Intervenção

Corrupção - Intervenção de António Filipe na AR(declaração de voto)

Combate à corrupção

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O balanço final do processo legislativo de cerca de uma dezena e meia de iniciativas legislativas e parlamentares de combate à corrupção é tremendamente decepcionante. A grande maioria das propostas apresentadas foi recusada pelo Partido Socialista.

O trabalho que esta Assembleia levou a cabo durante vários meses alimentou a expectativa de poder vir a ser aprovado um diploma que tivesse um impacto relevante, com a criação de novos mecanismos legislativos que permitissem um combate mais eficaz à corrupção.

Foram apresentadas muitas iniciativas nesse sentido. Foi promovido um importante colóquio internacional. Foi criado um consenso no sentido de que as iniciativas inseridas no chamado «pacote contra a corrupção» fossem apreciadas na especialidade. Quem acreditou nessa expectativa não pode deixar de se sentir decepcionado com o resultado a que hoje se chega. Nós alimentámos essa expectativa e por isso, hoje, aqui manifestamos a nossa decepção.

Importa recordar que o PCP participou neste processo legislativo com as suas próprias propostas.

Apresentou um projecto de lei propondo a adopção de um programa nacional de prevenção e combate à criminalidade económica e financeira, a levar a cabo através de uma comissão nacional criada para esse efeito. Não se tratava de propor a criação de uma estrutura burocrática, que seria mais uma, nem de uma comissão emanada do poder político e submetida à vontade de maiorias conjunturais, nem de uma agência de emprego de clientelas políticas. Não se pretendia, com esta comissão, criar uma superestrutura que se substituísse às entidades que têm competências e responsabilidades próprias no combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira. O que se propunha era que se promovesse a coordenação de esforços entre essas entidades, no respeito pelas competências próprias de cada uma, colmatando uma falha que é hoje unanimemente reconhecida.

O PCP propôs a tipificação de um crime de enriquecimento injustificado. Tratava-se de aditar ao Código Penal um tipo de crime mediante o qual os cidadãos que exercem funções públicas e que disponham de um património manifestamente incompatível com os rendimentos que constam das respectivas declarações tivessem o dever de demonstrar a origem lícita desses bens.

O PCP propôs a aplicação aos crimes de corrupção de todas as possibilidades de protecção de testemunhas já previstas na lei para outras formas graves de criminalidade. Tratava-se de assegurar que quem de boa-fé denunciasse actos de corrupção fosse justamente defendido de eventuais actos de retaliação.

O PCP propôs a previsão da possibilidade de apreensão e perda para o Estado dos bens adquiridos por via da prática de crimes de corrupção.

O PCP propôs, ainda, a possibilidade de quebra do sigilo bancário por parte da administração tributária, sem dependência do consentimento do visado, quando se verificasse a existência de dívidas à segurança social, retomando as propostas que apresentou no âmbito do processo de alteração da Lei Geral Tributária, que, por responsabilidade exclusiva do PS, foi declarado inconstitucional e que ficou na gaveta, sem que até hoje tenha sido tomada qualquer iniciativa no sentido de expurgar a respectiva inconstitucionalidade.

Estas propostas foram rejeitadas, na totalidade, pelo PS. No enriquecimento injustificado, porque se invertia o ónus da prova, o que demonstrámos não ser verdade; no programa nacional de combate à criminalidade económica e financeira, porque se criaria uma nova estrutura, o que também não corresponde à verdade; na protecção de testemunhas, porque o Governo já apresentou uma proposta sobre a matéria.

A verdade é que, por uma razão ou por outra, a maioria foi recusando propostas, até transformar o chamado «pacote da corrupção» num magro diploma legal, com sete normas avulsas, desgarradas e com um impacto mínimo no combate à corrupção.

Nestas circunstâncias, o Grupo Parlamentar do PCP não abdicou de ver os seus projectos de lei votados em Plenário, para que cada grupo parlamentar assumisse as suas responsabilidades quanto ao seu conteúdo.

É certo que, nos 14 projectos que compunham o chamado «pacote da corrupção», havia matérias repetidas, havia matérias redundantes, havia propostas relativamente às quais também manifestámos a nossa discordância. Mas o facto de haver, no conjunto desse «pacote», alguma «obesidade» não justifica, de maneira nenhuma, que se tenha caído neste lamentável caso de «anorexia» legislativa de uma lei, que não é mais do que «pele e osso».

O PCP votou favoravelmente todas as disposições que foram aprovadas.

São todas positivas e algumas até foram propostas, na especialidade, pelo PCP. Mas, no seu conjunto, não só são manifestamente insuficientes como ficam muito aquém do que teria sido possível se tivesse havido, da parte do PS, uma maior abertura para a aprovação de outras propostas, vindas quer de outros partidos, quer mesmo de Deputados do seu próprio grupo parlamentar.

O PCP lamenta que este processo legislativo tenha sido uma oportunidade perdida, por não ter correspondido às expectativas criadas, por não ser um factor de prestígio da Assembleia da República perante o País e por não dar o contributo legislativo que se impunha para o combate a comportamentos criminosos que minam a credibilidade do Estado democrático.

Mas, para o PCP, e com isto termino, a luta e a apresentação de propostas de prevenção e combate da corrupção e de todas as formas de criminalidade económica e financeira não são de ontem nem terminam hoje. Insistiremos nas propostas que consideramos justas e acreditamos que, mais tarde ou mais cedo, elas se acabarão por impor pelo reconhecimento da sua justeza e necessidade.

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