confirmada por achados arqueológicos, datados do século II ao século V da nossa era, encontrados tanto na Vila do Monte de Caparica, como no Porto Brandão. Por esses tempos o que é hoje a Caparica teria um valor semelhante a Alcochete, Montijo ou Sesimbra, por força de que era aqui que se fazia a ligação fluvial a Olisipo (Lisboa) para quem chegava, pela via romana que ligava esta cidade a Mérida (capital da província romana da Lusitânia).

O que é hoje a Vila do Monte de Caparica foi em tempos considerada uma das mais ricas povoações do concelho de Almada, tendo sido a sede da paróquia desde a sua existência e tem sido ao longo dos tempos um lugar com uma enorme vivência social, tendo sido aí fundada a Associação Filarmónica Protetora Monte Pio de Nossa Senhora do Monte de Caparica, no ano de 1865. Esta instituição fornecia socorro e medicamentos às pessoas mais carenciadas. Em 1878 foi fundada uma outra associação mutualista chamada de Monte Pio Caparicano de Nossa Senhora do Rosário e mais tarde surgiu a Monte Pio de Nossa Senhora do Cabo.

Para além do mutualismo os monte caparicanos desempenharam um papel preeminente tanto no recreio como na cultura, tendo desenvolvido grande atividade e criado duas famosas filarmónicas, sendo a mais antiga reconhecida pelo nome de “Marroquinos” e a mais recente por “Caldeireiros”, tendo estas mantido uma forte rivalidade, extinguindo-se, ambas, no final do século XIX. Em meados de 1876 veio para o Monte de Caparica o industrial António da Silva, que acabou por instalar, em propriedade sua, o Teatro Garrett, com a notável capacidade para 300 pessoas.

Para além de outras pessoas ligadas à política e ao meio social e político do concelho de Almada, é de salientar o grande poeta e escritor romântico Raimundo António de Bulhão Pato, que viveu grande parte da sua vida no Monte de Caparica e que é autor de muitas obras entre as quais figura o “Livro do Monte”, que foi editado em 1896. Bulhão Pato faleceu no Monte de Caparica e está sepultado no cemitério da vila.

Já no século XX foram instalando-se na Caparica diversas indústrias e após a construção da Ponte 25 de Abril de 1974, a paisagem é modificada definitivamente com a diminuição das áreas agrícolas e florestais e com um surto urbanístico, existindo um incremento do sector terciário e ocorrendo alterações de nível social que se prolongam até hoje. A Freguesia de Caparica que, em 1950, possuía uma população maioritariamente constituída por operários, inicia pela década de 60 uma mudança do tipo da população residente, em que começaram a fixar-se profissionais de serviços que, por motivos vários, não conseguem habitação em Almada.

2. Caparica a Freguesia – Razões da Nossa Singularidade
Os “caparicanos” erigiram em 1442 a primeira ermida a Santa Maria do Monte, mas tinham de continuar, como até aí, a sepultar os seus mortos em terreno sagrado ou seja no cemitério das paróquias de Almada. A distância, as inundações, e os tempos de peste, não tornavam possível levar os seus defuntos a sepultar à igreja e ao cemitério da vila de Almada, para além de que esses mesmo obstáculos impediam, por vezes, os habitantes da “Caparica” de receberem os sacramentos e por vezes até morriam sem os receberem e as crianças chegavam a falecer sem o batismo. Esta situação que pelos seus custos e incómodos, para além da distância entre as sepulturas dos entes queridos e as famílias que queriam continuar a prestar-lhes culto, levou a que uma senhora ilustre da “Caparica”, chamada de Isabel Gomes, levada pela caridade e zelo religioso, se dirigisse por escrito, ao Papa, em Roma para que a Caparica fosse elevada ao estatuto de paróquia e tivesse direito a uma igreja consagrada. Será importante recordar que nesses tempos idos, os cristãos só deviam ser sepultados em terreno sagrado, i.e. cemitérios que existem à volta das igrejas e não em locais profanos.

É neste período que também é erigida a Torre Velha de São Sebastião da Caparica, classificada Monumento Nacional em 2012. Esta fortificação ampliada no reinado de D. Sebastião aumentou em muito a importância estratégica-militar da Caparica, porque permitia defender a entrada da Barra do Tejo, porque cruzava o fogo da sua artilharia com o da Torre Nova, mais conhecida como a Torre de Belém.

O núcleo antigo do Monte de Caparica desenvolveu-se em redor da Igreja e ao longo das vias que atravessavam a povoação e a ligavam à Quinta da Torre e aos lugares de Fonte Santa e Porto Brandão, uma pequena mas típica povoação ribeirinha de pescadores e catraieiros.

O Porto Brandão, que serviu de entreposto comercial e porto da Caparica, conheceu um assinalável desenvolvimento quando aqui funcionou, entre 1815 e o início do século XX, junto à Torre Velha, o Lazareto do Porto de Lisboa, espaço destinado às quarentenas de passageiros e mercadorias que chegavam em navios cujo porto de origem eram países tropicais. O novo edifício do Lazareto foi construído entre 1867 e 1869, tendo sido, à época, considerada uma das mais avançadas instalações do género na Europa.

Com a reforma administrativa de 1878, o concelho de Almada passou a ser constituído por duas paróquias civis: Almada (que resultava da fusão de Santa Maria do Castelo e Santiago) e Nossa Senhora do Monte de Caparica estando esta na origem da nossa freguesia de Caparica. Da freguesia de Caparica foram desanexadas áreas que deram origem às freguesias da Trafaria (em 1926, integrando a parte que em 1949 deu origem à freguesia da Costa de Caparica), e mais tarde as freguesias da Charneca de Caparica e Sobreda (ambas em 1985).

As terras da Caparica têm sido ao longo dos tempos, berço ou local de adoção de figuras ilustres tais como o Conde de Arcos, Bulhão Pato ou os Távora entre outros, que se tornaram, ao longo dos séculos, pela sua vida e ação personagens de grande importância local e nacional.

3. Caparica a Freguesia – Razões Geográficas e de Ordem Demográfica
A freguesia de Caparica tem tido nos últimos anos, um aumento significativo da construção e ocupação de alojamentos e edifícios, com novas urbanizações que certamente irão fixar mais habitantes à freguesia, perspetivando-se que, a médio prazo, esta venha a superar os 30.000 habitantes.

A freguesia de Caparica é constituída por 17 lugares: Alcaniça, Areeiro, Banática, Capuchos, Cerrado, Costas do Cão, Fomega, Fonte Santa, Funchalinho, Granja, Monte de Caparica, Pêra, Pilotos, Porto Brandão, Raposo, Torre e Vila Nova de Caparica. Lugares cheios de histórias, memórias, vivências e onde se constrói um dia a dia.

Apesar da freguesia de Caparica continua a manter diversas características de alguma ruralidade, patentes tanto na atividade vinícola que ainda existe na freguesia, como na sobrevivência de ofícios como a olaria e ainda com a existência de um Grémio da Lavoura e produtores agrícolas locais, possui um conjunto de equipamentos e serviços que lhe proporcionam autonomia e uma vida própria.

4. Caparica a Freguesia – Os Equipamentos Coletivos
Na freguesia de Caparica existe o Centro Cívico do Fróis. Este centro inclui um complexo de piscinas (um de 25 metros de comprimento e outro, mais pequeno, de 12,5 m de comprimento) e uma biblioteca. A nova piscina serve toda a população residente da freguesia, assim como toda a população de estudantes dos polos universitários. A biblioteca “Maria Lamas” contém para além das áreas dedicadas à leitura, prevê uma sala polivalente, uma sala de expressão plástica e uma área infanto-juvenil, isto numa área onde cerca de 30% da população tem menos de 20 anos.

Na área da freguesia existem cinco escolas do 1º ciclo do ensino básico, uma escola básica integrada, uma escola do 2º e 3º ciclo do ensino básico, uma escola secundária, a Escola Profissional de Educação para o Desenvolvimento, dois polos universitários, o Madan Parque, a UNINOVA, o Instituto de Cardiologia Preventiva de Almada, a Unidade de Saúde Familiar do Monte de Caparica, diversas valências da Santa Casa da Misericórdia de Almada, e o Instituto Português de Qualidade.

Hoje em dia, para além de ser uma das freguesias com uma das populações mais jovens do concelho, é, também, uma das freguesias mais desenvolvidas do município de Almada, de que são exemplo a localização na Caparica de polos universitários, científicos, tecnológicos e de apoio social. Relativamente aos polos universitários poderemos salientar a Egas Moniz CRL e a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.

O Madan Parque foi fundado em Dezembro de 1995, tendo como associados a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, a Câmara Municipal de Almada e o UNINOVA – Instituto de Desenvolvimento de Novas Tecnologias. Desde Outubro de 2002 que conta também com o apoio da Câmara Municipal do Seixal.

A inovação do Madan Parque reside no facto de este se constituir como uma plataforma front-office bilateral entre as empresas incubadas e os parceiros de atividade. O objectivo é permitir um fluxo de informação e uma interoperabilidade entre mundos com linguagens, ritmos e processos de funcionamento diferentes. O Madan Parque não incorpora todas as valências que disponibiliza às empresas, funcionando antes como ponto de contacto e realização de atividades em escala.
Localizando-se, também, na freguesia de Caparica existe ainda a UNINOVA que foi criada em 1986, e que é uma associação sem fins lucrativos, tendo por objetivos a investigação científica, o desenvolvimento tecnológico, a formação avançada e a criação de centros de inovação tecnológica e de pequenas indústrias.

Continuando na área do apoio social, a freguesia de Caparica será aquela que mais diversificada cobertura social possuí, através, principalmente, da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Almada, que foi fundada em Maio de 1555 e é uma associação de fiéis, constituída, com o objectivo de satisfazer carências sociais de harmonia com o espírito tradicional, informado pelos princípios da doutrina e moral cristã e ainda pelos usos e costumes da Irmandade.

O Instituto Português da Qualidade está instalado na freguesia desde o ano de 2002, é o instituto público que, integrado na administração indireta do Estado, tem por função a coordenação do sistema português da qualidade, a promoção e a coordenação de atividades que visem contribuir para demonstrar a credibilidade da ação dos agentes económicos, bem como o desenvolvimento das atividades às suas funções de Instituição Nacional de Metrologia e de Organismo Nacional de Normalização.

5. Caparica a Freguesia – O Movimento Associativo
Na freguesia de Caparica existe um movimento associativo rico, diversificado e vivo. São vinte e oito as associações que existem na freguesia, todas com atividade cultural e/ou recreativa e/ou desportiva, sendo uma delas, o Clube Recreativo União Capricho, já centenária. A freguesia tem, também, diversas associações juvenis, umas que podem ser consideradas como coletividades, outras que estão ligadas aos polos universitários e outras ligadas ao Corpo Nacional de Escutas.

O Movimento Associativo da freguesia de Caparica é o espelho do dinamismo da comunidade, refletindo os seus anseios e interesses, problemas e lutas. As associações têm como base da sua ação a atividade dos seus associados e dirigentes, em particular e de uma forma geral os desejos das populações onde se inserem, procurando assim contribuir, para uma melhoria das condições de vida e de bem-estar das populações, procurando colaborar no seu desenvolvimento, de forma única e insubstituível.

6. Caparica a Freguesia – O Património
Nas terras que são, ainda hoje, a freguesia de Caparica existem vários monumentos considerados de interesse histórico, dos quais podemos salientar a Igreja de Nossa Senhora do Monte, a Torre Velha de S. Sebastião, a Capela de S. Tomás de Aquino e o Convento dos Capuchos.

A Igreja de Nossa Senhora do Monte – A construção que hoje vemos é o resultado da reconstrução realizada após o sismo de 1755, sendo típica dessa reconstrução a fachada do templo.

7. Caparica a Freguesia – Porque Merece Continuar a Sê-lo
A eliminação ou fusão das freguesias serve apenas para a diminuição dos serviços públicos de proximidade às populações, que são fundamentais para o nosso desenvolvimento enquanto País, que são essenciais são para o nosso regime político e para a nossa Democracia. A diminuição do número de freguesias corresponde, também, um empobrecimento do regime democrático numa das suas mais puras vertentes i.e. a administração autárquica e o Poder Local Democrático, contribuindo para um modelo mais centralizado do poder de decisão e afastando indesejavelmente, os cidadãos da vida política e da participação cívica.

A Caparica é uma freguesia cheia de história e tradição e a sua eliminação apenas terá como resultado que a sua população ficará pior servida. As diversas razões que foram inicialmente apresentadas como pertinentes para extinguirem freguesias, foram, sucessivamente, caindo por terra, hoje existe a certeza que nada mais do que vontades politicas e ideológicas contra o Poder Local Democrático estiveram por trás desta decisão.

Por tudo o que foi anteriormente escrito fica comprovado que a freguesia de Caparica tem todas as condições para se manter enquanto entidade administrativa autónoma e própria, mas até mais do que ter essas condições, a Caparica merece-o, pela história das suas terras e das suas gentes, continuar a ser uma freguesia... uma freguesia do Concelho de Almada, autónoma, própria e próspera e continuar a manter de forma ininterrupta a sua história que já é superior a 500 anos e mais de meio milénio é muito tempo, muitas vidas, muitas gerações, muita história, até porque para se poder comparar poderemos acrescentar que a freguesia de Caparica é mais antiga do que a maioria dos países com assento na Organização das Nações Unidas.

A extinção de freguesias protagonizada pelo Governo e por PSD e CDS-PP conduziu à perda de proximidade, à redução de milhares de eleitos de freguesia e à redução da capacidade de intervenção. E contrariamente ao prometido, o Governo reduziu ainda a participação das freguesias nos impostos diretos do Estado.
O Grupo Parlamentar do PCP propõe a reposição das freguesias, garantindo a proximidade do Poder Local Democrático e melhores serviços públicos às populações. Assim, propomos a reposição da Freguesia de Caparica no Concelho de Almada.
Nestes termos, ao abrigo da alínea n) do artigo 164.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Criação
É criada, no concelho de Almada a Freguesia de Caparica, com sede em Caparica.

Artigo 2.º
Limites territoriais
Os limites da nova freguesia coincidem com os da Freguesia de Caparica até à entrada em vigor da Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro.

Artigo 3.º
Comissão Instaladora

1- A fim de promover as ações necessárias à instalação dos órgãos autárquicos da nova freguesia, será nomeada uma comissão instaladora, que funcionará no período de seis meses que antecedem o termo do mandato autárquico em curso.

2- Para o efeito consignado no número anterior, cabe à comissão instaladora preparar a realização das eleições para os órgãos autárquicos e executar todos os demais atos preparatórios estritamente necessários ao funcionamento da discriminação dos bens, universalidades, direitos e obrigações da freguesia de origem a transferir para a nova freguesia.

3- A comissão instaladora é nomeada pela Câmara Municipal de Almada com a antecedência mínima de 30 dias sobre o início de funções nos termos do n.º 1 do presente artigo, devendo integrar:

a) Um representante da Assembleia Municipal de Almada;
b) Um representante da Câmara Municipal de Almada;
c) Um representante da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Caparica e Trafaria;
d) Um representante da Junta de Freguesia da União das Freguesias de Caparica e Trafaria;
e) Cinco cidadãos eleitores da área da nova Freguesia de Caparica, designados tendo em conta os resultados das últimas eleições na área territorial correspondente à nova freguesia.

Artigo 4.º
Exercício de funções da Comissão Instaladora
A Comissão Instaladora exercerá as suas funções até à tomada de posse dos órgãos autárquicos da nova freguesia.

Artigo 5.º
Partilha de direitos e obrigações
Na repartição de direitos e obrigações existentes à data da criação da nova freguesia entre esta e a de origem, considera-se como critério orientador a situação vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro.

Artigo 6.º
Extinção da União das Freguesias de Caparica e Trafaria
É extinta a União das Freguesias de Caparica e Trafaria por efeito da desanexação da área que passa a integrar a nova Freguesia de Caparica criada em conformidade com a presente lei.

Assembleia da República, em 4 de junho de 2015

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