Projecto de Lei N.º 496/XII/3.ª

Contra o desmantelamento do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e pela e defesa dos postos de trabalho científicos

Contra o desmantelamento do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e pela e defesa dos postos de trabalho científicos

I

Aquando da discussão do Orçamento do Estado de 2014, o PCP confrontou o Ministro da Educação e Ciência com os impactos decorrentes de uma redução de 26 milhões de euros nas verbas da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) referentes ao montante disponível para “bolsas”. Escrevia o PCP na nota justificativa da proposta que tal decréscimo significou “uma redução de 16,5% referente ao ano de 2013, obviamente com consequências na redução significativa do número de bolseiros de investigação científica e com prejuízo para a continuidade e incremento dos projetos”.

Agora, a publicação dos resultados do concurso de Bolsas Individuais de Doutoramento e Pós Doutoramento da FCT revelou um cenário de destruição:

Dos 3.433 candidatos a Bolsas de Doutoramento só foram aprovadas 298.
Dos 2.319 candidatos a Bolsas de Pós Doutoramento só foram aprovados 233.

Isto significa uma percentagem de não aprovação de 90%.

Aliás, o número total de bolsas de doutoramento agora atribuídas – 729 – é inferior aos valores de 2002. Quanto ao número de bolsas de pós-doutoramento – 210 – é preciso recuar a 1999.

Perante isto, mais de 5.000 investigadores viram as suas vidas a andar ainda mais para trás, e os responsáveis dos centros e unidades de investigação começaram a ver o trabalho de décadas a ruir como um castelo de cartas.

Surgiram também problemas graves quanto à alteração da ordenação dos candidatos, colocando em causa o trabalho de avaliação científica dos painéis de júris. As Associações Portuguesa de Sociologia, de Antropologia, de Astronomia, de Linguística, e o Conselho dos Laboratórios Associados tomaram posições públicas importantes.

II

Para justificar a redução drástica do financiamento às Bolsas Individuais de Doutoramento e Pós Doutoramento (BIDPD), o Governo PSD/CDS tem invocado a “alteração de paradigma” e a opção de financiar Programas Doutorais (PD) em detrimento das BIDPD.

Ora, os PD financiados pelo atual Governo não têm como objetivo compensar as quebras de financiamento às BIDPD. Aliás, em 2012 do total de 238 programas a concurso foram aprovados apenas 58, sendo que o financiamento foi reduzido para 50 mil euros quando inicialmente era de 90 mil euros.

Importa ainda referir que em 2013 não houve abertura de concurso para os outros projetos financiados pela FCT, que já em 2012 tinham sido substancialmente reduzidos e o seu funcionamento reduzido de 3 para 2 anos. A redução significativa do número de projetos tem ainda a consequência de reduzir drasticamente o número de bolsas de investigação oferecidas pelas unidades de investigação.

Para além disto, o desenvolvimento científico deve ser visto em unidade e não sectorialmente. As várias ciências enriquecem-se mutuamente: desenvolvimentos na física tiveram repercussões em todas as outras ciências, assim como desenvolvimentos nas próprias ciências sociais já tiverem repercussões nas ciências ditas exatas. Por exemplo, a análise de redes sociais usada na sociologia mas também na antropologia com incorporações da teoria dos grafos têm tido repercussões na epidemiologia ou nas próprias ciências da computação, nomeadamente nas investigações sobre as modalidades de circulação de informação nas redes informáticas. Isto é, grandes avanços são feitos precisamente porque existem conceitos teóricos e procedimentos metodológicos que se tomam de empréstimo de outras ciências.

O “novo paradigma” é o de concentrar o financiamento da investigação científica nos grupos económicos e financeiros, em detrimento do desenvolvimento económico e social do país.

O investimento público em Ciência e Tecnologia em Portugal registou um máximo em 2009, pese embora nunca tenha atingido 1% do PIB, contrariamente à propaganda do anterior Governo PS. A despesa pública em I&D regista uma redução em 2010, sendo que em 2011 e 2012 essa redução mantém um ritmo de agravamento: de 2009 para 2010 reduz 5%; de 2010 para 2011 reduz 7% e de 2011 para 2012 reduz 2%. Isto é, a política de desinvestimento público no SCTN teve início com o anterior Governo PS e regista um agravamento significativo da parte do atual Governos PSD/CDS.

No entanto, e ainda sem os dados de 2013 e de previsões para 2014, tudo indica que agora o investimento realizado pelo Orçamento do Estado de 2009 tende a ser absolutamente desperdiçado pela queda vertical do nível de financiamento público.

A despesa nacional em I&D dividida pelo número de investigadores ativos é inferior a um terço da média da União Europeia a 28 e tem regredido nos últimos anos. Mas aumentou significativamente o número de trabalhadores científicos precários a trabalhar em I&D.

III

Os avanços registados no plano da investigação científica em Portugal devem-se sobretudo ao empenho e dedicação do trabalho e esforço público que alimenta o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN), porque o esforço privado foi sempre residual.

Para que fique bem claro, não é o sistema público de investigação e ciência que tem investigadores a mais. O sector privado é que tem investigação a menos.

Importa referir que tem sido através de financiamento público que têm sido pagos os salários dos doutorados nas empresas privadas e atribuídos benefícios fiscais a instituições privadas que declaram investimento de milhões em I&D apesar de registarem um número residual de doutorados nos seus quadros.

A solução não pode passar, como tem sido até aqui, por pagar com financiamento público o salário dos doutorados nas empresas privadas e atribuir benefícios fiscais a instituições privadas que declaram investimento de milhões em I&D tendo muito poucos ou nenhuns doutorados a tempo integral nos seus quadros.

Por exemplo, a Portugal Telecom declara 208 milhões de euros em despesas de I&D, mas tem apenas 4,5 doutorados (ETI) nos seus quadros; o Millennium BCP declara 40 milhões de euros em I&D, mas tem apenas 1 doutorado (ETI) nos seus quadros; mesmo a Bial declara 55,5 milhões de euros, mas apenas tem 17,1 doutorados (ETI) nos seus quadros; o grupo BPI declara uma despesa de 18 milhões de euros, diz ter 232 trabalhadores (ETI) em tarefas de I&D, sem declarar um único investigador ou um único doutorado; o Grupo Secil apresenta uma despesa em I&D de 14 milhões euros, declara 89 trabalhadores (ETI) em tarefas de investigação e desenvolvimento e 0 (zero) doutorados.

O “novo paradigma” anunciado pelo Governo PSD/CDS é subordinar a produção científica e tecnológica ao mercado privado, disponibilizando a I&D nacional aos grupos económicos e financeiros para que potenciem os seus lucros à custa do SCTN.

Esta estratégia é inseparável do caminho de destruição das funções sociais do Estado e de concentração do financiamento público nos privados em detrimento do desenvolvimento económico e social do país.

A ciência é um bem público e deve estimulada através de financiamento público, não limitando linhas de investigação, mas antes abrindo perspetivas de desenvolvimento económico e social.

IV

A redução drástica do número de bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento e a consequente redução do número de trabalhadores científicos em Portugal agrava o problema estrutural de carência grave de meios humanos, principalmente técnicos, técnicos superiores e investigadores.

Os resultados do Concurso Investigador FCT 2013 e agora destes concursos revelam as debilidades profundas duma política baseada em “bolsas” e “projetos” que não permite desenvolver e consolidar a base humana e material onde assenta um SCTN que responda às necessidades do País.

Nenhum sistema público de investigação e ciência se pode construir com base na desvalorização do trabalho, imposição de trabalho não remunerado e na ausência de direitos fundamentais no trabalho e na vida.

Mas a verdade é que tem sido assim em Portugal - cerca de metade dos trabalhadores científicos, 25.000 investigadores a tempo integral são precários.

São os trabalhadores mais qualificados do país mas são sujeitos à realização de trabalho não remunerado, dão aulas a custo zero, não têm direito a proteção social na doença, no desemprego, a subsídio de férias ou de Natal.

Sucessivos governos têm optado pela “bolsa” para impedir o acesso e a integração na carreira de investigação, permitindo pagar a um custo muito baixo mão-de-obra altamente qualificada, espezinhando os seus direitos fundamentais.

A desvalorização do trabalho científico, a generalização da precariedade, a não abertura de vagas tem consequências na degradação das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores científicos, com aumento significativo da carga horária sobre os que estão a trabalhar, abaixamento dos salários, emigração forçada e impossibilidade de retorno de investigadores altamente qualificados.

Para além da vida de milhares de investigadores, da continuidade e viabilidade de centenas de projetos, da salvaguarda das unidades de investigação e ciência, o desmantelamento do SCTN tem consequências graves no desenvolvimento económico e social do país e com isto na defesa da soberania nacional.

Neste contexto, o PCP decide da apresentação desta iniciativa legislativa no sentido responder em tempo útil à urgência de salvaguardar milhares de postos de trabalho e as unidades de investigação. Por isso propomos a reafectação das verbas referentes ao pagamento de BIDPD, aproveitando o concurso realizado e as respetivas seriações.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

1- Sem prejuízo das bolsas já atribuídas, são atribuídas novas bolsas, utilizando como referência mínima o número e valor das bolsas atribuídas no Concurso de Bolsas de Doutoramento e de Bolsas Pós-Doutoramento de 2012.

2- O processo de atribuição considera obrigatoriamente as candidaturas já apresentadas no concurso de Bolsas de Doutoramento e Bolsas Pós-Doutoramento da FCT de 2013, não podendo ultrapassar obrigatoriamente os 30 dias a partir da publicação da lei.

3- Para efeitos dos números anteriores são reafectadas as verbas necessárias.

Artigo 2.º

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação, reportando os seus efeitos a 1 de Janeiro de 2014.

Assembleia da República, em 24 de janeiro de 2014

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