Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Conta Geral do Estado de 2009

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Discutimos hoje a Conta Geral do Estado de 2009 com um atraso muito significativo, tão significativo que já conhecemos a Conta Geral do Estado de 2010 e respetivos pareceres do Tribunal de Contas e do Conselho Económico e Social.
Idealmente, a Conta Geral do Estado deveria ser apresentada no mais curto prazo de tempo, logo após o final do ano respetivo, de modo a que a Assembleia da República pudesse dispor do parecer do Tribunal de Contas o mais tardar no momento em que se discutisse o Orçamento do Estado para ano subsequente.
Para que isto possa acontecer é necessário que os prazos para apresentação da Conta, pelo Governo, e para a elaboração do relatório, pelo Tribunal de Contas, sejam encurtados, permitindo uma maior tempestividade na prestação de contas do Estado, tornando os debates sobre estas contas num momento político com muito maior importância e relevância públicas.
No Relatório do Orçamento do Estado de 2009 afirmava-se, a certa altura, que esse orçamento seria «um orçamento responsável e solidário com os portugueses e as empresas». A Conta Geral do Estado veio comprovar, para quem ainda tivesse dúvidas, quão falsa e cínica era esta afirmação.
Na realidade, o Orçamento foi solidário mas com os grandes grupos financeiros, destinando-lhes 61% das medidas lançadas para combater a crise económica, enquanto apenas 1% eram destinadas a apoiar o emprego.
Esta tocante solidariedade com o mundo financeiro revelou-se ainda, por exemplo, na atribuição de garantias prestadas ao BPN e demais instituições bancárias, num montante que se aproximou dos 3000 milhões de euros, enquanto se assistia, simultaneamente, a um forte agravamento do desemprego, que aumentou, em 2009, de 7,6% para 9,5%.
Diria o governo de então — e, não estando aqui, disse-o o Sr. Deputado João Galamba — que a economia mundial tinha sofrido a mais forte crise desde a Grande Depressão e que era necessário cuidar, em primeiro lugar, do sistema financeiro. Dizemos nós que esta opção do governo em 2009 foi uma clara opção de classe, confirmadíssima, aliás, pelos orçamentos que se seguiram, quer do Governo PS, quer do atual Governo PSD/CDS, em que a rápida consolidação das contas públicas foi assumida como prioridade absoluta, «custasse o que custasse», exigindo o sacrifício dos trabalhadores e do povo português no altar do neoliberalismo, perante o olhar aprovador da troica externa e dos mercados financeiros.
A Conta Geral do Estado de 2009 é um documento opaco. Aparenta ser, tal como se afirma no parecer do Conselho Económico e Social, «o resultado de colagens várias, em que não foram previamente assegurados critérios e metodologias suficientemente homogéneos e consistentes».
Contudo, tal opacidade permite mesmo assim constatar que o Plano Oficial de Contabilidade Pública apenas foi utilizado por 40,3% dos serviços, que os níveis de execução financeira na generalidade dos programas comunitários foram baixos, que em diversos ministérios a execução do PIDDAC comportou um peso excessivo de despesas correntes em detrimento do investimento, que a dívida a fornecedores de bens e serviços superou os 2000 milhões de euros, entre muitos outros factos relevantes.
Na altura, votámos e lutámos contra este Orçamento do Estado, como agora votaremos contra esta Conta Geral do Estado, um documento que revela, com toda a crueza, que as políticas prosseguidas na altura não serviam, como não servem agora, o interesse dos portugueses e de Portugal.

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