Pergunta ao Governo N.º 168/XII/2

Criação do Grupo de Trabalho para implementação das USF tipo C

Criação do Grupo de Trabalho para implementação das USF tipo C

Foi publicado no Diário da República, 2ª série, o Despacho nº 12876/2012, de 1 de outubro, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, que cria o grupo de trabalho com o objetivo de analisar as condições de abertura de USF tipo C, a título experimental ao setor social e cooperativo.
Sob “bondosos” argumentos, como a cobertura dos cuidados de saúde primários ou o acesso a um médico de família aos utentes e colocando ainda na perspetiva de carácter supletivo relativamente às insuficiências do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o Governo dá mais um passo na privatização da saúde, alargando-a aos cuidados de saúde primários, bastante apetecíveis para as entidades privadas. A abertura das USF tipo C para o setor social e cooperativo é o princípio para alargar a todo o setor privado, independentemente do seu carácter lucrativo ou não. Estes argumentos, não passam de um engodo, transmitindo uma falsa ideia de preocupação com o acesso dos utentes aos cuidados de saúde de primários, quando na realidade, pretendem caminhar no sentido da sua privatização, para corresponder aos interesses e à pressão dos grupos económicos na saúde.
O programa do XIX Governo Constitucional já previa a gestão dos cuidados de saúde primários por entidades privadas ou sociais, portanto este despacho, trata-se da concretização das opções políticas e ideológicas do Governo PSD/CDS-PP e não de resolver os problemas amplamente sentidos pelos utentes nos cuidados de saúde primários. Se o Governo tivesse verdadeiramente vontade política de apostar nos cuidados de saúde primários, tomava medidas para reforçar os meios alocados, seja ao nível de financiamento, seja ao nível de recursos humanos, e adotava uma política de investimento público neste nível de cuidados de saúde.
Apostaria na valorização da carreira médica, nomeadamente na especialidade de medicina geral e familiar, para a tornar mais atrativa; reforçaria a formação de médicos; contrataria os profissionais de saúde em falta e implementaria o enfermeiro de família e dotaria os centros de saúde dos meios materiais e técnicos adequados. Mas o que temos assistido é exatamente o oposto. Este Governo encerrou serviços, extensões de saúde e SAP’s; reduziu horários de funcionamento com especial incidência no período noturno e fins de semana e feriados,desvalorizou as carreiras dos profissionais de saúde e despediu trabalhadores.
Nesta legislatura, o Grupo Parlamentar do PCP confrontou diversas vezes o Governo, nomeadamente o Ministro da Saúde sobre as USF tipo C. O Ministro da Saúde sempre afirmou que a criação de USF tipo C não era um objetivo do Governo. No entanto, não nos surpreendemos com a decisão do Governo criar as USF tipo C. Infelizmente não foi preciso esperar muito tempo para o Governo fazer exatamente o contrário do que disse na Assembleia da República. Esta atitude evidencia a falta de palavra do Governo, ou seja, diz uma coisa, para mais tarde fazer outra. Uma característica deste Governo que tem estado presente em vários momentos.
Quando foi anunciada a dita “reforma dos cuidados de saúde primários” em 2006, o PCP alertou para os perigos que daí advinham, particularmente com a possibilidade de abrir os cuidados de saúde primários a entidades privadas. Nessa altura o PCP afirmou que no momento em que a reforma era anunciada, constituía um violento ataque ao SNS, que “sem recursos financeiros e sem profissionais, em particular médicos de família, o apelo à criação de USF mais não era que um canto de sereia para abrir caminho à privatização dos cuidados de saúde primários”. O PCP previu e preveniu que a concretização desta reforma se enquadrava num processo de mercantilização e privatização da saúde, inserida nas pretensões do grande capital. Não é com regozijo, mas antes com profunda preocupação que afirmamos seis anos depois, que tínhamos razão. Quem beneficia são as entidades privadas, quem sai prejudicado são os utentes.
A criação deste grupo de trabalho não se trata de uma medida ingénua do Governo, ela encerra em si um grande alcance ideológico que vai ao encontro das opções políticas de PSD e CDSPP, traduzido na ofensiva ao SNS, no desinvestimento público na saúde e na progressiva entrega aos privados da área da saúde, encoberta de argumentos que visam ganhar a posição dos utentes, para posteriormente os enganar.
Ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, solicitamos ao Governo que por intermédio do Ministério da Saúde, nos sejam prestados os seguintes esclarecimentos:
1.Como justifica o Governo a mudança de posição, quando na Assembleia da República afirmou que não iria criar USF tipo C e agora publica um despacho que cria um grupo de trabalho para analisar as condições de abertura USF tipo C? O Governo quando fez tais declarações na Assembleia da República mentiu descaradamente aos deputados e ao povo, para evitar a contestação, já sabendo que iria avançar para as USF tipo C?
2.Está nas pretensões do Governo alargar as USF tipo C às entidades privadas, independentemente do seu carácter lucrativo ou não?
Se o Governo está verdadeiramente preocupado em reforçar os cuidados de saúde primários e garantir o acesso dos utentes, porque não tomou medidas para reforçar os meios financeiros e recursos humanos, mantendo a sua gestão pública? Só a gestão pública garante a universalidade do acesso, a qualidade, a eficácia, com custos mais reduzidos para o Estado. Não está de acordo?

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