Conselho de Prevenção da Corrupção
Intervenção de António Filipe na AR
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Alberto Martins,
Ouvimos a sua intervenção atentamente e ficámos com a sensação de que ela poderia estar a ser feita quando há um ano e meio atrás aqui debatemos as iniciativas sobre corrupção, porque, em termos de princípio geral, o que o Sr. Deputado aqui disse foi referido por todos os grupos parlamentares naquela altura. E a sensação com que ficamos é a de que, enquanto a Assembleia esteve a trabalhar sobre a matéria da corrupção, pelos vistos o Partido Socialista esteve a ressonar sobre o assunto...
Foram aprovadas, na generalidade, diversas iniciativas. Houve mais que tempo. A Assembleia da República fez, aliás, uma conferência internacional muito meritória sobre essa matéria.
Estivemos cerca de um ano com as várias iniciativas em discussão, na especialidade, e nessa altura o que o Partido Socialista veio dizer foi que estava contra todas as iniciativas apresentadas que propunham, de facto, várias soluções orgânicas relativamente à prevenção da corrupção. Ou seja, em vez de contribuir, na especialidade, nesse processo, com a sua solução, e colocando-a a debate entre as várias forças políticas para procurar chegar a consenso sobre ela, o Partido preferiu recusar tudo. E vem agora, cerca de quase seis meses depois da votação final global desse escassíssimo diploma que acabou por ser aqui aprovado, finalmente, apresentar a proposta de criação de uma entidade que, Sr. Deputado Alberto Martins, tudo «espremido» não é mais do que um grupo de estudo sobre a corrupção (projecto de lei n.º 540/X).
Creio que qualquer universidade, qualquer instituto de investigação, poderia organizar aquilo que os senhores aqui propõem desde que tivesse uma verba orçamental para isso - que é o que se sabe que as universidades portuguesas não têm. Mas, efectivamente, para tomar essa iniciativa de criar um grupo de estudo não nos parece que fosse possível esperar tanto tempo.
É uma decepção que o Partido Socialista venha fazer um agendamento potestativo e tenha perdido a oportunidade de apresentar as suas propostas quando todos apresentámos as nossas, para vir, agora, apresentar uma iniciativa que, de facto, é muito decepcionante.
Aliás, terminava esta questão perguntando ao Sr. Deputado Alberto Martins o que é que comenta perante as declarações da Dr.ª Maria José Morgado, que vêm hoje no jornal Público, precisamente acerca desta matéria.
O Sr. Deputado Jorge Strecht tem alguma coisa contra a Dr.ª Maria José Morgado?
Pareceu-me..., pelas suas observações.
A síntese que a Dr.ª Maria José Morgado fez sobre essas iniciativas foi a seguinte: «isto é fácil, é barato e não dá nada».
Gostaria de saber como é que o Sr. Deputado Alberto Ma reage a esta síntese.
(...)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
A leitura que é possível fazer desta iniciativa legislativa do PS é a de que, independentemente do conteúdo do projecto de lei apresentado, ao qual me referirei adiante, o Partido Socialista pretende retocar a má imagem com que ficou na «fotografia» há seis meses atrás, quando rejeitou diversas iniciativas legislativas, vindas de vários partidos.
Obviamente que a Assembleia da República e, naturalmente, a maioria não ficaram bem vistas com a lei que foi aqui aprovada, pela sua estrema magreza e sobretudo pela rejeição liminar de um conjunto de iniciativas que mereciam ter tido outra consideração por parte da maioria desta
Assembleia, razão pela qual pretende, agora, retocar a «fotografia».
Porque é verdade que, quando aqui há uns meses atrás estas iniciativas foram recusadas, Portugal já tinha assinado há vários anos a Convenção de Mérida, no âmbito das Nações Unidas, sobre o combate à corrupção e, portanto, era perfeitamente possível que, nessa altura, este debate se tivesse feito e que esta iniciativa pudesse ter sido apresentada para ser discutida.
Isso não aconteceu, mas, no entanto, havia propostas de vários partidos. Há pouco, o Sr. Deputado Fernando Negrão referiu-se ao projecto de lei do PSD, sobre a criação de uma agência sobre a corrupção, havia uma proposta do PCP, de criação de uma comissão nacional para o combate à criminalidade económica e financeira, e também havia uma proposta do Partido Socialista, apesar de o Partido Socialista não concordar com ela - tinha uma proposta mas não concordou com ela e rejeitou-a, como fez às outras.
Agora, vamos ao conteúdo daquilo que nos é proposto.
Há pouco, o Sr. Deputado Alberto Martins dizia que a pergunta que lhe fiz não era séria. Não faço qualquer juízo de valor acerca da resposta que me deu, mas vamos a factos: o Sr. Deputado Alberto Martins acusavame de falta de seriedade por estar a criticar uma proposta do Partido Socialista quando, afinal, o PCP também propunha a mesma coisa, na sua iniciativa legislativa.
Devo dizer, Sr. Deputado, que essa acusação é perfeitamente reversível, porque eu também podia perguntar-lhe: afinal, se a nossa proposta dizia o mesmo que diz agora a proposta do Partido Socialista, por que é que a recusaram há seis meses atrás?
Mas isso não é verdade, Sr. Deputado, porque a proposta do PCP que o Sr. Deputado referiu incumbia a comissão nacional que nós propusemos de coordenar a intervenção das entidades de supervisão, fiscalização e controlo em matéria de prevenção e combate à criminalidade económica e financeira.
Esta era a primeira atribuição que propúnhamos para a comissão nacional que constava do projecto de lei do PCP.
Ora, já li o projecto de lei do Partido Socialista da frente para trás e de trás para a frente e não consigo encontrar nele esta competência fundamental, mas se o Sr. Deputado a encontra, faça o favor de me chamar à atenção.
Mas não está nada perdido, apesar de os senhores terem recusado esta iniciativa legislativa. Se os senhores quiserem recuperar esta competência e atribuí-la ao conselho nacional que agora propõem, teremos o maior gosto nisso e achamos que o projecto só fica beneficiado.
Protestos da Deputada do PS Helena Terra.
Portanto, se aquilo que pretendem é aquilo que nós propusemos, Srs. Deputados, estejam à vontade, peguem nas propostas que fizemos para as atribuições da nossa comissão nacional e transponham-nas para o vosso conselho. Nós não temos rigorosamente nada a opor, pelo contrário, fomos nós que as propusemos e teremos o maior gosto em aprová-las, se os senhores o quiserem fazer.
Infelizmente, não foi isso que fizeram da outra vez.
Quanto àquilo que o Partido Socialista aqui propõe, vamos ver quais são as competências que atribui ao conselho: alínea a), recolher e tratar informações; alínea b), acompanhar a aplicação de instrumentos jurídicos; alínea c), dar pareceres; alínea d), n.º 2, colaborar, a solicitação de entidades públicas, na elaboração de códigos de conduta e na promoção de acções de formação, e, no n.º 3, coopera.
É verdade que os senhores dizem que não se trata de nenhuma alta autoridade e é evidente que não é, não é disso que se trata. De facto, o que aqui está é um grupo de estudos, Srs. Deputados do Partido Socialista, não é mais do que isso. É uma entidade consultiva e até é um pouco abusivo estar a considerá-la uma entidade administrativa independente porque, normalmente, as entidades administrativas independentes são dotadas de poderes reais e para isso é que lhes é conferida a independência.
Ora, esta entidade que propõem não tem poderes decisórios de espécie alguma, é uma entidade de estudo e de coadjuvação de outras entidades. E daí que até seja questionável, do ponto de vista da sua composição, porque, como já aqui foi chamado à atenção, tem um peso muito grande de inspectores-gerais e de directoresgerais, pelo que, por definição, a sua participação em entidades independentes é muito discutível. Isto para além de que, de duas uma: ou estes inspectores-gerais e directores-gerais têm disponibilidade para participar numa entidade que tenha, de facto, capacidade real e que tenha, de facto, intervenção ou, então, esta entidade não vai trabalhar tanto como seria suposto que fizesse.
Ou seja, não nos parece que seja muito curial pretender que uma entidade tenha, de facto, uma intervenção real e desenvolva um trabalho, que é obviamente meritório, e creio que se se propõe alguma coisa deve ser para isso, e depois na sua composição estão directores-gerais e inspectores-gerais. Quer-nos parecer que há aqui uma incompatibilidade de disponibilidades que pode dificultar uma coisa ou outra. Ou são directores gerais com pouco tempo para o serem ou são membros do conselho com pouca disponibilidade para o trabalho do conselho.
Mas nós não temos nada contra que se crie uma entidade como os senhores propõem para estudar os fenómenos da corrupção - obviamente que não! -, o que entendemos é que, de facto, é uma grande decepção que se faça um agendamento potestativo sobre uma matéria relevantíssima e que merecia outras iniciativas legislativas.
Obviamente, é com pesar que vemos que não podemos reapresentar iniciativas legislativas como a que aqui apresentámos, de criminalização do enriquecimento injustificado, porque ela foi recusada pelos senhores nesta sessão legislativa e, portanto, vamos ter de esperar pela próxima sessão legislativa para poder apresentar propostas relevantes de combate à corrupção. É uma pena não termos podido reapresentá-las para as podermos discutir, agora, com os senhores, mas é assim a Constituição.
Portanto, o PS recusou as nossas propostas de combate à corrupção nesta sessão legislativa e, agora, só a partir de Setembro é que as podemos reapresentar para discussão.
Mas, evidentemente, do nosso ponto de vista, esta Assembleia fará bem, numa futura sessão legislativa, em produzir legislação que tenha um impacto real no combate à corrupção e na prevenção da corrupção.
Infelizmente, não será ainda esta iniciativa que os senhores aqui propõem, que terá um efeito diminuto relativamente a esta matéria, independentemente da qualidade ou da valia dos materiais que venha a produzir, que poderão ser muito importantes, mas aquilo que se impunha era que houvesse uma entidade que tivesse, de facto, capacidade jurídica e operativa para proceder a uma coordenação de várias entidades, que essas, sim, têm competências reais para intervir em matéria de prevenção e combate à corrupção, e que houvesse, de facto, uma instância que pudesse pôr essas entidades em contacto, para que se prevenisse e se actuasse melhor contra a corrupção, que é um problema, uma chaga social e algo que deve preocupar todas as forças políticas e, obviamente, também esta Assembleia.
O PCP nunca negou os seus esforços, nesta Assembleia, para dotar o País com instrumentos legislativos adequados para combater a corrupção, mas, infelizmente, não é deste agendamento potestativo, deste projecto de lei do Partido Socialista que sairá um grande instrumento para esse objectivo.