Exposição de motivos
Logo no dia 26 de março de 2020, o PCP realizou uma declaração política onde alertava: «A TAP precisa de meios para conseguir suportar vários meses sem as receitas decorrentes da sua operação e cumprindo o essencial dos compromissos a que está obrigada. Meios que poderão representar largas centenas de milhões de euros, mas que serão sempre inferiores aos custos da sua destruição. O Estado português deve assumir a responsabilidade no imediato pela gestão pública da empresa. Exigindo da União Europeia que cheguem à TAP os apoios já anunciados para o sector da aviação civil. Travando a entrega da empresa ao grande capital estrangeiro e transformando os recursos públicos – nacionais ou de fundos comunitários – que sejam necessários mobilizar para salvar a companhia, em capital social da empresa.»
Passou mais de um mês desde essa declaração. O Governo reconheceu em palavras a validade das preocupações expressas pelo PCP: a necessidade de mobilizar vastos recursos nacionais para salvar a TAP, o carácter estratégico da TAP para o desenvolvimento económico do país e particularmente para a recuperação pós-covid19 e a necessidade de a colocação nela de capitais públicos implicar um maior controlo pelo Estado. Mas na prática, pouco avançou.
A gestão da empresa continuou nas mãos dos grupos económicos privados, e o único “apoio” já libertado foi a colocação dos trabalhadores da TAP e suas participadas em lay-off, com um impacto de cerca de 40 milhões de euros mensais nas contas da Segurança Social, e uma redução generalizada de rendimentos para os trabalhadores do Grupo, sem esquecer os muitos despedimentos reais acontecidos, nomeadamente por via da não renovação de contratos a termo ou de prestação de serviços.
É, pois, necessário um plano para evitar a destruição e garantir o futuro da TAP. A Assembleia da República não pode continuar a assistir às hesitações do governo, incapaz de afrontar as orientações de uma União Europeia enfeudada aos interesses dos grandes grupos monopolistas do sector e amarrado aos seus próprios compromissos com o grande capital.
É necessário um plano que respeite integralmente os direitos dos trabalhadores da empresa, assegurando os seus salários e revertendo despedimentos. É necessário um plano para que, assim que o transporte aéreo regresse à normalidade, a TAP possa dar plena resposta às necessidades do País.
Não pode haver dúvidas: só a existência da TAP, só o seu controlo público, dará garantias de que o País terá a capacidade de realizar as ligações aéreas que entender necessárias, para assegurar a coesão nacional, para diminuir distâncias com as comunidades emigradas, para reativar a atividade turística em Portugal, e fazê-lo independentemente de outras companhias aéreas estrangeiras, que podem desempenhar um papel complementar à oferta da TAP, mas que na ausência desta não hesitariam em chantagear o país.
Mas uma medida central para a concretização de qualquer plano é a plena nacionalização da empresa e a retoma do controlo público sobre a mesma. É hoje claro que o capital privado não irá salvar a TAP, e que esta será destruída se nada for feito pelo Estado.
Depois da criminosa privatização de 66% do capital da empresa realizada pelo Governo PSD/CDS em 2015, e depois da não reversão completa dessa privatização pelo anterior governo, hoje o Estado detém 50% do capital, prescindindo, no entanto, do controlo público da gestão da empresa, é tempo de tomar decisões. É aí que a intervenção deve ser feita: impondo o controlo público e a conversão em capital de qualquer apoio público prestado à empresa.
Da mesma forma, a SPdH/Groundforce, que assegura uma parte da operação essencial à TAP, e foi reprivatizada à Urbanos em 51%, terá novamente de ser resgatada pelo Estado, que neste momento já suporta (junto com os trabalhadores) o grosso dos custos do lay-off decretado. Neste caso, nem sequer é credível que o Grupo Urbanos, já ele próprio em dificuldades económicas anteriores à atual situação, tenha qualquer capacidade de suportar o investimento necessário para salvar a empresa da insolvência.
É tempo de acabar com a submissão aos interesses do grande capital, e reconhecer a TAP pelo que ela é, e pelo que só ela pode ser no futuro próximo de Portugal. A TAP tem sido um dos principais exportadores nacionais, realizando em 2019 vendas superiores a 3,4 mil milhões de euros. Só a TAP, S.A., foi responsável em 2019 pelo pagamento de mais de 520 milhões de euros de salários aos seus trabalhadores e pelo pagamento de 111 milhões de euros à Segurança Social portuguesa, a que se acrescentam dezenas de milhões de euros em outras receitas fiscais, bem como, os valores entregues à Segurança Social e em IRS pelos seus trabalhadores. Uma realidade a que se somam cerca de 5 mil trabalhadores das restantes empresas do Grupo TAP (SPdH/Groundforce, Portugália, Cateringpor) e com a atividade económica que funciona a montante e a jusante da TAP.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
- A presente lei estabelece o regime de recuperação do controlo público do Grupo TAP, SGPS, S.A., doravante designado TAP, e da empresa Serviços Portugueses de Handling, S.A., doravante designada SPdH, por motivo de salvaguarda do interesse público.
- A recuperação do controlo público referida no número anterior compreende todas as áreas de atividade desenvolvida pelas empresas e deve ser realizada de forma a assegurar a continuidade dos serviços prestados, a manutenção dos postos de trabalho e a aplicação a todos os trabalhadores da contratação coletiva vigente, até substituição por outra livremente negociada entre as partes.
Artigo 2.º
Recuperação do controlo público
Para os efeitos previstos na presente lei, considera-se recuperação do controlo público a adoção de uma posição maioritária pelo Estado no capital destas empresas e a recuperação integral de todos os direitos sobre a gestão que essa maioria deve implicar, independentemente das formas jurídicas que venham a ser assumidas.
Artigo 3.º
Procedimentos e critérios
- O Governo fica obrigado a adotar os procedimentos necessários à recuperação do controlo público da TAP e da SPdH, independentemente da forma jurídica de que a mesma se revista.
- Na solução jurídica a definir para a recuperação do controlo público da TAP e da SPdH, o Governo deve considerar, entre outros, critérios que:
- permitam que todos os apoios públicos a fundo perdido necessários à amortização dos impactos da paragem forçada de atividade destas empresas sejam convertidos em capital social do Estado Português;
- revertam qualquer instrumento jurídico que determine a demissão do Estado do controlo de gestão;
- permitam que a recuperação do controlo público seja realizada assegurando os interesses patrimoniais do Estado e os direitos dos trabalhadores;
- permitam a defesa do interesse público perante terceiros;
- assegurem a conformidade dos Estatutos da empresa com critérios de propriedade e gestão pública;
- assegurem a transferência integral da posição jurídica da TAP e da SPdH resultante de atos praticados ou contratos celebrados que mantenham a sua validade à data da recuperação do controlo público, sem prejuízo do exercício do direito de regresso nos termos previstos na presente lei.
- São definidos por diploma legal:
- o montante e as condições de pagamento de eventual contrapartida a que haja lugar, caso os atuais acionistas optem por alienar o remanescente das suas participações sociais;
- a garantia de devolução, aos trabalhadores que detenham participação no capital social da TAP, de um montante igual ao valor das respetivas participações no momento da aquisição, independentemente de qualquer eventual desvalorização do valor real das ações;
- o modelo transitório de gestão da empresa, quando necessário.
Artigo 4.º
Regime especial de anulabilidade de atos por interesse público
O Governo fica autorizado a definir, por decreto-lei, um regime especial de anulabilidade de atos por interesse público que permita a anulabilidade de todos atos de que tenha resultado a descapitalização das empresas, designadamente a alienação de ativos de qualquer espécie, desde a privatização da TAP e da SPdH.
Artigo 5.º
Indemnização por lesão do interesse público
- O Governo fica obrigado à identificação de todos os atos de cuja prática tenha resultado lesão para o interesse público, em virtude de opções de gestão da TAP e da SPdH.
- Os atos de cuja prática resulte lesão do interesse público, identificados nos termos do número anterior, determinam a obrigação de indemnizar o Estado pelos danos e prejuízos sofridos.
- O Estado fica obrigado a exercer o direito previsto no número anterior.
Artigo 6.º
Dever de cooperação
Todas as entidades públicas e privadas ficam sujeitas a especial dever de cooperar em tudo quanto lhes seja solicitado, a fim de dar cumprimento ao disposto na presente lei.
Artigo 7.º
Defesa do interesse público
- O regime estabelecido pela presente lei não prejudica as medidas que o Governo considere necessário adotar para salvaguarda do interesse público.
- O Governo fica obrigado a adotar as medidas transitórias que se revelem necessárias à defesa do interesse público.
Artigo 8.º
Unidade de missão
- É criada uma unidade de missão, a funcionar junto do Governo, com a responsabilidade de identificar os procedimentos legislativos, administrativos ou outros que se revelem necessários ao cumprimento das disposições da presente lei, dotada dos necessários recursos humanos e técnicos.
- Compete ao Governo definir os termos de composição e nomeação da unidade de missão prevista no número anterior.
Artigo 9.º
Prazo de aplicação
O Governo fica obrigado a concretizar a recuperação do controlo público da TAP e da SPdH no prazo máximo de 30 dias após a entrada em vigor da presente lei.
Artigo 10.º
Norma revogatória
É revogado o n.º 5 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de julho.
Artigo 11.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.