Contribuir para um debate necessário

Dia 1 de Janeiro assinalaram-se os vinte anos da adesão de Portugal à
Comunidade Económica Europeia, efectuada no início de 1986.
Com este número da Revista «Portugal e a UE» iniciamos a publicação de
diversos textos, dados e informações que têm como objectivo contribuir
para o debate sobre as consequências, para os trabalhadores e para o
País, de vinte anos de presença de Portugal, primeiro, na CEE e, a
partir de 1992, na União Europeia.
Naturalmente, e como se comprovou, seria impossível abordar seriamente,
neste número da Revista, todos os multifacetados aspectos que se
colocam num objectivo com esta exigência e envergadura.
Ficam por abordar de forma mais ou menos desenvolvida, entre muitos
outros exemplos: a caracterização da evolução da CEE/UE, do mercado
comum à rejeitada «constituição europeia», nos seus três alicerces:
institucional/federalismo, económico/neoliberalismo e
segurança/militarismo; o processo de sucessiva transferência de
competências para instituições supranacionais, dominadas pelas grandes
potências europeias; o papel da UE nas relações internacionais e a sua
acelerada militarização; as consequências das políticas e orientações
comunitárias para diferentes sectores da nossa indústria, para os
serviços públicos, para os direitos e conquistas dos trabalhadores; a
caracterização da actividade dos deputados do PCP ao Parlamento, sempre
na defesa dos interesses dos trabalhadores e do País e solidários com
as lutas dos povos; ou ainda, as propostas que há muito avançamos para
uma outra Europa.
A estes e a outros aspectos voltaremos.
Igualmente será de sublinhar que não partimos do «nada» para a
abordagem das consequências de 20 anos de Portugal na CEE/UE. Temos um
património ímpar de dezenas de anos de análise, de proposta e de
intervenção. Património de que a edição dos 46 números desta publicação
também testemunha.
A adesão de Portugal à CEE, como os seus principais promotores afirmam,
foi essencialmente uma decisão política, que teve como objectivo o
combate a importantes conquistas económicosociais dos trabalhadores
portugueses alcançadas na Revolução de Abril, e a destruição das suas
profundas transformações na estrutura económica do País e do projecto
democrático, patriótico e internacionalista consignado na Constituição
portuguesa. A realidade aí está a comprová-lo.
Como temos vindo a salientar a «integração» de Portugal na CEE/UE não é
um processo neutro. Trata-se de um processo que coloca em causa os
interesses dos trabalhadores e do País; uma «integração» que serviu e
serve de alavanca à restauração dos monopólios em Portugal; uma
«integração» que se caracteriza pela submissão e condicionamento da
soberania e das potencialidades de desenvolvimento do País à
ingerência, ao domínio e às prioridades das grandes potências e do
grande capital.
Um processo de integração capitalista realizado «passo a passo», ou
seja, de facto consumado em facto consumado, apresentados de forma
mistificatória como «inevitáveis» e os «únicos» possíveis. Salvo raras
excepções, sempre à margem da participação dos povos.
Um processo de integração que alicerça a ofensiva do capitalismo na
Europa, em crescente aceleração - nomeadamente, após a derrota do
socialismo neste continente –, com cinco reformas aos Tratados em menos
de vinte anos (das quais, quatro em doze anos!): o Acto Único, a
criação do mercado interno (1986); o Tratado de Maastricht, a União
Económica e Monetária, com o seu Euro, a comunitarização da Justiça e
Assuntos
Internos e da Política Externa (1992); o Tratado de Amesterdão, o Pacto
de Estabilidade (1997); o Tratado de Nice, que, antecipando a
alargamento, reafirma o controlo do processo de decisão por parte das
grandes potências e dá suporte à militarização da
UE (2000); até à dita «constituição europeia» com, por exemplo, o seu
primado sobre as constituições nacionais, entre muitos outros aspectos
inaceitáveis (2004). Dita «constituição europeia» que foi rejeitada
pelos povos francês e holandês.
Passados vinte anos de participação de Portugal na CEE/UE, sob a
responsabilidade de governos do PSD (Cavaco), do PS (Guterres), do
PSD/CDS-PP (Durão / Santana / Portas) e PS (Sócrates), a realidade
portuguesa caracteriza-se:
– pela destruição ou debilitação de importantes sectores produtivos do
País, a par do domínio cada vez maior da economia portuguesa pelo
capital estrangeiro;
– pela crescente dependência externa do País;
– pela acentuação das desigualdades, a par da concentração da riqueza;
– pelo desemprego e precariedade laboral, pela pobreza;
– pela desertificação económica e humana do interior do País;
– pela manutenção dos mais baixos salários e das mais baixas pensões
médias quando comparadas com os mesmos países que integravam a UE, em
1986;
– pela diminuição do ritmo de convergência económica e mesmo divergência real, nos
últimos cinco anos, relativamente à UE;
– pela não inexistência de uma efectiva estratégia de desenvolvimento económico e social do País;
– pela abdicação de aspectos centrais da soberania nacional e a
submissão aos interesses e às imposições das grandes potências
europeias e dos seus grandes grupos económico-financeiros.
Realidade que coloca, como há muito afirmamos, a necessidade da ruptura
com a política de subserviência realizada pelo PS, PSD e CDS-PP e da
afirmação de um Portugal independente, num projecto de cooperação entre
Estados soberanos e iguais, que promova o progresso dos trabalhadores e
do País, a paz e a solidariedade internacional.
PS: por razões de espaço, não é possível publicar neste número outros
aspectos do trabalho realizado pelos deputados do PCP no PE,
nomeadamente quanto ao Quadro financeiro comunitário para 2007-2013 ou
quanto às negociações na Organização Mundial do Comércio, ou ainda
quanto às tentativas de liberalização dos serviços portuários, dos
transportes ferroviários ou da privatização da água, entre muitos
outros exemplos. Actividades que procuraremos divulgar posteriormente.