Projecto de Lei N.º 47/XII

Cria uma nova taxa aplicável às transacções financeiras realizadas no mercado de valores mobiliários

Cria uma nova taxa aplicável às transacções financeiras realizadas no mercado de valores mobiliários

1. Durante a crise financeira, os Governos adoptaram medidas que, em boa medida, afectaram vultuosos meios financeiros públicos ao sistema bancário com o objectivo de impedir falências e promover a recapitalização de muitas instituições financeiras, também servindo, em alguns casos bem conhecidos, para salvar gestões danosas e fraudulentas. Os meios mobilizados para “socorrer” a banca e o sistema financeiro foram, em parte muito importante, disponibilizados pelo Estados, (com graves consequências na degradação e profunda deterioração das respectivas contas públicas), mas também pelos bancos centrais, e em particular pelo Banco Central Europeu (BCE), que também lhes facilitaram significativos meios financeiros com taxas de juro baixíssimos.
Para além dos efeitos negativos nas contas do Estado, esta mobilização de meios públicos para salvar o sistema financeiro teve também como consequência o condicionamento ou limitação drástica do apoio à economia real, (em particular à actividade das micro e pequenas empresas), o abandono ou adiamento de projectos de investimento de natureza pública e, no plano social, a adopção de medidas de contenção ou forte restrição nas despesas e prestações sociais.
Face às consequências económicas e repercussões sociais da crise, muitas foram as propostas para promover “profundas alterações” no sistema e nas regras de regulação e supervisão do sistema financeiro, para “reforçar” a interdependência e a articulação das entidades de supervisão, e até se anunciaram medidas para desarticular a rede imensa de paraísos fiscais. Ouviram-se mesmo discursos de demarcação do neo-liberalismo por parte de muitos dos que, ao longo das últimas décadas, o acarinharam e lhe facilitaram os meios legais e os instrumentos para o seu desenvolvimento. Porém, quase quatro anos depois dos primeiros sinais da crise do subprime, e não obstante as declarações bombásticas e profundamente retóricas proferidas em reuniões do G-20 e em múltiplos Conselhos Europeus, os paraísos fiscais continuam de “boa saúde” e as transferências para essas praças financeiras prosseguem “ao ritmo” de milhares de milhões de euros de evasão fiscal por ano.

2. Entre muitas medidas para fazer face à crise e suster as suas consequências em Portugal, o PCP tem defendido o reforço do papel e da intervenção do Estado em sectores e áreas estratégicas, particularmente no sector financeiro, na energia, nos transportes e comunicações, e o abandono da política de privatizações do Governo do PS, confirmada nas sucessivas versões do Programa de Estabilidade e Crescimento.
Por outro lado, o PCP continua a insistir na urgência em gerar novas receitas fiscais com origem na tributação adicional e extraordinária de quem pouco ou nada contribui no plano fiscal mas dispõe de meios e patrimónios elevados, ou de quem continua a realizar lucros muitíssimo elevados com baixíssima tributação fiscal. São estas receitas fiscais adicionais que poderão permitir ao Estado continuar a fazer face às necessidades sociais, às exigências de um investimento público capaz de garantir o efectivo relançamento da economia, às imperiosas necessidades de crédito e de apoio das micro e pequenas empresas, à obrigação de valorizar os salários e as pensões, e de atenuar as consequências mais graves dos sucessivos programas de austeridade que o FMI e a União Europeia, de mãos dadas com o PSD, o PS e o CDS tentam impor aos trabalhadores e ao País.
Na realidade, nada tem escapado a esta crescente austeridade que ataca os mais fracos e que compromete o futuro do País numa imparável espiral de recessão e de empobrecimento: congelamento e corte nos salários e nas pensões, o aumento da idade da reforma, a privatização de empresas públicas, a degradação inexorável de serviços públicos e a “criminosa” destruição do emprego, os cortes no investimento público e nas prestações sociais, a introdução de mais portagens em SCUTS, os aumentos insuportáveis do preço dos transportes, da energia eléctrica, do gás natural e dos combustíveis, os sucessivos aumentos de impostos, do IRS ao IVA, o anúncio da redução de deduções de despesas de saúde e de educação em sede de IRS, (e que se irão traduzir no aumento generalizado da carga fiscal sobre a quase totalidade dos trabalhadores em Portugal), os cortes ou a pura eliminação no subsídio de desemprego ou no abono de família.
Como sempre dissemos, nenhuma das sucessivas versões da austeridade que têm vindo a ser impostas, dos sucessivos PECs ao Memorando da Troika, enfrenta, porém, o sistema bancário e os mercados financeiros que estiveram na origem da crise, que receberam milhões de euros de ajudas públicas, e que, não obstante a crise, continuam a lucrar centenas de milhões de euros, (só os quatro maiores bancos privados em Portugal lucraram cerca de quatro milhões de euros por dia em 2010). Continuam todos sem pagar os custos da crise de que foram os principais causadores.

3. Com a presente iniciativa legislativa, o PCP propõe em concreto a criação de uma nova taxa que seja aplicável sobre todas as transacções efectuadas nos mercados cambiais e financeiros.
A introdução desta nova taxa, e o seu valor muito modesto, inspira-se na “Taxa Tobin”, há muitos anos defendida pelo PCP e que regressou ao debate político num passado recente, mesmo em Portugal, através de algumas vozes insuspeitas que agora defendem a sua introdução. Aliás, na mais recente cimeira franco-alemã realizada no mês de Agosto, foi também defendida a introdução de uma taxa sobre as transacções financeiras realizadas em bolsa, ainda que nenhum pormenor tenha sido avançado quanto ao seu valor e âmbito e quanto ao destino das respectivas receitas.
A “Taxa Tobin” continua a levantar alguns problemas técnicos na sua aplicação multilateral. Mas não são os problemas técnicos que têm paralisado a sua introdução efectiva. A questão central – tal como nos off-shores – reside na falta de vontade política em controlar os movimentos especulativos de capitais, em contribuir por via da fiscalidade para a sua auto-regulação, limitando de forma drástica a manipulação dos mercados de capitais e melhorando, por outro lado, de forma muito significativa, a capacidade de intervenção dos Estados ao gerar substanciais receitas adicionais para aplicar em objectivos sociais e políticas públicas.
O PCP propõe-se assim aplicar uma pequena taxa para tributar todas as transacções efectuadas na bolsa de valores mobiliários, sem necessidade de qualquer pendência de decisão externa, através da qual se poderão arrecadar meios financeiros relevantes num momento tão delicado em que, por exemplo, o País está confrontado com a possibilidade muito forte de poder vir a ter quase um milhão de desempregados em 2012.
Segundo dados do Banco de Portugal, o património financeiro, constituído por acções e outras participações ascendia, no final de 2010, a um total próximo dos 246 mil milhões de euros. No entanto, e apesar da baixa significativa das cotações, as transacções na Bolsa de Lisboa (incluindo o mercado regulamentado e o não regulamentado), e não obstante os efeitos da crise, atingiram quase 124 mil milhões de euros em 2008, mais de 105 mil milhões de euros em 2009 e quase 104 mil milhões em 2010.
Este volume de transacções permitiria, mesmo com uma taxa muito limitada a repartir equitativamente entre comprador e vendedor, a obtenção de receitas que, no quadro actual poderiam fazer face a responsabilidades sociais tão relevantes quanto inadiáveis.

Neste contexto, e tendo em conta as disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
Objecto
É criada uma taxa autónoma aplicável a todas as transacções efectuadas no mercado regulamentado e no mercado não regulamentado da Bolsa de Lisboa.

Artigo 2.º
Valor da Taxa
1. A taxa aplicável às transacções referidas no artigo anterior é fixada em 0,2% do valor bruto de cada operação de transacção efectuada no mercado regulamentado ou não regulamentado da Bolsa de Lisboa.
2. O valor resultante da aplicação da taxa definida no número anterior é devido, em partes iguais, pelo adquirente e pelo alienante do objecto da transacção, e é sempre liquidado no momento em que é efectuada a transacção.

Artigo 3.º
Intervenção da Euronext Lisboa
1. A Euronext Lisboa é responsável pela retenção do imposto a liquidar, nos termos do artigo 2.º, sobre o valor das transacções efectuadas nos mercados regulamentado e não regulamentado.
2. O produto retido pela Euronext Lisboa, nos termos do número anterior, é entregue trimestralmente à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos em dia a fixar por portaria do Ministério das Finanças e da Administração Pública.

Artigo 4º
Regime sancionatório
O regime sancionatório aplicável às situações de incumprimento do estabelecido pela presente lei é, quando aplicável, o definido pelo Código do Mercado de Valores Mobiliários.

Artigo 5.º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente lei no prazo máximo de 30 dias após a sua publicação.

Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 31 de Agosto de 2011

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