Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Contribuição extraordinária sobre o setor energético

Procede à segunda alteração ao regime que cria a contribuição extraordinária sobre o setor energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro
(proposta de lei n.º 278/XII/4.ª)
Altera o Regime que cria a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético
(projeto de lei n.º 779/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O PCP apresenta o projeto de lei que altera o Regime da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético e, tal como referimos no próprio texto do projeto de lei, a opção de segmentação, privatização e liberalização do setor energético, estratégia seguida pelos sucessivos governos, bem como a garantia de rendibilidades a um setor espartilhado e gerador de ineficiências e que integra um forte monopólio natural, estão na origem da acumulação, ao longo dos anos, do chamado défice tarifário na energia.
O PCP sempre se opôs à penalização quer dos consumidores quer dos contribuintes por uma situação que resulta das opções da política de direita no setor energético. Aliás, mesmo com o crescimento da dívida tarifária, desde a privatização e segmentação do setor, os grupos económicos acumularam milhares de milhões de euros em lucros.
O PCP considera que esta contribuição sobre o setor energético deverá ser o meio de anular a dívida tarifária, responsabilizando aqueles que mais lucram com a atual estrutura e opções políticas para o setor, não fazendo refletir em caso algum a resolução da dívida tarifária nos consumidores e nos contribuintes.
Assinalamos a necessidade de distinguir o contributo e os elevados lucros dos grupos económicos do setor energético sobre a dívida tarifária em relação à atividade de micro, pequenas e médias empresas que atuam no setor.
Da nossa parte, manifestamos total disponibilidade para encontrar as melhores soluções no plano legislativo em sede de especialidade, quer em relação ao objetivo, não único ou exclusivo mas principal, da eliminação da designada dívida tarifária na aplicação desta receita, quer em relação ao propósito de não excluir ou isentar grandes empresas e grupos económicos que hoje estão fora deste regime, designadamente na distribuição ou retalho. Duas últimas referências que não podem deixar de ser sublinhadas no tocante à política fiscal e aos setores estratégicos e que são questões de fundo nesta discussão.
Por um lado, não há, em Portugal, impostos a mais em abstrato, como temos vindo a repetir e a reafirmar. O que há é um peso fiscal insuportável e crescente sobre os rendimentos dos trabalhadores, dos reformados, dos micro e pequenos empresários e, simultaneamente, uma desoneração escandalosa da tributação dos grandes grupos económicos. Enquanto se está aqui a falar desta contribuição, estamos também já com a carga fiscal aliviada na taxa de IRC sobre os grandes grupos económicos.
Nós, PCP, propusemos a criação de uma taxa de 12,5%, uma taxa inferior, para lucros inferiores a 15 000 € e propusemos a eliminação do pagamento especial por conta para as micro e pequenas empresas. Mas também propusemos, em sede de IRC, a reposição da taxa normal de 25% e a criação de uma nova taxa, mais agravada, para lucros acima dos 3 milhões de euros. É uma questão de justiça fiscal, Srs. membros do Governo e Srs. Deputados.
Propusemos, neste mesmo setor, a redução do IVA sobre a energia elétrica e o gás natural para 6%, uma medida que já deveria ter sido seguida e que continua adiada por esta maioria e por este Governo.
Finalmente, com as privatizações, em particular, deste setor energético reduziu-se o financiamento do Orçamento do Estado e limitou-se a sua capacidade na resolução dos problemas do País. Uma das principais causas do défice das contas públicas de hoje está no desvio de muitos milhares de milhões de euros de lucros de impostos de empresas altamente rentáveis que foram ontem privatizadas.
É urgente romper com o poder dos monopólios e abrir caminho à recuperação para as mãos do povo português de setores estratégicos como este, com um setor empresarial do Estado forte e dinâmico, ao serviço da democracia e do desenvolvimento, fator imprescindível para responder aos problemas do País, mantendo em mãos nacionais alavancas económicas decisivas e promovendo uma política de emprego e elevação das condições de vida.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Carlos São Martinho,
Quero dizer, desde já, que a dúvida do Sr. Presidente, a dada altura, também era a minha, porque verificámos, essencialmente, uma tomada de posição por parte do PSD, que registámos e ouvimos com atenção, mas faltava, de facto, a pergunta.
Quando refere o sentido de voto que espera da parte do PCP, registo também o otimismo e confiança do Sr. Deputado Carlos São Martinho, mas aquilo que é essencial neste contexto é verificarmos que há um sentido e um caminho no qual o PCP, mais uma vez, não pode deixar de assinalar e marcar um contributo concreto do ponto de vista da clarificação e também da aplicação da forma mais justa de uma contribuição que peca por tardia e insuficiente. É esta a questão que nos move, essencialmente.
Dizemos, há muitos anos, que a chamada dívida tarifária não pode nem deve ser uma penalização sobre os contribuintes e os consumidores, mas o que está a acontecer, designadamente com a fiscalidade pseudo-verde, é que há uma penalização dos consumidores, quer com a imposição das taxas de carbono — designadamente do gás natural, que não tem culpa nenhuma disto —, quer com os custos com a produção em regime especial, que tem vindo a aumentar, onerando os contribuintes, e que levantam preocupações da nossa parte.
Quando diz que os operadores do Sistema Nacional de Gás Natural passam a ser incluídos, nós dizemos que, mesmo do ponto de vista do setor elétrico, e não só, na distribuição de energia, o retalho tem de ser aqui olhado de modo diferente por parte do Estado.
É por isso, Sr. Deputado, que dizemos que a nossa proposta traz um contributo que é naturalmente indispensável para o debate e para a solução legislativa adequada. Por isso, também depende deste debate a posição que todos nós viermos a assumir.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Se me permitirem, faço um esclarecimento muito breve em relação a questões que foram colocadas ao projeto de lei do PCP.
A proposta do PCP não pretende pôr os pequenos produtores ou os pequenos retalhistas a pagar esta contribuição; pelo contrário, esses estão isentos. O que propomos é que se acabe com a isenção, que hoje está em vigor, aos grupos económicos que têm empresas a operar no retalho e na produção em vários regimes.
Esta é uma proposta que nos parece justa e os Srs. Deputados que nos digam se estão ou não de acordo com este sentido, a bem dos consumidores e do interesse nacional.

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