Exposição de motivos
Portugal tem vindo a assistir, ao longo de décadas, ao abandono do interior e do mundo rural, vítima do constante e deliberado desinvestimento e alheamento de sucessivos Governos do PSD, CDS-PP e PS e das políticas por eles praticadas que, em completo desrespeito pelas “gentes” residentes fora dos centros urbanos do litoral, foram suprimindo o acesso aos mais elementares serviços públicos, deixando as populações à sua sorte.
A supressão de serviços públicos, a falta de investimento em infraestruturas, a falta de apoio ao rendimento de pequenos e médios produtores, o ataque à pequena propriedade e a desregulação que a concentração monopolista da produção agrícola e florestal tem provocado, conduziu, e continua a conduzir, ao êxodo das populações para alguns pólos da zona litoral, quando não mesmo para fora do território nacional.
A análise dos dados estatísticos de população publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, põe em evidência este facto, verificando-se que entre 2011 e 2018, a população residente em áreas predominantemente rurais teve um decréscimo de -7,1 %, representando uma redução de quase 100 000 residentes.
Quanto aos dados relativos às regiões do interior do país, a sua análise mostra que esta redução é ainda mais acentuada, verificando-se que nas regiões da Beira Baixa, Beiras e Serra da Estrela e Alto Alentejo, o decréscimo de residentes em áreas predominantemente rurais ultrapassou os -10 %. No caso particular da região da Beira Baixa, verificou-se entre 2011 e 2018 uma redução de população residente em áreas rurais superior a 11 000 residentes.
Além da redução da população residente no interior do país e nas áreas rurais, assiste-se igualmente ao envelhecimento da população que ainda aí se mantém, com o aumento do índice de envelhecimento nas regiões do Alto Tâmega e de Viseu-Dão-Lafões a ser da ordem dos 40 % entre 2011 e 2018, atingindo nalgumas das regiões do interior rural valores da ordem de 700.
Um interior despovoado, sem infraestruturas, serviços públicos e atividades económicas dignificadas capazes de promover a fixação da população mais jovem e de captar novos residentes, torna mais difícil e frágil a sua salvaguarda, proteção e desenvolvimento.
Tal abandono foi uma das causas da extrema gravidade dos episódios catastróficos a que se assistiu em 2017 e 2018, num rasto de destruição que atingiu a floresta, outras atividades agrícolas, a atividade económica de forma geral, os ecossistemas e muitas populações, pondo em evidência as vulnerabilidades estruturais que existentes, a que é preciso dar resposta, com urgência e prontidão.
O esvaziamento dos serviços e organismos descentralizados dos diversos ministérios e direções-gerais, torna mais frágil a intervenção adequada sobre o território, nomeadamente no que respeita à manutenção e valorização dos espaços naturais, na potenciação das atividades agrícolas, com particular ênfase para a Agricultura Familiar, para a produção florestal sustentável, respeitando a diversidade de espécies e a promoção da utilização de espécies autóctones, para as atividades turísticas compatíveis com os espaços naturais, para a diversificação das atividades económicas dando resposta às necessidades de sustentabilidade ambiental e sociocultural das regiões em causa.
Atuar de forma planeada e estruturada, potenciando as múltiplas valências que o interior e o mundo rural proporcionam requer a preparação de propostas integradoras de política para a defesa, reanimação e desenvolvimento do interior e do mundo rural.
Criar uma estrutura multidisciplinar, integrando representantes institucionais, das entidades interessadas e das populações, capaz de dar a resposta necessária à realização dos Estudos de Caracterização e Diagnóstico e de Formulação de Propostas de Políticas que promovam o desenvolvimento destas regiões, constitui forma de responder aos muitos problemas que o interior e o mundo rural enfrentam.
Por esta razão o PCP propõe que seja criada a Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural, dotada dos meios humanos e materiais necessários para desenvolver, entre outras, as seguintes tarefas:
- Definir um conjunto de indicadores específicos de desenvolvimento do interior e do mundo rural;
- Apresentar elementos e estudos destinados ao diagnóstico e análise do desenvolvimento dos territórios do interior e mundo rural;
- Formular as propostas de investimento e intervenção necessárias ao desejável desenvolvimento do território, favorecendo a coesão entre as diferentes regiões;
- Apresentar anualmente à Assembleia da República um relatório sobre o estado do Interior e do Mundo Rural.
Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente Lei cria a Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural com o objetivo de assegurar a realização dos Estudos de Caracterização e Diagnóstico e formular as propostas de investimento e intervenção necessárias ao desejável desenvolvimento do território, favorecendo a coesão entre os territórios do Interior e do Mundo Rural.
Artigo 2.º
Objetivos e funções
A Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural terá como objetivos e atribuições, os seguintes:
- Elaborar um Sistema de Indicadores específicos de desenvolvimento do interior e mundo rural – de estado, pressão e resposta – que constitua uma ferramenta de apoio ao desenvolvimento de propostas e tomadas de decisão aos mais diversos níveis e nas mais diversas áreas;
- Elaborar e divulgar Estudos e Relatórios de caracterização e evolução da situação do interior e mundo rural nas suas múltiplas vertentes, nomeadamente no âmbito ambiental, social e económico;
- Formular propostas de planos e medidas destinadas à revitalização, dinamização e desenvolvimento do interior e do mundo rural, capazes de salvaguardar e potenciar os valores naturais existentes, promover o bem-estar e a qualidade de vida das populações, assegurar o desenvolvimento económico do interior assente na promoção da produção nacional sustentada, nomeadamente em termos agrícolas e florestais;
- Elaborar um Relatório Anual sobre o estado do Interior e do Mundo Rural, que entre outros elementos apresente os resultados relativos ao Sistema de Indicadores estabelecido, o qual deverá ser enviado à Assembleia da República, até 31 de março do cada ano, posterior àquele a que diz respeito.
Artigo 3.º
Conselho Geral
- A Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural será dirigida por um Conselho Geral composto por representantes das seguintes entidades:
- Um representante do Ministério da Agricultura
- Um representante do Ministério do Ambiente e da Ação Climática
- Um representante do Ministério da Coesão territorial
- Dois representantes de cada uma das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Centro, Alentejo e Algarve.
- Um representante do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.
- Dois representantes de cada uma das Confederações Agrícolas, nomeadamente da CNA, CNJAP, CAP e CONFAGRI.
- Um representante da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME);
- Dois representantes de Associações de Defesa do Ambiente de âmbito nacional;
- Um representante de cada uma das Instituições de Ensino Superior Público localizadas nas regiões do interior.
- Um representante por cada região NUTIII eleito de entre os Presidentes de Câmara dos municípios abrangidos.
- Um representante da Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
- Um representante da Associação Nacional de Freguesias.
- Quatro representantes das populações, designadamente de terrenos comunitários/baldios.
- Cada Grupo Parlamentar da Assembleia da República designará um elemento para integrar a Comissão.
Artigo 4.º
Organização e funcionamento do Conselho Geral
- O Conselho Geral será presidido por um dos representantes dos Ministérios da Agricultura, do Ambiente e da Ação Climática e da Coesão Territorial, eleito pelos elementos que o compõem.
- O Conselho Geral reúne ordinariamente em cada dois meses ou extraordinariamente sempre que for convocado pelo presidente, por sua iniciativa ou a requerimento de um terço dos seus membros.
- As decisões do Conselho Geral são tomadas por maioria, tendo o Presidente, voto de qualidade.
Artigo 5.º
Instalação
- A Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural será instalada no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da presente Lei.
- A Comissão de Desenvolvimento do Interior e do Mundo Rural funciona junto dos Ministérios da Agricultura, do Ambiente e da Ação Climática e da Coesão Territorial, os qual lhe devem atribuir os meios físicos, humanos e financeiros necessários ao seu funcionamento.
Artigo 6º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente Lei no prazo de 30 dias após a sua entrada em vigor.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.