Decreto-Lei n.º 36/2017, de 28 de março, que “Cria o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários e extingue, por fusão, o Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários e o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves”
(Publicado no Diário da República, Série I — N.º 62 — 28 de março de 2017)
Exposição de Motivos
O Decreto-Lei n.º 36/2017, de 28 de março, extingue o GISAF/Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários e o GPIAA/Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves, procedendo à fusão destes organismos na criação do novo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários.
Não sendo baseada em argumentos de ordem técnica e apenas procurando “uma racionalização efetiva na utilização de meios públicos derivada da otimização de recursos comuns”, esta é uma medida negativa e preocupante, que se insere e prossegue o caminho de redução e de fragilização de estruturas do Estado, trilhado há décadas.
Aliás, não só nas estruturas da administração direta do Estado, mas também no seu sector público empresarial, essas opções têm sido seguidas, com os resultados que se conhece. Recorde-se o caminho iniciado pelo governo PSD/CDS com a descabida e desastrosa medida para o sector ferroviário e rodoviário e para a economia nacional, que foi a fusão forçada da REFER com a EP/Estradas de Portugal, e que o atual Governo insiste em não querer reverter.
O preâmbulo do diploma em apreço tece rasgados elogios a seis países europeus, onde os organismos responsáveis pela prevenção e investigação de incidentes e acidentes têm atribuições concentradas na área da aeronáutica e na área ferroviária. E, embora se afirme no texto que este decreto-lei se encontra “em linha” com o regime comunitário no que respeita às exigências sobre a independência funcional dos organismos nacionais de investigação na área ferroviária e às regras sobre o procedimento de inquérito, também logo a seguir se assume abertamente que a opção agora seguida é a de adotar o modelo seguido naqueles países, com a «partilha de conhecimentos transversais nas áreas de investigação e de experiências».
Recordamos que o Governo, questionado pelo Grupo Parlamentar do PCP na audição na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas em 22-02-2017 (poucos dias depois da aprovação do diploma em Conselho de Ministros) sobre esta matéria, afirmou taxativamente que não estava em causa qualquer objetivo de partilha de competências neste processo. E, no entanto, as contradições no próprio texto preambular do diploma em apreço saltam à vista nesse domínio.
A questão da independência funcional dos organismos nacionais de investigação e das regras sobre o procedimento de inquérito para estes modos de transporte, aviação civil e ferrovia, não corresponde a um formalismo para observar acriticamente. Pelo contrário: decorre da importância crucial da especialização nestes dois importantes meios de transporte, em que os conhecimentos específicos da técnica ferroviária e da técnica da aviação são decisivos, assim como a sua componente ligada à segurança das operações.
Assim, quando seria indispensável avançar com medidas concretas e eficazes para melhorar e valorizar os dois organismos de inquéritos, com reforço da sua estrutura, dos seus meios, dos especialistas da respetiva área e das verbas para o seu funcionamento, o que afinal se faz é fundir serviços para poupar meios.
Trata-se de uma opção particularmente preocupante, na medida em que, ao nível da investigação de acidentes, evidencia claramente que a sua finalidade é poupar no curto prazo, em vez de apostar na defesa e valorização da atividade e no cabal cumprimento da missão que é atribuída, para que o risco de acidente seja cada vez menor e a segurança das operações seja cada vez maior.
A opção que se impõe como urgente e indispensável é a de inverter as políticas de restrição de meios e de investimento. A falta de recursos é um problema crónico nestes organismos e é o problema central que se coloca ao Estado neste domínio. Os técnicos que têm vindo a assegurar a resposta e o funcionamento destes serviços sempre evidenciaram um profissionalismo e uma qualidade de primeira linha a nível mundial. Mas a flagrante insuficiência de meios e condições – a par da desconsideração e hostilidade com que estes profissionais foram tratados por sucessivos governos – criou o quadro profundamente desfavorável em que estas estruturas se encontram.
Por outro lado, constata-se o número de incidentes registados nos últimos anos, em particular na ferrovia, fruto da falta de investimento e da degradação da infraestrutura e material circulante; ao passo que na aviação civil se verifica uma falta de pessoal ainda mais gritante, registando-se desde 2010 uma centena de incidentes cuja investigação continua por concluir até hoje, com apenas dois técnicos ao serviço nesta área.
Finalmente, observa-se que no preâmbulo do decreto-lei em apreço não há registo de terem sido ouvidas quaisquer entidades. Nem os representantes dos trabalhadores das empresas do caminho-de-ferro e da aviação civil nem quaisquer outras.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 36/2017, de 28 de março, que “Cria o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários e extingue, por fusão, o Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários e o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves”, publicado no Diário da República, Série I, N.º 62, de 28 de março de 2017.
Assembleia da República, 19 de abril de 2016