Intervenção de

Corrupção, enriquecimento ilícito e derrogação do segredo bancário

 

Derrogação do sigilo bancário (vigésima alteração à Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, e Sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de Março) (projecto de lei n.º 94/XI/1.ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Irei pronunciar-me, em nome da bancada do PCP, acerca das propostas que são hoje apresentadas pelo PSD (projecto de lei n.º 90/XI/1.ª, projecto de lei n.º 89XI/1.ª, projecto de resolução n.º 26/XI/1.ª e  projecto de resolução n.º 25/XI/1.ª).

E começo, precisamente, pela proposta que nos suscita algumas reservas - a única, aliás, que será submetida à votação e que não contará com o nosso voto favorável -, que é o projecto de resolução que recomenda ao Governo que altere alguns aspectos da Lei-Quadro de Política Criminal, que têm a ver com razões de princípio. Consideramos, e sempre considerámos, que, num Estado de direito onde vigora o princípio da legalidade, não deve competir à Assembleia da República a definição de prioridades da política criminal e que isso deve competir ao Ministério Público.

Daí a nossa oposição à própria Lei-Quadro da Política Criminal e daí também que tenhamos reservas a que sejam feitas recomendações ao Governo no sentido da sua alteração. Os outros projectos de lei aqui apresentados contarão com a nossa concordância de princípio. Relativamente ao projecto de lei que visa a alteração de alguns artigos do Código Penal, de forma a acabar com a distinção entre a corrupção para acto lícito e a corrupção para acto ilícito, trata-se de uma matéria que vale a pena debater. Como sabemos, há algumas divergências na nossa doutrina penalista acerca da melhor solução mas, obviamente, não perdemos nada, antes pelo contrário, em procurar, na especialidade, com a contribuição das pessoas que mais entendem de Direito Penal em Portugal, encontrar uma solução que seja considerada adequada, a qual terá o nosso voto favorável. Relativamente à comissão eventual, os votos que fazemos é que ela, efectivamente, justifique a sua criação. Tem, tal como é proposto, um prazo adequado e seria pena, seria lamentável, que chegássemos ao fim dos 180 dias propostos para o funcionamento da comissão e se verificasse que o seu resultado, afinal, era uma decepção. Esperemos que não, esperemos que, com a contribuição dos vários grupos parlamentares e com a vontade política que se possa formar, valha a pena ter esta Comissão. Pela nossa parte, estamos inteiramente disponíveis para dar a nossa melhor colaboração. Resta-nos a questão do enriquecimento ilícito. Como se sabe, somos, por princípio, favoráveis à criação deste novo tipo de crime. Divergimos da solução técnica proposta pelo PSD, pois consideramos, de facto, que obrigar o Ministério Público a demonstrar a licitude da aquisição de um bem obtido através de fundos ilicitamente obtidos não é o melhor caminho, porque o problema não está na licitude da aquisição. Isto é, se alguém compra uma mansão com base em enriquecimento ilícito, compra-a legalmente e cumprindo todas as formalidades legais. Portanto, não é por aí, do nosso ponto de vista, que se deve colocar o problema.

Mas há aqui uma questão de fundo, que é esta: não vale a pena estarmos todos a dizer que estamos muito empenhados em combater a corrupção para, depois, não encontrarmos os mecanismos legais mais adequados para esse efeito.

Há uma questão que deve ficar aqui afirmada, que é a disponibilidade dos grupos parlamentares para, na comissão que vai ser criada, procurar encontrar soluções jurídicas adequadas para acabar com esta situação em que toda a gente concorda que o que caracteriza o crime económico, em Portugal, particularmente o crime de corrupção, é a impunidade. E a questão que aqui se coloca é saber quem é que tem vontade, de facto, de colaborar seriamente, de modo que, daqui uns anos, não estejamos a dizer o mesmo e a concluir que a corrupção permanece impune em Portugal, pois, quando se trata de encontrar mecanismos adequados, encontram-se subterfúgios para que nada se avance.

Portanto, é relativamente a esta questão que nos situamos, porque, vamos ver: um cidadão exerce um cargo público em dedicação exclusiva, e, portanto, o rendimento que ele aufere é público, é conhecido - se está em dedicação exclusiva não tem mais de onde lhe venha -, faz uma declaração ao Tribunal Constitucional relativamente à única função que exerce, dizendo qual o rendimento de que dispõe, declara o seu rendimento e património. Durante o exercício do seu cargo, enriquece subitamente. O que é que acontece? Face à lei portuguesa, nada! Não nos parece que isto seja adequado, que isto seja razoável. Portanto, não é demais pedir a esse cidadão que faça o favor de declarar de onde é que lhe veio o rendimento que lhe permitiu adquirir esta mansão, quando o senhor está em dedicação exclusiva num cargo onde aufere x. Não nos parece que haja aqui qualquer inversão do ónus da prova ou qualquer inconstitucionalidade.

O Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, em nome do Partido Socialista, tem vindo sistematicamente a afirmar a sua convicção sobre a inconstitucionalidade da criação deste tipo de crime. É uma opinião que é aqui manifestada pelo Partido Socialista e que respeitamos, mas o Partido Socialista também nos garantiu aqui «a pés juntos» que no Estatuto dos Açores, aprovado na legislatura anterior, nada havia de inconstitucional e vimos que houve variadíssimas inconstitucionalidades que foram declaradas.

Portanto, vamos discutir essa matéria em sede própria. Já que vamos ter uma comissão onde vamos ouvir especialistas sobre outras matérias, vamos também ouvi-los sobre esta matéria e vamos ver se, efectivamente, conseguimos encontrar uma solução que faça com que aqueles que enriquecem à custa da corrupção não se fiquem a rir das pessoas sérias, porque essa é que é, efectivamente, a realidade em que estamos e a Assembleia da República deve dar uma contribuição para erradicar essa realidade de uma vez por todas.

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