I
O País está há décadas confrontado com uma política e um rumo que precisam de ser interrompidos. A ausência de respostas e o agravamento dos problemas nacionais reclamam uma outra política, uma política de esquerda, que rompa com a que durante décadas foi imposta por PS, PSD e CDS.
O debate, as considerações e sobretudo os posicionamentos a adoptar sobre eventuais «plataformas de esquerda» não podem ser observadas à margem de critérios e objectivos que lhe estejam subjacentes.
Para o PCP, a convergência necessária para a qual procura contribuir e trabalhar para a sua ampliação visa a ruptura com a política de direita e a construção de uma política alternativa.
Convergências baseadas em ambicionadas disputa de poder em que o mero propósito de soma de votos é erigida a objectivo absoluto, com a desvalorização dos conteúdos e posicionamentos concretos da cada força, não correspondem à construção e ao caminho que conduza à alternativa.
Pode surgir como apelativa aos olhos de muitos a ideia de somar forças à esquerda para combater a direita. Respeitando considerações e preocupações é preciso escrutinar, em nome desse propósito, se o caminho para o combate à direita e à política de direita sai fortalecido ou enfraquecido, e se o campo social e político da extrema-direita se alarga ou estreita. O que a vida política nacional mostra ao longo de décadas é que o que impõe construir é um caminho que conduza à ruptura com a política de direita que PSD e PS, com ou sem CDS, têm conduzido.
Na verdade, desvalorizar esta realidade desarma politicamente todos quantos aspiram a uma efectiva ruptura com essa política. A apresentação de «frentes políticas» de esquerda, aparentemente alargadas, servirão quem nelas participe não porque partilhe dessa opção de esquerda mas porque encontrará nela um factor para branquear a natureza das suas opções políticas, iludir o seu papel na promoção da política de direita, poder gerir com credibilidade reforçada os seus compromisso com a direita em questões essenciais.
Não foi por falta de disponibilidade para a convergência em torno de uma outra política ao longo dos anos que se chegou à situação actual – com o avolumar de problemas, o descrédito das instituições, o crescimento de forças reaccionárias. Foi porque nas questões fundamentais o que houve e tem havido é uma convergência entre PS e PSD.
A luta pela alternativa de esquerda não prescinde da convergência de todos os democratas e patriotas nisso empenhados, nem da indispensável clareza quanto a esse objectivo capaz de mobilizar os trabalhadores e o Povo visando a sua concretização. Forma e conteúdo são dois elementos indissociáveis desse processo. O que se impõe é ampliar esses elementos e não esbater e diluir projectos claros e coerentes para essa alternativa em somas de forças que que em matérias fundamentais se confrontam com posicionamentos distintos e opostos.
O PCP continuará a bater-se por essa convergência a partir dos valores de Abril, pelo cumprimento da Constituição e pelo que ela incorpora como referencial para uma política alternativa, pela denuncia e combate sem hesitações à direita e à política de direita.
As acusações de sectarismo ao PCP servem sobretudo para favorecer projectos de hegemonização de outros, para tentar apresentar como campeões da unidade aqueles mesmos que é no divisionismo que alimentam o seu espaço, para justificar acordos sem critérios nem coerência.
II
Agitam-se apelos para uma frente eleitoral em Lisboa para «derrotar a direita».
A ideia de uma frente/coligação eleitoral servirá em particular o PS e a sua apresentação como força de esquerda com um papel liderante de que não prescindiria, branqueando responsabilidades por opções que, no plano local e nacional, marcam a sua intervenção, alimentando atentismos e falsas soluções que serão aproveitadas para ampliar a sua margem de acção. A sua resultante final pode servir os desígnios mais gerais do PS mas não contribuirá para dar mais força à luta pela ruptura com a política de direita e a alternativa patriótica e de esquerda.
Não se trata só de observar orientações e práticas do PS na gestão de autarquias que não se distinguem em muitas áreas das que são prosseguidas por PSD. Trata-se de não poder iludir que a ofensiva em curso contra o poder local decorrente da transferência de encargos (apresentada como de transferência de competências) constitui uma das expressões mais violentas contra a autonomia do poder local com consequências directas no ataque a funções sociais do Estado e à sua universalidade. Uma ofensiva que é expressão directa do acordo subscrito em 2018 entre PS e PSD em nome de uma falsa descentralização que assegurou também o adiamento da regionalização, e que teve nos governos do PS papel decisivo na sua posterior concretização da legislação que a consumou.
A CDU afirma-se como espaço de convergência e participação democrática, com um projecto e percurso nas autarquias distintivo em aspectos importantes – serviço público, direitos dos trabalhadores, ordenamento do território, gestão da água, cultura e desporto, etc. – não só diferentes mas opostos aos do PS e outros.
É este espaço de afirmação reconhecido pelas características inerentes ao projecto do PCP e da CDU e os elementos estruturantes e identitários que marcam o exercício nos cargos e responsabilidades dos seus eleitos locais que devem ser preservados e ampliados. Um património e percurso com virtualidades e potencialidades que não são susceptíveis de serem diluídos em dinâmicas estritas de aritmética eleitoral.
Nas eleições locais o que vai estar em discussão no debate eleitoral são projectos próprios associados à natureza e opções de gestão, assumidos e afirmados por cada força política em presença que assumirá directamente a governação local. As conhecidas diferenças de concepções e práticas entre CDU e PS, mas não só, quer no plano da gestão autárquica quer em orientações nucleares do caminho para a afirmação, defesa e valorização do poder local o que exige é, no interesse das populações e da defesa dos seus interesses, a afirmação e reforço da CDU.
III
O PCP sublinha a urgência de uma alternativa patriótica e de esquerda que tem em Abril, nos seus valores e conquistas, a sua principal referência. Um caminho que exige o desenvolvimento da luta e da participação das massas, a convergência de democratas e patriotas em torno desse objectivo mobilizador e em que é essencial o reforço e a afirmação do PCP, força indispensável e insubstituível, do seu projecto distintivo, propostas e valores.
Podem conjecturar-se múltiplos cenários mas, sem o reforço do PCP, as aspirações de mudança para uma vida melhor que percorrem a sociedade portuguesa não se concretizarão. O PCP, a sua afirmação e reforço, com a sua identidade, o seu projecto, o seu programa, a política alternativa que protagoniza, o seu compromisso com os trabalhadores, o povo e o País sejam quais forem as circunstâncias, a sua coragem política, consistência e determinação, não podem ser diluídos e são elemento decisivo do caminho que Portugal precisa.
Publicado noJornal Avante!n.º 2641 a 11 de Julho de 2024