O Governo tem vindo a desenvolver processos de fusão e concentração de unidades hospitalares por todo o país com base em critérios meramente economicistas que colocam em causa a qualidade dos serviços e a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde. A coberto de uma pretensa utilização mais eficiente dos recursos disponíveis e de uma gestão integrada e racional da rede pública de unidades hospitalares, o real objetivo do Governo é a redução da despesa pública no setor da saúde imposta no âmbito do Memorando da Troica, assinado há quase três anos pelo PS, PSD e CDS.
A política de fusão e concentração de unidades hospitalares insere-se num quadro mais vasto de ataque ao Serviço Nacional de Saúde, marcado por um processo de degradação da oferta pública de cuidados de saúde, encerramento de serviços de proximidade, racionamento de meios, alargamento e aumento das taxas moderadoras, apoios aos grupos económicos e financeiros que operam no setor, diminuição dos apoios ao transporte de doentes não urgentes e crescentes dificuldades no acesso aos medicamentos, criando as condições para a gradual transferência dos cuidados de saúde para os grandes grupos privados que operam no setor.
Deste modo, vai-se dando corpo a uma opção política, ideológica e programática do Governo – e não uma opção meramente conjuntural ditada pela crise – de criação de um sistema de saúde a duas velocidades: um serviço público desqualificado e degradado para os mais pobres, centrado na prestação de um conjunto mínimo de cuidados de saúde, e um outro, centrado nos seguros privados de saúde e na prestação de cuidados por unidades de saúde privadas, para os cidadãos mais favorecidos. Só a luta das populações e dos profissionais de saúde, aliada à sua competência e empenho na defesa do serviço público, é que tem conseguido travar a plena concretização deste plano de destruição de uma das mais importantes conquistas da Revolução de Abril: o direito à proteção da saúde através de um serviço nacional de saúde universal e gratuito.
No dia 17 de maio de 2013, com a publicação do Decreto-Lei n.º 69/2013, o Governo desferiu mais um golpe contra os cuidados de saúde na região algarvia ao determinar a fusão do Hospital de Faro e do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (hospitais de Portimão e Lagos) num único centro hospitalar: o Centro Hospitalar do Algarve. Esta medida mereceu a frontal oposição de vários órgãos autárquicos e de outras entidades da região, enquanto os profissionais de saúde e as suas organizações representativas foram marginalizados em todo o processo. Deste modo, a decisão de criar o Centro Hospitalar do Algarve ocorreu à margem e em confronto com as populações, os profissionais de saúde e as entidades locais.
As caraterísticas demográficas e socioeconómicas da população residente no Algarve e as dificuldades nas deslocações dos utentes dos serviços de saúde desaconselhavam vivamente a fusão dos atuais hospitais num único centro hospitalar para toda a região algarvia.
De acordo com os Censos de 2001 e 2011, a população residente no Algarve passou de 395 mil para 451 mil, registando a maior taxa de crescimento populacional nacional. Contudo, o aumento global da população no Algarve foi acompanhado por um declínio populacional em praticamente todas as freguesias do interior serrano, do nordeste e da costa vicentina, agravado pelo aumento significativo da população mais idosa. O envelhecimento acentuado da população – com particular incidência nas freguesias do interior serrano – representa um dos fenómenos demográficos mais preocupantes na região algarvia, aconselhando o desenvolvimento da prestação dos cuidados de saúde de proximidade geográfica e não, como o Governo pretende e impõe, a concentração em megaestruturas.
A introdução de portagens na Via do Infante, o abandono de parte das obras de requalificação da EN 125 e o inqualificável atraso na conclusão das restantes obras deste eixo rodoviário, o adiamento sine die da construção do IC 4 e do IC 27, e a deficiente rede de transportes públicos regionais colocam sérios entraves à mobilidade na região algarvia, dificultando as deslocações dos utentes aos hospitais regionais. Tal constrangimento é agravado com a concentração de serviços e valências, exigindo aos doentes penosas deslocações.
O Governo, num exercício de mera propaganda, destinado a tentar convencer os algarvios da “bondade” da sua opção de criar um único centro hospitalar para toda a região, repetiu até à exaustão que da criação do Centro Hospitalar do Algarve não resultaria o encerramento de qualquer serviço ou valência nos hospitais de Faro, Portimão e Lagos. Contudo, a realidade dos últimos meses veio desmentir a propaganda do Governo, com a recorrência de situações de suspensão pontual de algumas valências do Hospital de Portimão, preparando o terreno para a futura desativação – definitiva – dessas valências com o objetivo de redução de custos, claramente identificado no Decreto-Lei n.º 69/2013 de 17 de maio. Aliás, a situação que se está a verificar nos hospitais algarvios segue o mesmo padrão de outras regiões do país, onde os processos de fusão e concentração se têm traduzido num gradual encerramento de serviços e valências.
Mas se sobre esta matéria subsistissem dúvidas, bastaria olhar para o que se passou, há uns anos, com a criação do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, agrupando os hospitais de Portimão e de Lagos. O Hospital de Lagos perdeu diversos serviços e valências. O bloco operatório foi encerrado em março de 2004 para não mais abrir, já que a unidade de Portimão tinha uma "capacidade instalada por rentabilizar nos blocos operatórios central e de cirurgia do ambulatório", permitindo "a realização de economias de escala com os profissionais de saúde daquele bloco" (a tal racionalização e adequação de meios e redução de custos apregoada pelo Governo). Os técnicos superiores do laboratório de análises do Hospital de Lagos foram deslocados para Portimão, de que resultou a transformação do laboratório deste hospital num mero posto de recolhas. Durante muitos anos, o Hospital de Lagos efetuou análises, raios X, eletrocardiogramas, endoscopias e ecografias. Agora, no hospital de Lagos fazem-se apenas eletrocardiogramas, análises (como posto de recolha) e raios X sem relatório. Atualmente, o hospital de Lagos tem um serviço de urgência básica, que não realiza análises nem raios X entre a meia-noite e as 8 horas da manhã. A construção do novo Hospital de Lagos, em terrenos cedidos pela autarquia, chegou a ser anunciada. Contudo, em resposta à pergunta n.º 1214/XII/1ª do Grupo Parlamentar do PCP, de 14 de novembro de 2011, o Governo informou que “face à necessidade de cumprir os compromissos assumidos no quadro do Memorando de entendimento […] a atual disponibilidade financeira não permite para já eleger prioritariamente a intervenção no Hospital de Lagos”, atirando a concretização do novo hospital para as calendas gregas. Desta forma se comprova que a criação do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio não se destinava a "melhorar a assistência hospitalar aos concelhos do extremo ocidental do Algarve – Lagos, Aljezur e Vila do Bispo – de forma eficiente e dentro de uma lógica de aproveitamento da capacidade existente no Serviço Nacional de Saúde", como na altura se anunciava, mas tão-somente ir gradualmente esvaziando o Hospital de Lagos dos seus serviços e valências até o transformar num centro de saúde.
Os hospitais de Faro, Portimão e Lagos apresentam uma elevada carência de recursos humanos, que compromete a prestação dos cuidados de saúde na região, revelando-se os sucessivos governos do PS e do PSD/CDS totalmente incapazes de gizar uma política de Saúde que assegurasse a colocação de um número suficiente de profissionais na região algarvia.
A criação do Centro Hospitalar do Algarve contribuiu para agravar a dificuldade de atração de médicos para os hospitais da região, já que os médicos do Centro Hospitalar do Algarve são forçados a prestar serviço em qualquer um dos hospitais integrados neste centro, chegando, inclusivamente, a ter de se deslocar diariamente entre o Hospital de Faro e os hospitais de Portimão ou Lagos. Se tivermos em conta as distâncias entre os hospitais (66 km entre Faro e Portimão ou 86 km entre Faro e Lagos), facilmente se compreende que a criação do Centro Hospitalar do Algarve e a mobilidade forçada dos seus médicos constitui um fator que influencia muito negativamente a capacidade de atração de novos médicos para os hospitais da região e de fixação dos atuais profissionais.
O argumento recorrentemente utilizado pelo Governo para justificar a concentração de unidades hospitalares é o da “sustentabilidade económico-financeira”. Contudo, se existe uma situação económica e financeira desfavorável nos hospitais algarvios, esta deve-se principalmente aos sucessivos anos de subfinanciamento crónico das unidades hospitalares e à política de desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde levada a cabo por sucessivos governos do PS, PSD e CDS, agravada com a imposição da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso. A opção do Governo de fundir os hospitais algarvios num único centro hospitalar não assentou em critérios clínicos, de acessibilidade dos utentes à saúde ou de qualidade do serviço, mas apenas em critérios de natureza economicista que visam reduzir as despesas com a Saúde, “custe o que custar”.
A concentração das unidades hospitalares algarvias num único centro hospitalar, imposta pelo Governo, não serve o interesse dos algarvios e do Algarve, apenas beneficia as entidades privadas prestadoras de cuidados de saúde da região. Não deixa de ser extremamente revelador o facto de a multiplicação da oferta de serviços de saúde privados na região algarvia ocorrer em paralelo, e em consequência, do estrangulamento financeiro a que são sujeitos os hospitais do Algarve.
Nos últimos meses, em consequência da criação do Centro Hospitalar do Algarve e da política de subfinanciamento crónico imposta pelo Governo, assistiu-se a uma acelerada degradação dos cuidados de saúde prestados na região, denunciada por utentes e profissionais de saúde.
Têm-se sucedido diversas manifestações, convocadas pela Comissão de Utentes do Serviço Nacional de Saúde, denunciando a degradação dos cuidados de saúde prestados nos hospitais do Centro Hospitalar do Algarve, tendo dado entrada na Assembleia da República, no início de fevereiro, a Petição n.º 335/XII/3ª “Defender o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio (CHBA) e manter todos os serviços de especialidades, recursos humanos e materiais no Hospital de Portimão”, promovida por esta Comissão de Utentes e contando com quase 7.000 subscritores.
No passado mês de janeiro, cerca de 200 médicos assistentes hospitalares (em 230) do Centro Hospitalar do Algarve dirigiram uma carta ao Presidente do Conselho de Administração, onde manifestam a sua preocupação relativamente à degradação dos cuidados de saúde prestados à população algarvia, que se traduz, em particular, no adiamento de cirurgias programadas, na falta de material cirúrgico, nos atrasos na realização de exames complementares, na falta de medicamentos (para doentes oncológicos e com doenças autoimunes, por exemplo), e na falta de material de uso corrente (como seringas, agulhas, luvas e fraldas). Em fevereiro, a propósito de um episódio ocorrido no Serviço de Cardiologia, em que se constatou a incapacidade de marcação de um exame programado por falta de material clínico, e das declarações injuriosas proferidas pelo Presidente do Conselho de Administração contra os médicos desse serviço, um número ainda maior de médicos denunciava a situação de rutura vivida no Centro Hospitalar do Algarve, a qual “põe em risco a assistência médica à população algarvia”.
Desde o primeiro momento que o PCP rejeitou a opção do Governo de fusão do Hospital de Faro e do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio num único centro hospitalar, tendo apresentado em julho de 2013 o Projeto de Resolução n.º 789/XII/2.ª “Contra a criação do Centro Hospitalar do Algarve e em defesa da melhoria dos cuidados de saúde na região algarvia”, o qual foi chumbado pelos deputados do PSD e do CDS, incluindo os deputados destes partidos eleitos pelo Algarve.
Oito meses depois da criação do Centro Hospitalar do Algarve, o PCP, tendo em conta o processo de acelerada degradação dos cuidados de saúde prestados nos hospitais algarvios e interpretando o sentir profundo das populações e dos profissionais de saúde, vem novamente propor o fim deste centro hospitalar, defendendo que, em simultâneo, se desencadeie um processo de planeamento e organização dos serviços públicos de saúde – onde se inclua a construção do há muito prometido Hospital Central do Algarve –, articulando os cuidados de saúde primários, continuados e hospitalares, envolvendo a comunidade local, os utentes, os profissionais de saúde e as autarquias no processo de definição das soluções, face às necessidades da população, dotando as unidades de saúde públicas dos meios e recursos humanos adequados para garantir uma resposta de qualidade e eficaz do Serviço Nacional de Saúde aos utentes do Algarve.
Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:
Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1. Ponha fim ao processo de fusão do Hospital de Faro e do Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio no Centro Hospitalar do Algarve, mantendo todos os serviços e valências nos hospitais de Faro, Portimão e Lagos, e que atribua às unidades hospitalares algarvias os meios humanos e financeiros adequados à prestação de cuidados de saúde de qualidade.
2. Faça o levantamento das necessidades de cuidados de saúde da população do Algarve, tendo em conta as suas características e critérios de acessibilidade e mobilidade e as condições sociais e económicas, com vista à apresentação de um plano integrado da reorganização dos serviços públicos de saúde, ao nível dos cuidados primários de saúde, cuidados hospitalares e cuidados continuados integrados, envolvendo na sua definição os contributos dos utentes, profissionais de saúde, autarquias e comunidade local.
Assembleia da República, em 28 de fevereiro de 2014