Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

Cria o Programa de Apoio à Economia Local, com o objetivo de proceder à regularização do pagamento de dívidas dos municípios a fornecedores vencidas há mais de 90 dias

(proposta de lei n.º 73/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Não compreendemos a necessidade de o Governo trazer à Assembleia da República uma proposta de lei para criar uma linha de crédito para os municípios com dificuldades financeiras quando no nosso País não existe um vazio legislativo em relação a esta matéria e quando há um quadro legal que já enquadra os empréstimos, quer por parte do Estado quer por parte da banca, nomeadamente a Lei das Finanças Locais, impondo até um conjunto de duríssimas condições a quem aderir a esses programas.
Por isso, Sr. Secretário de Estado, a questão que se coloca é esta: qual é, de facto, a finalidade da proposta que o Governo hoje aqui nos traz? Na nossa perspetiva, há aqui dois grandes objetivos por parte do Governo. O primeiro deles é fazer um maior ataque, uma maior ofensiva à autonomia do poder local democrático, um princípio constitucional. Depois, Sr. Secretário de Estado, embora tenha dito que a prioridade e a principal preocupação são os cidadãos, o que esta proposta aqui nos traz é um maior agravamento e uma maior penalização das condições de vida dos portugueses. Então, não é isso que a proposta nos diz quando aumenta taxas, tarifas e impostos para os munícipes? Quando aumenta os preços da água, do saneamento e dos resíduos, tal como vem escrito na proposta? Quando limita a atividade municipal? Quando proíbe a atribuição de apoios ao movimento associativo local?
Ou quando reduz o número de trabalhadores da administração local?
Sr. Secretário de Estado, de uma só penada, o Governo contraria e desvirtua um conjunto de princípios constitucionais, nomeadamente aqueles que estão consagrados ao abrigo do poder local democrático, penalizando ainda mais, de uma forma brutal, os trabalhadores e o povo português.
A verdade é que o Governo, além das medidas do pacto de agressão que, com o apoio do PS, tem vindo a implementar e a impor aos portugueses, traz aqui mais um novo pacote de medidas para criar ainda mais dificuldades e para levar ao empobrecimento.
Por isso, Sr. Secretário de Estado, diga-nos se esta proposta de lei vai ao encontro dos objetivos que vigoram e que constam do pacto de agressão e se, efetivamente, não vai agravar as condições de vida de quem trabalha.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Secretários de Estado,
Sr.as e Srs. Deputados:
Aludindo a princípios meritórios — o crescimento e/ou o desenvolvimento da economia local —, a proposta do Governo que cria o designado Programa de Apoio à Economia Local não passa de um embuste. Em volta de uma suposta ajuda, encerra em si objetivos mais amplos deste Governo, de subversão do poder local democrático, expresso no pacto de agressão da troica e no documento verde, da autoria governamental, particularmente na limitação da sua intervenção, no ataque aos serviços públicos e na degradação das condições de vida das populações.
Em primeiro lugar, esta proposta constitui mais uma linha de ataque à autonomia administrativa e financeira do poder local democrático, aumentando a tutela de mérito sobre os municípios para níveis inaceitáveis.
Em segundo lugar, promove o descrédito do poder local democrático junto dos portugueses, tentando responsabilizá-lo pelo aumento substancial da dívida pública portuguesa quando o peso real da dívida da administração local na dívida da Administração Pública é de 3,1%.
Em terceiro lugar, o Governo pretende aplicar um novo conjunto de medidas de austeridade que afetam sobretudo as populações, extorquindo mais uma fatia do rendimento das famílias, que levará a mais empobrecimento, à diminuição da atividade económica e à recessão.
Trata-se, portanto, de uma proposta que não responde aos problemas que o poder local democrático enfrenta, decorrentes das políticas de direita de sucessivos governos, nem aos problemas das populações.
À semelhança do pacto de agressão imposto ao País e aos trabalhadores, o que o Governo propõe, na prática, é um pacote de medidas da mesma natureza, desta vez aplicado à administração local, favorecendo a banca e os seus interesses, por exemplo através dos aumentos insuportáveis do IMI e da obrigatoriedade da consignação destas receitas à dita consolidação orçamental, à custa do rendimento das famílias.
É indiscutível a ação do poder local democrático ao longo de décadas no desenvolvimento local, no aprofundamento do regime democrático e na melhoria da qualidade de vida das populações.
Os partidos da troica nacional, embora venham publicamente afirmar, inúmeras vezes, o enorme contributo das autarquias para o desenvolvimento e para a dinamização da economia local, posteriormente tomam opções políticas que vão exatamente no sentido oposto.
Os governos PS e PSD e CDS-PP são os responsáveis pelas crescentes dificuldades económicas e financeiras sentidas pelos municípios por via dos sucessivos cortes orçamentais, embora não o reconheçam.
Segundo dados da Associação Nacional de Municípios Portugueses, registou-se um corte de 674 milhões de euros relativamente a 2010 e de 847 milhões de euros em relação à não aplicação da Lei das Finanças Locais desde 2010, lei essa que é uma má lei, porque retira capacidade de intervenção aos municípios, mas nem esta foi cumprida.
Entretanto, o atual Governo introduziu novos obstáculos à administração local, quer pela aplicação da lei de compromissos, que terá tradução direta na paralisação da atividade municipal, quer pela retenção arbitrária de 5% do IMI, a pretexto dos encargos associados à atualização do valor patrimonial dos imóveis, sem a respetiva fundamentação dos custos efetivos, esquecendo-se dos encargos suportados pelos próprios municípios, quando disponibilizam os seus meios e recursos no apoio a esta operação.
Importa salientar que o valor correspondente à linha de crédito, na ordem dos 1000 milhões de euros, que o Governo propõe emprestar, corresponde ao valor roubado aos municípios por via dos cortes orçamentais.
Está comprovado que não se trata de nenhuma ajuda, antes de uma forma mais ou menos evidente para retirar a autonomia municipal.
O que está em marcha, a par de outras medidas já anunciadas pelo Governo, é a descaracterização do poder local democrático, tornando-o em unidades desconcentradas, sob tutela do Governo. É um programa que agrava ainda mais as condições de vida das populações. O atual governo insiste em não fazer uma referência às consequências e aos impactos destas medidas nas condições de vida das populações, nomeadamente do aumento das taxas, tarifas e impostos, do aumento brutal dos preços cobrados ao nível dos serviços de abastecimento de água, saneamento e resíduos, rejeitando o princípio do direito à água e da prestação de serviços públicos de qualidade, da redução da atividade municipal, da proibição de apoio ao movimento associativo, da redução de trabalhadores e da desistência de qualquer processo judicial contra o Estado por parte dos municípios, numa atitude, por parte do Governo, de transferir o odioso destas medidas para os próprios municípios.
Queria perguntar ao Sr. Deputado do PSD que usou da palavra se vai ou não dizer às populações se consideram patéticas as dificuldades acrescidas das famílias devido a estes conjuntos de contrapartidas. É intolerável e inaceitável que seja imposto às famílias portuguesas mais um conjunto de medidas de austeridade.
Expressamos a nossa oposição a esta proposta. Mas esta posição não é unicamente do PCP. Sabemos que muitos autarcas se opõem, incluindo a maioria dos membros do Conselho-Geral da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, que se afastaram da proposta apresentada pelo Governo.

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