Projecto de Lei N.º 204/XIV/1.ª

Cria a Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural

Exposição de motivos

Portugal tem vindo a assistir, ao longo de décadas, ao abandono do interior e do mundo rural, vítima do constante e deliberado desinvestimento e alheamento de sucessivos Governos do PSD, CDS-PP e PS e das políticas por eles praticadas que, em completo desrespeito pelas “gentes” residentes fora dos centros urbanos do litoral, foram suprimindo o acesso aos mais elementares serviços públicos, deixando as populações à sua sorte.

A supressão de serviços públicos, a falta de investimento em infraestruturas, a falta de apoio ao rendimento de pequenos e médios produtores, o ataque à pequena propriedade e a desregulação que a concentração monopolista da produção agrícola e florestal tem provocado, conduziu, e continua a conduzir, ao êxodo das populações para alguns pólos da zona litoral, quando não mesmo para fora do território nacional.

A análise dos dados estatísticos de população publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, põe em evidência este facto, verificando-se que entre 2011 e 2018, a população residente em áreas predominantemente rurais teve um decréscimo de -7,1 %, representando uma redução de quase 100 000 residentes.

Quanto aos dados relativos às regiões do interior do país, a sua análise mostra que esta redução é ainda mais acentuada, verificando-se que nas regiões da Beira Baixa, Beiras e Serra da Estrela e Alto Alentejo, o decréscimo de residentes em áreas predominantemente rurais ultrapassou os -10 %. No caso particular da região da Beira Baixa, verificou-se entre 2011 e 2018 uma redução de população residente em áreas rurais superior a 11 000 residentes.

Além da redução da população residente no interior do país e nas áreas rurais, assiste-se igualmente ao envelhecimento da população que ainda aí se mantém, com o aumento do índice de envelhecimento nas regiões do Alto Tâmega e de Viseu-Dão-Lafões a ser da ordem dos 40 % entre 2011 e 2018, atingindo nalgumas das regiões do interior rural valores da ordem de 700.

Um interior despovoado, sem infraestruturas, serviços públicos e atividades económicas dignificadas capazes de promover a fixação da população mais jovem e de captar novos residentes, torna mais difícil e frágil a sua salvaguarda, proteção e desenvolvimento.

Tal abandono foi uma das causas da extrema gravidade dos episódios catastróficos a que se assistiu em 2017 e 2018, num rasto de destruição que atingiu a floresta, outras atividades agrícolas, a atividade económica de forma geral, os ecossistemas e muitas populações, pondo em evidência as vulnerabilidades estruturais que existentes, a que é preciso dar resposta, com urgência e prontidão.

O esvaziamento dos serviços e organismos descentralizados dos diversos ministérios e direções-gerais, torna mais frágil a intervenção adequada sobre o território, nomeadamente no que respeita à manutenção e valorização dos espaços naturais, na potenciação das atividades agrícolas, com particular ênfase para a Agricultura Familiar, para a produção florestal sustentável, respeitando a diversidade de espécies e a promoção da utilização de espécies autóctones, para as atividades turísticas compatíveis com os espaços naturais, para a diversificação das atividades económicas dando resposta às necessidades de sustentabilidade ambiental e sociocultural das regiões em causa.

Atuar de forma planeada e estruturada, potenciando as múltiplas valências que o interior e o mundo rural proporcionam requer a preparação de propostas integradoras de política para a defesa, reanimação e desenvolvimento do interior e do mundo rural.

Criar uma estrutura multidisciplinar, integrando representantes institucionais, das entidades interessadas e das populações, capaz de dar a resposta necessária à realização dos Estudos de Caracterização e Diagnóstico e de Formulação de Propostas de Políticas que promovam o desenvolvimento destas regiões, constitui forma de responder aos muitos problemas que o interior e o mundo rural enfrentam.

Por esta razão o PCP propõe que seja criada a Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural, dotada dos meios humanos e materiais necessários para desenvolver, entre outras, as seguintes tarefas:

  • Definir um conjunto de indicadores específicos de desenvolvimento do interior e do mundo rural;
  • Apresentar elementos e estudos destinados ao diagnóstico e análise do desenvolvimento dos territórios do interior e mundo rural;
  • Formular as propostas de investimento e intervenção necessárias ao desejável desenvolvimento do território, favorecendo a coesão entre as diferentes regiões;
  • Apresentar anualmente à Assembleia da República um relatório sobre o estado do Interior e do Mundo Rural.

Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente Lei cria a Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural com o objetivo de assegurar a realização dos Estudos de Caracterização e Diagnóstico e formular as propostas de investimento e intervenção necessárias ao desejável desenvolvimento do território, favorecendo a coesão entre os territórios do Interior e do Mundo Rural.

Artigo 2.º

Objetivos e funções

A Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural terá como objetivos e atribuições, os seguintes:

  1. Elaborar um Sistema de Indicadores específicos de desenvolvimento do interior e mundo rural – de estado, pressão e resposta – que constitua uma ferramenta de apoio ao desenvolvimento de propostas e tomadas de decisão aos mais diversos níveis e nas mais diversas áreas;
  2. Elaborar e divulgar Estudos e Relatórios de caracterização e evolução da situação do interior e mundo rural nas suas múltiplas vertentes, nomeadamente no âmbito ambiental, social e económico;
  3. Formular propostas de planos e medidas destinadas à revitalização, dinamização e desenvolvimento do interior e do mundo rural, capazes de salvaguardar e potenciar os valores naturais existentes, promover o bem-estar e a qualidade de vida das populações, assegurar o desenvolvimento económico do interior assente na promoção da produção nacional sustentada, nomeadamente em termos agrícolas e florestais;
  4. Elaborar um Relatório Anual sobre o estado do Interior e do Mundo Rural, que entre outros elementos apresente os resultados relativos ao Sistema de Indicadores estabelecido, o qual deverá ser enviado à Assembleia da República, até 31 de março do cada ano, posterior àquele a que diz respeito.

Artigo 3.º

Conselho Geral

  1. A Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural será dirigida por um Conselho Geral composto por representantes das seguintes entidades:
    1. Um representante do Ministério da Agricultura
    2. Um representante do Ministério do Ambiente e da Ação Climática
    3. Um representante do Ministério da Coesão territorial
    4. Dois representantes de cada uma das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Centro, Alentejo e Algarve.
    5. Um representante do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.
    6. Dois representantes de cada uma das Confederações Agrícolas, nomeadamente da CNA, CNJAP, CAP e CONFAGRI.
    7. Um representante da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME);
    8. Dois representantes de Associações de Defesa do Ambiente de âmbito nacional;
    9. Um representante de cada uma das Instituições de Ensino Superior Público localizadas nas regiões do interior.
    10. Um representante por cada região NUTIII eleito de entre os Presidentes de Câmara dos municípios abrangidos.
    11. Um representante da Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
    12. Um representante da Associação Nacional de Freguesias.
    13. Quatro representantes das populações, designadamente de terrenos comunitários/baldios.
  2. Cada Grupo Parlamentar da Assembleia da República designará um elemento para integrar a Comissão.

Artigo 4.º

Organização e funcionamento do Conselho Geral

  1. O Conselho Geral será presidido por um dos representantes dos Ministérios da Agricultura, do Ambiente e da Ação Climática e da Coesão Territorial, eleito pelos elementos que o compõem.
  2. O Conselho Geral reúne ordinariamente em cada dois meses ou extraordinariamente sempre que for convocado pelo presidente, por sua iniciativa ou a requerimento de um terço dos seus membros.
  3. As decisões do Conselho Geral são tomadas por maioria, tendo o Presidente, voto de qualidade.

Artigo 5.º

Instalação

  1. A Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural será instalada no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da presente Lei.
  2. A Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural funciona junto dos Ministérios da Agricultura, do Ambiente e da Ação Climática e da Coesão Territorial, os qual lhe devem atribuir os meios físicos, humanos e financeiros necessários ao seu funcionamento.

Artigo 6º

Regulamentação

O Governo regulamenta a presente Lei no prazo de 30 dias após a sua entrada em vigor.

Artigo 7.º

Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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