Projecto de Lei N.º 992/XII/4.ª

Criação da Freguesia da Trafaria, no Concelho de Almada, Distrito de Setúbal

Criação da Freguesia da Trafaria, no Concelho de Almada, Distrito de Setúbal

1. Trafaria – A Freguesia
O decreto nº 12432 de 7 de outubro de 1926 criou a freguesia de Trafaria, que fará em 2014, oitenta e oito anos de existência. A freguesia de Trafaria foi constituída com territórios desanexados da freguesia de Caparica, onde anteriormente se integrava, mas a existência da Trafaria e das outras povoações, que em conjunto com ela, estão na base da freguesia da Trafaria, têm uma origem bem mais remota.

2. Trafaria – O Território
A Trafaria é uma freguesia do concelho de Almada repleta de encantos paisagísticos e arquitetónicos, mas com o isolamento a acentuar-se, com o passar dos anos, com o desaparecimento de valências e serviços. A Trafaria está localizada entre o Bico da Calha e o Portinho da Costa, com a dimensão de 6,2 Km2 de área e com 5.913 habitantes os quais têm o gentílico de “trafarienses”. A freguesia de Trafaria é limitada a norte pelas águas do Rio Tejo, a Oeste pelas ondas do Oceano Atlântico, a sul pela freguesia de Costa de Caparica e a leste pela freguesia de Caparica. É constituída por um variado conjunto de localidades: Abas da Raposeira; Quinta da Raposeira, Quinta da Corvina, Pêra de Baixo, Murfacém, Ribeiro, S. Pedro, S. João, o Primeiro Torrão, o Segundo Torrão e a Cova do Vapor. Estas localidades são bastante diferentes, entre si, demonstrando a diversidade social, cultural e até económica entre os trafarienses. Provavelmente as localidades mais típicas da freguesia de Trafaria, para além da própria vila, são Murfacém e a Cova do Vapor.

Murfacém é considerado, por muitos, como o núcleo urbano mais antigo ou dos mais antigos do concelho de Almada, mantendo, ainda hoje, vestígios da época de ocupação muçulmana como são exemplo um antigo morabito e cisternas desses tempos.

A Cova do Vapor foi na sua origem, provavelmente, uma aldeia de pescadores, hoje é uma zona balnear suburbana, mas mantendo, também, parte da sua atividade piscatória. A sua localização não se manteve inalterável, porque a Cova do Vapor foi adaptando-se aos caprichos do mar e entrando pela mata de S. João dentro, em virtude dos recuos da linha de costa.

3. Trafaria – O Topónimo
A origem do topónimo “Trafaria” permanece, até hoje, um mistério, no entanto são conhecidas diversas hipóteses que tentam explicar essa origem, a primeira define que este topónimo tem origem nas artes da pesca denominadas de “tarrafa” sendo esta a principal arte piscatória que se usava nesta zona do rio Tejo e que tornava a pesca muito lucrativa o que atraia muitos pescadores, até da cidade de Setúbal, que com a sua forma característica de falar, carregando no “R” e dizendo “vamos à tarrafa à ria” acabaram por contribuir para que se criasse um topónimo de Trafaria. Já a segunda hipótese propõe que a origem de “Trafaria” pode ser encontrada na junção do elemento árabe “traf” (significando ponta ou cabo) com o vocábulo latino “arena” (significando areia), que pode ter dado origem à palavra “trafarena”, palavra essa que foi evoluindo, ao longo dos tempos, até à nossa “Trafaria”. A terceira hipótese apresenta a origem da palavra Trafaria, no vocábulo árabe “tarifa” (significando “cousa extrema, final ou última). Na verdade não podemos dizer qual das três conjeturas será a verdadeira ou a mais fiável, o que sabemos é que a nossa freguesia se chama de Trafaria.

4. Trafaria – A História
Os primórdios da Trafaria podem ter origem, ainda, num período anterior ao da ocupação árabe do território português, provavelmente, sendo sempre uma povoação ligada à atividade piscatória. Entre esses tempos mais antigos e o século XVI pouco se sabe da Trafaria, exceto que no dia 7 de agosto de 1565, o Cardeal D. Henrique (durante o reinado de D. Sebastião) mandava erigir na Trafaria um lazareto, mas sabe-se que foi apenas em 20 de dezembro do ano de 1695, já com Portugal livre da tutela castelhana (1580-1640), que se estabeleceu, na Trafaria, um lazareto destinado às quarentenas.

A história da Trafaria está ligada de forma indelével ao Marquês do Pombal, em primeiro lugar pelas referências ao tremor de terra que em conjunto com o tsunami ou maremoto associado, arrasou Lisboa e que se pressupõe, se fez sentir, também, na Trafaria, que à época teria as suas habitações constituídas por palhoças, que eram construídas à base de madeira e cobertas por elementos vegetais.

Após o fatídico dia de 1 de novembro de 1775, o governo da coroa portuguesa, apesar de seriamente envolvido na reconstrução da cidade de Lisboa, fazia, simultaneamente, um grande esforço para que o País e o exército estivessem aptos para a eventualidade de uma guerra com a Espanha. O governo de D. José I, na altura chefiado por Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, sabia que na Trafaria se escondiam, muitas pessoas fugidas à lei, entre as quais ladrões, muitos soldados desertores e centenas de jovens refratários do serviço militar. Conhecedor desses factos o Marquês de Pombal deu ordem ao Intendente Pina Manique para que resolvesse a situação. Pina Manique decidiu levar, de Lisboa, ao cair da noite, 300 soldados em faluas e proceder ao cerco e ataque à Trafaria, pegando fogo às suas habitações, prendendo todos os que fugiam com vida e obrigando todos os do género masculino, que possuíssem as condições para tal, a incorporarem as fileiras do exército. Este acontecimento marcante ter-se-á dado na noite de 23 ou 24 de janeiro de 1777 e perdura até hoje na memória popular. Camilo Castelo Branco decidiu por causa destes acontecimentos, dar ao Marquês de Pombal, o título de “Nero da Trafaria”. A povoação da Trafaria foi entretanto reconstruída, provavelmente já com as características que ainda hoje a distinguem das outras povoações do concelho de Almada.

Durante o século XIX, verificou-se na Trafaria, um maior desenvolvimento industrial, com a instalação de diversas indústrias, como as de conserva de peixe, ou as de produção de guano de peixe e uma fábrica de dinamite do engenheiro francês Combemale. Estas indústrias trouxeram para a Trafaria mais população e uma melhoria das condições de vida dos Trafarienses. Já para os finais do século XIX, a Trafaria torna-se um local que, de forma assídua, a burguesia vinda de Lisboa começa a frequentar e a instalar-se durante o verão, para aproveitar a praia que, conforme o que se acreditava à época, era considerada como uma virtude para a alma e o corpo. Este aumento da população essencialmente sazonal, devido à utilização balnear, desenvolveu um plano urbano da povoação onde começaram a surgir prédios destinados, apenas, a alojar os veraneantes e até um casino. Esta mudança na constituição da população da Trafaria, também teve reflexos no panorama cultural da localidade, conhecendo-se a existência de um conjunto musical, o “Sol e Dó” que curiosamente tanto tratava de alegrar as festas, como de acompanhar os funerais. Este conjunto musical é mesmo anterior à criação da Sociedade Recreativa e Musical Trafariense, sendo ela própria uma ideia que germinou após a atuação, na Trafaria, da banda da Sociedade Filarmónica 1º de julho de 1890, da Fonte Santa, nos finais do século XIX.

As mudanças no tecido social da população da Trafaria levaram a que a Rainha D. Amélia, esposa de D. Carlos I, viesse à Trafaria, tendo como objetivo inaugurar uma colónia balnear, que por sinal, foi, apenas, a primeira a existir em todo o Portugal. Em 1902, o Ginásio Clube Português fundou uma escola de natação na Trafaria e em 1909 já existem registos de apoio aos banhistas, que para evitar acidentes com estes, é proposto manter um sistema de vigilância com uma embarcação a percorrer as praias durante os banhos. Este sistema é em primeiro lugar implementado na Trafaria e em Albufeira, simultaneamente. Estas situações comprovam que a Trafaria era, nesses tempos, uma das mais importantes zonas de lazer e de veraneio do País e assim continuou até aos anos quarenta do século passado, quando as praias de mar da Costa de Caparica se tornaram mais atrativas.

A partir dos anos 50 do século XX, acentuou-se a recessão das areias das praias da Trafaria e da Cova do Vapor, para além da estagnação industrial e turística que as transformaram em meros dormitórios de Lisboa, no entanto e apesar dessa inércia no seu desenvolvimento a Trafaria foi elevada a vila pela Lei n.º 79/85, de 26 de setembro.

5. Trafaria – O Património
No atual território onde é hoje a freguesia da Trafaria existem ao nível do património construído, um número significativo e diversificado de edificações, que podemos dividir em três vertentes diferentes: civil, religiosa e militar. De forma resumida podemos listá-los da seguinte forma:
• Coreto;
• Habitações de grande valor arquitetónico na Av. 25 de abril;
• Edifício da Farmácia Central;
• Cisternas de origem árabe;
• Capela de Nossa Senhora do Carmo ou Morabito;
• Igreja de São Pedro ou Igreja Matriz de Trafaria;
• Monumento ao Padre Baltazar;
• Monumento ao Militar;
• Presídio militar;
• Bateria de costa da Raposeira;
• Bateria de costa da Alpena;
• Bateria antiaérea de Murfacém;
• Forte da Trafaria (ex-Batalhão de Reconhecimento de Transmissões).

6. Trafaria – A Sociedade
Na freguesia da Trafaria os serviços, o comércio e a pesca são as principais atividades económicas, em simultâneo com a atividade industrial dos silos. O comércio continua, principalmente, ligado à restauração, atraindo muitos visitantes, especialmente por causa dos pratos de peixe e de marisco, podendo, mesmo, dizer-se que o principal prato típico da Trafaria é a caldeirada de marisco. Na atividade piscatória destaca-se a apanha da amêijoa a partir das “chatas” e com o recurso às “gadanhas”

A freguesia de Trafaria tem um movimento associativo que é constituído por 15 associações, sendo uma delas, a Sociedade Recreativa e Musical Trafariense, já centenária. As coletividades da freguesia de Trafaria são uma rede que inclui todos os sítios e povoações da freguesia, procurando assim ir ao encontro dos anseios, interesses e especificidades das diversas faixas da população trafariense, assumindo um papel importante e único na vida coletiva do povo desta freguesia, papel esse que também é assumido tanto pelas Festas de S. Pedro (padroeiro da vila) como pelas próprias Festas da Vila da Trafaria.

Nesta freguesia de Trafaria existem quatro escolas do ensino básico do 1º ciclo e uma escola do ensino básico do 2º e 3º ciclo, incluídas no Agrupamento de Escolas da Trafaria e um conjunto de Instituições Particulares de Segurança Social, no número total cinco, que procuram abranger e satisfazer as diversas necessidades da população entre as quais dever-se-á destacar a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Trafaria.

7. Trafaria – Para Continuar
Apenas quem não conhece ou faz de conta que desconhece o trabalho que as Juntas de Freguesia, principalmente, aquelas que estão mais distantes da sede do concelho, desenvolvem em prol das populações, é que pode ou quer defender a lei que visa, única e exclusivamente, extinguir freguesias.

A razão inicial que o governo apresentou aos portugueses para a utilidade desta lei foi a necessidade do Estado poupar dinheiro, neste momento difícil, porque passamos, no entanto mesmo pessoas ligadas à atual maioria, já concluíram que, provavelmente, o Estado irá gastar mais dinheiro e assim sendo, esta é, na prática, um não argumento sem qualquer base de sustentação.

Uma outra justificação era o ganho de escala e massa crítica das freguesias restantes, mas este argumento pouco, para não dizer nada, diz às populações, tanto das freguesias que desaparecem como das próprias freguesias que resultam da agregação e que se tornam por isso maiores.

Quando tanto se fala de desertificação e do saldo negativo entre os nascimentos e os óbitos, os poderes públicos, em vez de apresentarem medidas para que se invertam estas tendências, bem pelo contrário, parece que optam teimosamente por quererem um país envelhecido e até mais despovoado.

A extinção e a consequente redução do número de freguesias, conduz ao empobrecimento do regime democrático, contribuindo para o afastamento dos cidadãos, relativamente ao regime político democrático, afastando-os, simultaneamente, dos órgãos de decisão política, promovendo uma diminuição da participação cidadã, não respeitando a vontade expressa dos órgãos legitimamente eleitos, nem as populações que estes representam, não contribuindo assim para a construção de uma administração local, digna de um país livre e democrático, porque exclui a importante e necessária participação das populações, as quais deveria essa administração local servir.

A Trafaria é uma freguesia com uma tradição, uma história e uma personalidade que por ela própria, pelo seu passado e pelo seu presente, merece e deve continuar a ser uma freguesia do concelho de Almada.

A extinção de freguesias protagonizada pelo Governo e por PSD e CDS-PP conduziu à perda de proximidade, à redução de milhares de eleitos de freguesia e à redução da capacidade de intervenção. E contrariamente ao prometido, o Governo reduziu ainda a participação das freguesias nos impostos diretos do Estado.
O Grupo Parlamentar do PCP propõe a reposição das freguesias, garantindo a proximidade do Poder Local Democrático e melhores serviços públicos às populações. Assim, propomos a reposição da Freguesia da Trafaria no Concelho de Almada.
Nestes termos, ao abrigo da alínea n) do artigo 164.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Criação
É criada, no concelho de Almada a Freguesia da Trafaria, com sede em Trafaria.

Artigo 2.º
Limites territoriais
Os limites da nova freguesia coincidem com os da Freguesia da Trafaria até à entrada em vigor da Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro.

Artigo 3.º
Comissão Instaladora
1- A fim de promover as ações necessárias à instalação dos órgãos autárquicos da nova freguesia, será nomeada uma comissão instaladora, que funcionará no período de seis meses que antecedem o termo do mandato autárquico em curso.

2- Para o efeito consignado no número anterior, cabe à comissão instaladora preparar a realização das eleições para os órgãos autárquicos e executar todos os demais atos preparatórios estritamente necessários ao funcionamento da discriminação dos bens, universalidades, direitos e obrigações da freguesia de origem a transferir para a nova freguesia.

3- A comissão instaladora é nomeada pela Câmara Municipal de Almada com a antecedência mínima de 30 dias sobre o início de funções nos termos do n.º 1 do presente artigo, devendo integrar:

a) Um representante da Assembleia Municipal de Almada;
b) Um representante da Câmara Municipal de Almada;
c) Um representante da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Caparica e Trafaria;
d) Um representante da Junta de Freguesia da União das Freguesias de Caparica e Trafaria;
e) Cinco cidadãos eleitores da área da nova Freguesia da Trafaria, designados tendo em conta os resultados das últimas eleições na área territorial correspondente à nova freguesia.

Artigo 4.º
Exercício de funções da Comissão Instaladora
A Comissão Instaladora exercerá as suas funções até à tomada de posse dos órgãos autárquicos da nova freguesia.

Artigo 5.º
Partilha de direitos e obrigações
Na repartição de direitos e obrigações existentes à data da criação da nova freguesia entre esta e a de origem, considera-se como critério orientador a situação vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro.

Artigo 6.º
Extinção da União das Freguesias de Caparica e Trafaria
É extinta a União das Freguesias de Caparica e Trafaria por efeito da desanexação da área que passa a integrar a nova Freguesia da Trafaria criada em conformidade com a presente lei.

Assembleia da República, em 5 de junho de 2015

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