Senhor Presidente, Senhoras e senhores Deputados, Senhores Membros do Governo:
Se no passado dia 30 de Setembro um jovem português contraísse um empréstimo a 20 anos, para comprar uma casa no valor de 15 mil contos, este jovem teria acesso ao crédito jovem bonificado e pagaria uma prestação de 70 contos.
No dia seguinte, e a partir desse dia, para um jovem que compre uma casa igual, por um preço igual, a prestação passou de 70 para 94 contos! Porque o Governo acabou com a bonificação ao crédito.
Para muitos jovens e famílias carenciadas deste País, o artigo 5.º do Orçamento Rectificativo tem esta simples tradução: passou a ser incomportável o acesso à habitação própria. É esta a situação real e concreta que resulta da opção do Governo e da maioria de direita. O que desmente claramente a desvalorização que a Ministra das Finanças fez desta questão.
As taxas de juro, as tendências do mercado, a dinâmica da economia, podem trazer à discussão todos os argumentos e floreados que pretendam justificar esta medida.
Mas na prática, para muitas famílias e para uma larga maioria de jovens portugueses, que cada vez mais se confrontam com os baixos salários e a incerteza quanto ao futuro, a habitação é um direito cada vez mais distante. Consagrado na Constituição. Consensualmente reconhecido. Mas inatingível na vida real.
A este propósito, diga-se, não podemos deixar de lembrar que já em 2000, o anterior Governo tinha aplicado um sério golpe no poder de compra de milhares de famílias, quando baixou a taxa de referência da bonificação no crédito. Foi assim que a prestação de muitas casas sofreu aumentos de dez contos ou mais.
O que o actual governo veio fazer foi dar a machadada definitiva nesta que era uma medida social de incontestável alcance, e que para muitas famílias significou simplesmente a diferença entre poder e não poder levar por diante os seus projectos de adquirir casa própria.
Mas a acreditar na actual maioria de Direita, estes serão assuntos de somenos importância. É deixar o mercado funcionar, que um dia isto se resolve. Seja o que Deus quiser – ou melhor, seja o que o mercado e as suas leis quiserem.
Entretanto, fica por demonstrar a formidável poupança para a despesa pública que até 2004 esta medida significaria, de acordo com os seus defensores! Pelo contrário, e como se verifica no Orçamento de Estado para 2003, esta medida nem sequer se traduz em quaisquer poupanças para o Estado.
Nesta como noutras matérias (mas não em todas!), o Governo avança com o argumento de que é preciso acabar com o benefício, por haver situações irregulares no seu acesso. Para tentar justificar o injustificável, rapidamente se passou um atestado de desonestidade às famílias e aos jovens portugueses que beneficiaram deste regime.
Antes de mais, o PCP não aceita nem pactua com este tipo de argumentos generalizados. É inaceitável que de uma penada se lance a suspeição de fraude sobre todos aqueles que contraíram empréstimos ao abrigo desta bonificação.
Por outro lado, a discussão que agora temos vem demonstrar o que o PCP vem afirmando – e reclamando – há muito tempo: que é através de mecanismos de fiscalização que o problema se pode resolver. Acompanhando eficazmente os processos de crédito. Verificando o cumprimento da legalidade. E não acabando pura e simplesmente, e de uma vez por todas, com o crédito bonificado.
Aliás, se o princípio de “solução” fosse o mesmo, então também já teriam acabado os muitos benefícios fiscais que o Governo atribui, nomeadamente a grandes interesses económicos!
Senhor Presidente, Senhoras e senhores Deputados, Senhores Membros do Governo:
Para o PCP, a questão da habitação não é um caso de polícia nem pode ser um subproduto da especulação imobiliária. É um direito constitucional, que ao Estado cumpre assegurar. E para isso, são indispensáveis políticas estruturais, políticas de sentido positivo.
O que até agora o sistema financeiro anunciou não foi isso – foi, por exemplo, que uma família pode passar a pagar juros à banca durante mais anos. Ou que o inquilino pode ser despejado com mais rapidez e facilidade.
Quanto às políticas de base, de gestão dos solos e combate à especulação imobiliária, aí não se avança. E é aí que está o problema. Continua por criar o Plano Nacional de Habitação, que de uma forma integrada e sustentável, avalie e lance as bases de uma efectiva política para o sector, direccionada para o verdadeiro problema da Habitação
Pela nossa parte, o PCP já apresentou nesta Assembleia contributos para avançar nesse sentido. Desde logo, com o projecto-lei 56/IX, pela revitalização dos centros históricos. Oferecendo à população mais jovem novas soluções para a habitação. Qualificando estes núcleos urbanos, e criando condições para os municípios agirem nesse sentido.
O Governo, por seu lado, prefere nesta matéria dar mais privilégios aos fundos de pensões e ao capital financeiro – e impedir, no Orçamento de Estado para 2003, as autarquias de promoverem a Habitação Social, com as restrições ao nível do endividamento.
Chama-se a isto dar o que é dos outros, e recusar a quem precisa.
Mas já que falamos em recusar as medidas justas para quem delas mais precisa, vamos abordar a famosa contrapartida que o Governo prometeu para (supostamente!) compensar o fim do crédito bonificado: vejamos o apoio ao arrendamento.
Foi essa a “solução milagrosa” que a direita anunciou, para resolver o problema do acesso à habitação. Pois bem: para o próximo ano, o Governo traz-nos um corte de 6,9 milhões de euros nas verbas para o apoio ao arrendamento jovem. É uma quebra superior a 11%.
E isto, quando se sabe – aliás, foi o Governo que afirmou, em resposta a Requerimento do PCP – que das cerca de 120 mil candidaturas apresentadas pelos jovens a este apoio, perto de metade são processos novos, a juntar aos apoios existentes.
Ou seja: perante a perspectiva de um forte aumento da procura a este incentivo, e perante a ausência de alternativas no apoio à aquisição de casa própria, o que faz o Governo? Corta as verbas a um apoio que havia prometido aumentar!
Mais do que as palavras, são os actos e as opções políticas do Governo que demonstram com clareza os seus reais objectivos.
O Senhor Ministro Valente de Oliveira, que no Governo assume a tutela da habitação, declarou sobre esta matéria, em reunião da Comissão Parlamentar, que a habitação própria faz sentido… no momento próprio.
Para o actual Governo, pelos vistos, nesta como noutras áreas, os portugueses podem esperar. Para milhares de jovens, no que depende da acção deste Governo, dificilmente se saberá se e quando chega esse tempo próprio para ter casa própria.
Por isso, a resposta tem de vir, e vem, da acção dos jovens. Da sua intervenção e luta. Da sua firmeza perante o que é injusto e tem de ser combatido. Da sua convicção em defesa dos seus direitos. Para que o tempo próprio em que os direitos se cumpram não continue a ser adiado.
Nesta mesma luta, continua e continuará a estar o Partido Comunista Português.