Projecto de Lei N.º 565/XII/3.ª

Criação da Freguesia de Vera Cruz, no Concelho de Aveiro, Distrito de Aveiro

Criação da Freguesia de Vera Cruz, no Concelho de Aveiro,  Distrito de Aveiro

I- Nota introdutória

Em 2013, no âmbito da reorganização administrativa territorial autárquica, e a pretexto de uma falsa promoção da coesão territorial e do desenvolvimento local, a Freguesia de Vera Cruz foi extinta, conjuntamente com a Freguesia da Glória, tendo dado lugar a uma nova freguesia denominada União das Freguesias de Glória e Vera Cruz.
Porque da parte dos órgãos autárquicos e das populações se considera ilegal, ilegítima, injusta e injustificada a alteração forçada e unilateral em desrespeito pelas populações e pela autonomia das autarquias consignada na Constituição da República Portuguesa e comprovadamente não resolver nenhum problema económico ou financeiro, antes constituindo uma redução e diminuição do Poder Local Democrático e da democracia, se apresenta o projecto lei de recuperação da Freguesia de Vera Cruz no Concelho de Aveiro, Distrito de Aveiro.

II- Razões de ordem histórica

As primeiras referências documentais a Aveiro parecem remontar ao ano de 959, quando, no seu testamento, a condessa Mumadona Dias afirma doar ao convento de Guimarães as “terras in Alavario et Salinas”. Contudo, se nos quisermos alongar um pouco na sua origem etimológica, e ao mesmo tempo no campo hipotético, talvez encontremos uma relação directa entre o nome Aveiro e a grande abundância e variedade avícola que sempre caracterizou a região da Ria, ou mais concretamente, como também se afirma, com a existência de certo indivíduo nestas paragens, que se dedicava à caça e venda de aves, e ter ganho o epíteto de “Aveiro”.

Bafejada pela natureza, desde muito cedo começou a atrair a população, que por aqui se foi fixando, tentando retirar o máximo partido destas benesses naturais, dedicando-se a actividades como a salinagem, as pescas e o comércio marítimo. Elevada à categoria de vila desde muito cedo (a partir do século XIII), a povoação aveirense foi-se formando em torno da sua igreja principal, consagrada a São Miguel, que ficava situada na actual localização da Praça da República, até ser demolida, em 1835. A sua importância crescente não passou despercebida aos governantes de outrora, e o Infante D. Pedro, donatário de Aveiro e filho de D. João I, com a preocupação de a resguardar das piratarias da época, mandou mesmo erguer muralhas à volta de toda a área. Muralhas estas demolidas mais tarde, no século XIX, e reutilizadas em parte nos molhes da barra nova. Com o passar dos anos, Aveiro continuou a coleccionar distinções e a afirmar-se cada vez mais no panorama nacional.

Em 1434, é-lhe concedido, por D. Duarte, o privilégio de realizar uma feira franca anual, que resistiu até aos nossos dias, agora sob a designação de Feira de Março. Pouco depois, em 1472, a entrada da filha do Rei, a Infanta D. Joana, no Convento de Jesus (onde viria a falecer em 1490) tem honras de autêntica efeméride nacional, levando mesmo à posterior criação de um feriado municipal, e contribuindo ainda mais para a divulgação da terra. E em 1515, ganha o primeiro foral, manuelino.

O crescimento aveirense era tal que obrigou a mudanças administrativas, no século XVI. Em 1572, o recenseamento patrocinado pelo então Bispo de Aveiro, D. Frei João Soares, nas freguesias da sua Diocese, leva-o à constatação da excessiva aglomeração existente na vila – 11.365 pessoas – e à consequente decisão, com a devida autorização do Rei D. Sebastião, de desmembrar a até aí única paróquia em quatro novas, acabadas de criar. Assim, à freguesia de São Miguel passaria a pertencer a maior parte da vila muralhada e ainda o bairro de Alboi, a Ocidente; à freguesia de Espírito Santo o restante território muralhado (integrando os Conventos de São Domingos, de Jesus e de Santo António) e uma extensão para Sul, que abarcava Cimo de Vila, Vilar, São Bernardo, Santiago e uma parte da Presa e da Quinta do Gato; à freguesia de Vera Cruz o resto destas zonas da Presa e da Quinta do Gato, pertencendo-lhe toda a zona mais a Nascente, incluindo os Conventos do Carmo e de Sá; e à freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (também denominada de São Gonçalo) o território compreendido entre a Cale da Vila e o Canal de Ovar. São Jacinto pertencia, por esta altura, à jurisdição de Ovar.

Entre finais do século XVI e meados do século XVII, começa então a manifestar-se o fenómeno contrário àquele que impulsionara Aveiro para o seu desenvolvimento. A Ria de Aveiro, responsável por boa parte da riqueza que ali se instalou e multiplicou, ameaça provocar o efeito inverso, devido à acumulação de areias na sua comunicação com o mar, levando ao progressivo deslocamento da barra, primeiro para a área da Vagueira e depois para a de Mira, resultando mesmo no assoreamento total, que provoca a estagnação das águas e a consequente fuga da população, que vai originar diversos nichos piscatórios ao longo da costa portuguesa. Esta situação, no mínimo incómoda para o futuro da região, só é solucionada no início do século XIX, em 1808, com a abertura do canal que permitiu o escoamento das águas em direção ao mar.

No que diz respeito à organização administrativa da cidade, permaneceu inalterada ao longo dos anos, seccionada que se encontrava nas tais quatro freguesias, e só em 1835 viria a modificar-se, por ocasião da própria divisão administrativa do país em províncias, distritos e concelhos. Surge, então, o distrito de Aveiro, e dentro da cidade a redução de quatro para duas freguesias. Tomando-se o canal principal da Ria como ponto de referência, estabelece-se a Norte deste a freguesia da Vera Cruz e a Sul a de Nossa Senhora da Glória. Esta última surge da fusão das antigas São Miguel e Espírito Santo, enquanto que Vera Cruz aglutina a entretanto extinta Nossa Senhora da Apresentação. Aliás, Vera Cruz começou por manter a sua Igreja Matriz original (no actual Largo Capitão Maia Magalhães), mas depois adoptou a Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, primeiro apenas a título provisório, enquanto decorriam obras na outra, que não chegaram a ser concluídas, passando então a título definitivo.

Alguns anos mais tarde, em 1858, a freguesia recebe a “dádiva” de São Jacinto, vindo da freguesia de São Cristóvão de Ovar, mas não por muito tempo, já que menos de um século depois, em 1953, São Jacinto atinge a autonomia enquanto freguesia. Isto devido a dois factores essenciais: o geográfico, já que se tornava muito pouco prático ter a interposição da Ria pelo meio; e o económico, pois o desenvolvimento de São Jacinto era já uma realidade cada vez mais visível, nomeadamente com a instalação da base aérea e dos estaleiros para a construção naval. Aveiro criou e imortalizou várias figuras singulares da história portuguesa, como o Marnoto (profissão nascida das salinas) e a Tricana (camponesa local que envergava um traje único e especial) e, desde sempre, primou pela originalidade e pela distinção.

Quanto à Freguesia de Vera Cruz, e à sua situação actual, ela continua a desenvolver-se a olhos vistos. Geograficamente falando, a área citadina tradicionalmente ocupada, junto à Ria e ao epicentro histórico aveirense, mostra-se já pequena para o seu crescimento, e a expansão encontra-se actualmente direccionada especialmente para a zona da Forca Vouga, para onde foram inclusivamente transferidos alguns serviços de utilidade pública, como os Serviços Municipalizados e as Conservatórias do Registo Civil e do Registo Predial. A zona pantanosa tem sido alvo de um aproveitamento salutar, encontrando-se já várias zonas verdes, com esculturas de barro a enfeitar. A nível económico e empresarial, o progresso não é menos evidente. Com um comércio em plena efervescência, acompanhado por uma cada vez maior e mais completa gama de serviços, vocacionados para os mais diversos campos, e, claro, pela sempre historicamente presente gastronomia local, muito apreciada e procurada, quer no que toca aos pratos principais (principalmente de peixe), quer no que diz respeito à doçaria local, Vera Cruz continua a fazer singrar o bom nome aveirense, aquém e além-fronteiras.

A extinção de freguesias protagonizada pelo Governo e por PSD e CDS-PP assenta no empobrecimento do nosso regime democrático. Envolto em falsos argumentos como a eficiência e coesão territorial, a extinção de freguesias conduziu à perda de proximidade, à redução de milhares de eleitos de freguesia e à redução da capacidade de intervenção. E contrariamente ao prometido, o Governo reduziu ainda a participação das freguesias nos recursos públicos do Estado.

O Grupo Parlamentar do PCP propõe a reposição das freguesias, garantindo a proximidade do Poder Local Democrático e melhores serviços públicos às populações. Assim, propomos a reposição da Freguesia de Vera Cruz no Concelho de Aveiro.

Nestes termos, ao abrigo da alínea n) do artigo 164.º da Constituição da República e da alínea b) do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Criação
É criada no Concelho de Aveiro a Freguesia de Vera Cruz, com sede em Vera Cruz.

Artigo 2.º

Limites territoriais
Os limites da nova Freguesia coincindem com os da Freguesia de Vera Cruz até à entrada em vigor da Lei n.º 11-A/2013 de 28 de Janeiro.

Artigo 3.º

Comissão instaladora

1- A fim de promover as ações necessárias à instalação dos órgãos autárquicos da nova freguesia, será nomeada uma comissão instaladora, que funcionará no período de seis meses que antecedem o termo do mandato autárquico em curso.

2- Para o efeito consignado no número anterior, cabe à comissão instaladora preparar a realização das eleições para os órgãos autárquicos e executar todos os demais atos preparatórios estritamente necessários ao funcionamento da discriminação dos bens, universalidades, direitos e obrigações da freguesia de origem a transferir para a nova freguesia.

3- A comissão instaladora é nomeada pela Câmara Municipal de Aveiro nomeará com a antecedência mínima de 30 dias sobre o início de funções nos termos do n.º 1 do presente artigo, devendo integrar:

a) Um representante da Assembleia Municipal de Aveiro.
b) Um representante da Câmara Municipal de Aveiro.
c) Um representante da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Glória e Vera Cruz.
d) Um representante da Junta de Freguesia da União das Freguesias de Glória e Vera Cruz.
e) Cinco cidadãos eleitores da área da nova Freguesia de Vera Cruz, designados tendo em conta os resultados das últimas eleições na área territorial correspondente à nova Freguesia.

Artigo 4.º

Exercício de funções da comissão instaladora
A comissão instaladora exercerá as suas funções até à tomada de posse dos órgãos autárquicos da nova freguesia.

Artigo 5.º

Partilha de direitos e obrigações
Na repartição de direitos e obrigações existentes à data da criação da nova freguesia entre esta e a de origem, considera-se como critério orientador a situação vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro.

Artigo 6.º

Extinção da União das Freguesias de Glória e Vera Cruz
É extinta a União das Freguesias de Glória e Vera Cruz por efeito da desanexação das áreas que passam a integrar a nova Freguesia de Vera Cruz em conformidade com a presente lei.

Assembleia da República, 24 de abril de 2014

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