Projecto de Lei N.º 293/XIV/1.ª

Cria o Fundo de Apoio Social de Emergência ao tecido cultural e artístico

O surto do coronavírus SARS-CoV-2, declarado como pandemia pela Organização Mundial de Saúde a 11 de março de 2020, e da doença Covid-19 está a pôr à prova as condições e formas regulares de trabalho.

Na Cultura, prolifera o cancelamento de ensaios, espetáculos, rodagens, digressões, montagens. Entidades públicas e privadas não têm mantido compromissos e pagamentos na sua totalidade. Os trabalhadores a recibo verde desesperam com a perspetiva dos reduzidos apoios previstos até ao momento. Os muitos trabalhadores informais desta área estão a braços com tremendas dificuldades. Há um efeito dominó que tem levado à perda de toda a atividade prevista para os próximos 6 meses a 1 ano.

De acordo com dados preliminares de um inquérito realizados pelo Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos - CENA-STE que contava, à data de 24 de março, cerca de 1400 respostas, 98,4% dos inquiridos declarou ter tido trabalhos cancelados. Isto num contexto em que 84,7% do universo se tratava de trabalhadores independentes.

Se, na Cultura, a situação dita "normal" já era de emergência, então a situação de emergência tem de contemplar medidas de apoio muito acima do "normal". Assim, urge a criação de apoios sociais de emergência, desburocratizados e sem a obrigação de contrapartidas de apresentação de espetáculos ou atividades – que, no cenário atual, dificilmente se podem concretizar a breve trecho e em que não há ainda dados suficientes para avaliar a dimensão dos impactos do surto pandémico e reorganização da vida das pessoas e das comunidades.

A extrema precariedade que se regista insta a que se tomem medidas de apoio direto aos trabalhadores das artes do espetáculo, como atores, encenadores, cenógrafos, figurinistas, roadies, carregadores, técnicos de som, de luz e de palco, músicos, assistentes, entre muitos outros, mas também às entidades do tecido cultural e artístico, independentemente de terem beneficiado ou não de apoios públicos de âmbito concursal.

No entanto, o Governo apenas anunciou a abertura de uma linha de apoio no valor de um milhão de euros “para ajudar artistas e entidades em situação de maior vulnerabilidade e sem qualquer apoio financeiro”. Aparentemente, vão poder concorrer as estruturas artísticas consideradas elegíveis e que ficaram de fora dos últimos concursos bienais de apoio da DGArtes. Relembre-se que, só nos bienais, faltaram cerca de 12,8 milhões de euros para apoiar todas as candidaturas elegíveis, de acordo com a pontuação atribuída, o que revela a insuficiência dos valores anunciados pelo Governo.

Noutros países europeus, a mobilização de verbas e de medidas de apoio pelos governos para combater os impactos da situação decorrente do COVID-19 na Cultura está a ser muito mais ampla e ambiciosa, mesmo num difícil contexto de saúde. A verdade é que a Cultura é trabalho, trabalho que muito tem sofrido com a precariedade e o ataque aos direitos dos trabalhadores. O que os trabalhadores agora precisam não é de uma esmola ou de um adiantamento da semanada, necessitam de apoios sociais ágeis para poderem fazer face às enormes dificuldades que atravessam neste momento.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei cria um Fundo de Apoio Social de Emergência para a Cultura, doravante designado por Fundo, para a concessão de apoio extraordinário de natureza não concorrencial aos trabalhadores e entidades da área artístico-cultural por adiamento e cancelamento das atividades na sequência das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.

Artigo 2.º

Âmbito

  1. Podem recorrer ao Fundo, nos termos da presente lei:
    1. os trabalhadores das artes do espetáculo que desempenham profissões de natureza estritamente artística, técnico-artística ou de mediação artística;
    2. as entidades que exerçam atividades artístico-culturais de carácter profissional e reúnam as condições previstas para efeitos de candidatura a apoios no Decreto-Lei n.º 103/2017, de 24 de agosto, e no Decreto-Lei n.º 25/2018, de 24 de abril, designadamente:
      1. Pessoas coletivas de direito privado com sede em Portugal, incluindo estruturas de âmbito associativo sem fins lucrativos;
      2. Pessoas singulares com domicílio fiscal em Portugal;
      3. Grupos informais, constituídos por um conjunto de pessoas singulares ou coletivas, sem personalidade jurídica, que se tenham organizado para apresentação de propostas ao abrigo dos decretos-leis supracitados, desde que nomeiem como seu representante uma pessoa singular ou coletiva com domicílio ou sede fiscal em Portugal.
  2. As entidades referidas na alínea b) do número anterior são abrangidas independentemente de se terem candidatado anteriormente a apoios públicos concedidos pelo Ministério da Cultura.

Artigo 3.º

Abertura dos procedimentos de candidatura a apoio do Fundo

  1. As candidaturas aos procedimentos de apoio são abertas após fixação pelo membro do Governo responsável pela área da cultura do montante financeiro disponível, devendo para o efeito proceder-se à publicação na página http://www.culturacovid19.gov.pt do respetivo anúncio contendo:
    1. O montante global disponível;
    2. Os critérios e condições de candidatura;
    3. A forma de atribuição do apoio;
    4. As modalidades de apoio disponíveis;
    5. O formulário de candidatura.
  2. Os procedimentos previstos no número anterior são regulamentados pelo Governo de forma a que a abertura de candidaturas ocorra no prazo máximo de 15 dias após entrada em vigor da presente lei.


Artigo 4.º

Natureza e modalidades de apoio

  1. Os apoios do Fundo são de natureza não concorrencial e podem ser atribuídos nas seguintes modalidades:
    1. Apoio direto aos trabalhadores das artes do espetáculo desempenhando profissões de natureza estritamente artística, técnico-artística ou de mediação não enquadráveis nas medidas previstas no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19;
    2. Apoio de emergência às entidades que exerçam atividades artístico-culturais de carácter profissional, mediante comprovação do adiamento, cancelamento ou paragem total de atividade.
  2. Ao apoio de emergência previsto na alínea b) do número anterior podem candidatar-se entidades do tecido cultural e artístico, independentemente de terem beneficiado de apoios públicos de âmbito concursal concedidos pelo Ministério da Cultura.
  3. A comprovação do adiamento, cancelamento ou paragem da atividade é realizada por qualquer meio admissível em Direito.

Artigo 5.º

Não exigência de contrapartidas de apresentação de espetáculos e atividades

Os apoios do Fundo são de natureza social, excecional e temporária e não obrigam os beneficiários a qualquer contrapartida de apresentação de espetáculos e/ou atividades artístico-culturais.

Artigo 6.º

Financiamento das medidas excecionais e temporárias

As medidas excecionais e temporárias previstas na presente lei são financiadas pelo Orçamento do Estado, sem prejuízo do recurso a financiamento comunitário.

Artigo 7.º

Entrada em vigor e vigência

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e vigora enquanto se mantiverem em vigor as medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.

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