Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Contra a continuação em funções do Governo e defesa para Portugal de outro governo e outra política que estabilize a economia, estabeleça uma política de rendimentos, equilibre as contas públicas e dê prioridade ao emprego e ao crescimento económico

Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Alberto Martins,
Estamos, neste momento, a assistir, em Portugal, a uma verdadeira operação de branqueamento desta maioria e do Governo que esta maioria suporta.
Há semanas atrás, o Partido Socialista foi convidado para negociações com esta maioria, na sequência de uma comunicação ao País do Sr. Presidente da República, em que se dizia que era indispensável para a salvação nacional que houvesse um acordo entre o PS, o PSD e o CDS. O que hoje verificamos é que não houve nenhum acordo, mas, pelos vistos, já não há nada para salvar, porque a remodelação governamental proposta pelo Sr. Primeiro-Ministro desta maioria será aceite pelo Sr. Presidente da República.
Portanto, estamos perante uma verdadeira operação de branqueamento.
É preciso referir que tudo aquilo que o Sr. Deputado disse acerca da crise gerada pelos desentendimentos dentro da maioria é verdade, mas, depois disso, o Partido Socialista aceitou negociar com a maioria na base de três pressupostos, que incluíam o cumprimento escrupuloso do Memorando da troica, a assunção de compromissos de médio prazo para o pós-troica e a aceitação daquela ideia, constitucionalmente muito criativa, da dissolução da Assembleia da República no prazo de um ano. O Partido Socialista aceitou esses pressupostos e aceitou, durante toda uma semana, encetar negociações com esta maioria. Goradas essas negociações, eis que o Governo aparece como que recauchutado e estamos todos a assistir a uma operação de branqueamento em que, objetivamente, Sr. Deputado, o Partido Socialista colaborou.
O que hoje constatamos é que já ninguém se lembra que houve um Ministro das Finanças chamado Vítor Gaspar e das medidas que ele aplicou, já ninguém se lembra da discordância manifestada, irrevogavelmente, pelo líder do CDS em relação à nomeação da Ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, e já ninguém se lembra que o Dr. Paulo Portas foi Ministro dos Negócios Estrangeiros e apresentou a sua demissão.
Esta operação de branqueamento só é possível, porque, de facto, durante aquela semana, o Partido Socialista, perante um Governo derrotado e em absoluto colapso, prestou-se a dar a mão e a andar uma semana inteira a realizar oito reuniões com esta maioria, para chegar à conclusão de que, afinal, não havia acordo. E, Sr. Deputado, há um grande mistério que fica a pairar no País, que é este: até foi dito, inclusivamente por membros da atual maioria e por atuais membros do Governo, que o acordo esteve quase, esteve por pouco, e que dará frutos no médio prazo. Fica a perplexidade perante o País: o que é que os senhores andaram, afinal, a discutir com a maioria, durante toda uma semana, em oito longas reuniões?
Era muito interessante todos podermos perceber isso, para saber exatamente o que é que o Partido Socialista estava disposto a aceitar daquilo que a maioria lhe quis propor.
É que, Sr. Deputado, uma coisa é objetiva: aquilo que os senhores apresentam, como sendo as propostas do Partido Socialista, é contraditório, de facto, com o cumprimento do Memorando da troica.
Portanto, há uma contradição que os senhores, evidentemente, têm de esclarecer perante o País: os senhores estão ou não com o Memorando que assinaram com a troica?

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