Contrato de Trabalho em Funções Públicas

 

Regime de contrato de trabalho em funções públicas
Intervenção de Jorge Machado na AR

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Permitam-me que, em primeira instância, destaque a importância deste diploma (proposta de lei n.º 209/X). Este é um diploma - Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas - que altera profundamente as relações laborais dentro da Administração Pública. É um diploma que tem por base o actual Código do Trabalho, do PSD e CDS-PP - e, por isso, não é por acaso que o PSD e o CDS-PP não tenham apresentado qualquer proposta escrita de alteração aos aspectos mais gravosos do Código. Portanto, pegando numa base que já é má, que é o Código do Trabalho da maioria de direita da anterior Legislatura, o que PS faz na sua proposta é alterar para pior algo que já de si era muito mau.

Dada a importância deste diploma e o facto de alterar profundamente as relações laborais dentro da Administração Pública para mais de 700 000 trabalhadores, importa, Sr. Presidente, destacar a forma do processo legislativo a que se assistiu nesta Assembleia. De uma forma vergonhosa e absolutamente irresponsável, foram discutidos, na especialidade, mais de 1100 artigos em dois dias. No primeiro dia, a reunião começou às 10 horas da manhã e terminou às 2 horas e 30 da manhã do dia seguinte; no segundo dia, retomámos os trabalhos às 9 horas e 30 minutos da manhã e concluímo-los no dia seguinte, às 4 horas e 30 minutos, sem qualquer tipo de condições para se fazer uma discussão séria e responsável de um diploma que é tão importante para milhares e milhares de trabalhadores da Administração Pública.

Este calendário condicionou, de uma forma profundamente antidemocrática, a perspectiva de intervenção dos diferentes grupos parlamentares. O PS não só condicionou o tempo previsto para apresentação de propostas como condicionou, de uma forma vergonhosa, os tempos de discussão das propostas que o PCP apresentou.

Sr. Presidente, apresentámos mais de 240 propostas de alteração e avocámos para este Plenário mais de 140 propostas, porque este diploma não podia passar em branco, sem qualquer tipo de denúncia pública.

Um dos aspectos mais gravosos, Sr. Presidente, que importa destacar diz respeito ao combate à precariedade e ao uso dos contratos a termo. O contrato a termo deve constituir uma forma excepcional de contratação e a sua celebração deve estar subordinada ao princípio de que a uma função permanente corresponde um vínculo permanente, por isso a sua regulamentação legal deve estar conforme esta regra.

Por isso, Sr. Presidente, não se percebe que esta proposta de lei apresentada pela mão do PS crie um regime claramente mais desfavorável para os trabalhadores da Administração Pública quando comparado com o dos restantes trabalhadores do sector privado, uma vez que impede, liminarmente, a conversão de contrato a termo em contrato sem termo.

Por isso, o PCP apresenta uma proposta de alteração no sentido de garantir esse direito de conversão e, por essa via, combater a precariedade dos contratos na Administração Pública.

Outro dos aspectos mais centrais deste diploma é o direito ao horário de trabalho. Importa referir que esta importantíssima conquista de uma jornada de trabalho de 8 horas é uma das mais emblemáticas e fundamentais conquistas dos trabalhadores. Milhares de trabalhadores morreram para que esta limitação da jornada de trabalho fosse hoje uma realidade. Ora, o Governo PS, respondendo a uma antiga aspiração do patronato, pretende, em total desrespeito pelos trabalhadores, permitir a total desregulamentação dos tempos de trabalho.

Também na Administração Pública o Governo ataca as 7 horas de trabalho diário e as 35 horas de trabalho semanal, propondo limites que podem ser alargados até às 50 horas semanais. O PS impede, na prática, a compatibilização da vida pessoal e profissional e possibilita o não pagamento do trabalho extraordinário.

Por isso, o PCP propõe a eliminação de todos os artigos que prevêem a adaptabilidade, ou seja, a desregulamentação dos horários de trabalho, em profundo respeito pelo direito de cada trabalhador ao descanso, ao lazer, à compatibilização da vida profissional com a vida familiar e à participação cívica e política e pelo direito ao pagamento do trabalho suplementar e extraordinário.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O actual Código do Trabalho, do PSD e do CDS-PP, representou um retrocesso inaceitável nos direitos e garantias dos trabalhadores ao determinar, entre muitas outras questões, que o trabalho nocturno se inicia a partir das 22 horas e não a partir das 20 horas. Ora, em 2003, o PS desferiu violentos ataques a estas normas, propondo a alteração para as 20 horas.

Hoje, não só subscreve esta alteração, fazendo tábua rasa de todas as suas reivindicações, como quer determinar a sua aplicação aos trabalhadores da Administração Pública. Também aqui, Sr. Presidente, o PS dá o dito por não dito e defende o Código da direita.

Por isso, apresentámos propostas de alteração também neste sentido, Sr. Presidente.

Além de provocar uma quebra inaceitável do montante das pensões - 18%, de acordo com as últimas notícias -, este Governo criou ainda uma situação de grande desigualdade entre os trabalhadores da Administração Pública. Assume particular gravidade a aplicação de diferentes regimes de protecção na doença na proposta de lei que hoje discutimos, porque este Governo permite a diferenciação entre trabalhadores abrangidos por diferentes regimes de protecção de segurança social. Assim, relativamente aos trabalhadores cujas faltas sejam motivadas por doença e determinem a perda de remuneração, por aplicação desta norma passam a existir trabalhadores da Administração Pública que recebem 65% e outros que recebem 5/6.

Sr. Presidente, outro dos aspectos mais gravosos que importa aqui denunciar diz respeito ao artigo 160.º da proposta de lei. No seguimento da sua ofensiva, o Governo introduz um conceito inaceitável para os trabalhadores da Administração Pública, que é o conceito de despedimento por inadaptação, que permite, por exemplo, que estes sejam despedidos com base em avarias repetidas dos meios afectos aos postos de trabalho. Por outro lado, para os trabalhadores de grau 3 de complexidade funcional, isto é, qualquer licenciado, o não cumprimento dos objectivos previamente fixados pela entidade patronal é suficiente para fundamentar o despedimento. É um fundamento claramente inconstitucional, que importa aqui denunciar.

No que diz respeito à contratação colectiva, Sr. Presidente, o PS assume a caducidade dos contratos colectivos de trabalho, criando um regime de caducidade ainda pior do que o que a direita propôs em 2003, o que é um claro retrocesso.

Sr. Presidente, para terminar, quero destacar o ataque sistemático a um conjunto de direitos, liberdades e garantias no que diz respeito aos direitos sindicais e à actividade sindical. O que o PS fez foi uma discussão às 3 horas e 30 minutos da manhã sobre um artigo que limita, vergonhosamente, e de uma forma inaceitável, o crédito de horas laborais para os trabalhadores que querem exercer a sua actividade sindical e não disse uma palavra sobre este artigo, não obstante a forte denúncia do PCP, o que é bem demonstrativo do tipo de discussão na especialidade que foi feita por culpa deste Partido Socialista, que envergonha esta Assembleia da República.

Sr. Presidente, tendo já ultrapassado largamente o meu tempo - e por isso peço desculpa -, importa concluir dizendo que não há tempo suficiente para denunciar este escandaloso processo e este escandaloso projecto de lei. É o retrocesso em todo um conjunto muito significativo de direitos, que fica claramente associado a um Partido Socialista que pega num Código do Trabalho, do PSD e do CDS-PP, alterando-o para pior. É um papel vergonhoso de um Partido Socialista, que assumiu, enquanto era candidato às eleições, que iria alterar os aspectos mais gravosos do Código da direita. É um ataque inaceitável e profundo à Administração Pública.

Com este ataque aos direitos dos trabalhadores, fica já caminho aberto para atacar importantíssimos serviços sociais que a Administração Pública presta a todos os portugueses, deixando uma máscara de vergonha sobre o Partido Socialista, sobre o Governo e sobre esta Legislatura.

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