O anúncio hoje em Portugal da existência de um "relatório interno" da representação no país da Comissão Europeia, sobre a actuação do Tribunal Constitucional, que tece considerações sobre o exercício das suas competências enquanto garante da Constituição da República Portuguesa e do regime constitucional, merecem da nossa parte o mais vivo repúdio e condenação.
Estas considerações juntam-se às declarações que V. Exa., enquanto presidente da Comissão Europeia, fez há poucos dias, numa deslocação a Portugal, igualmente sobre as decisões do Tribunal Constitucional.
Ambas as situações e considerações constituem uma pressão inaceitável sobre um órgão de soberania do Estado português e uma descarada e inaceitável ingerência nos assuntos internos de um Estado soberano. Uma forma de pressão sobre um tribunal cuja competência é garantir o respeito pela Constituição e o regime constitucional, sendo, nessa medida, um grave ataque à democracia, ao Estado de direito, à lei fundamental de um país e às instituições que os devem salvaguardar. Uma pressão que faz de preceitos consagrados no próprio Tratado da União Europeia (como os Artigos 2.º e 4.º) mera letra morta.
O relatório cujo conteúdo é, em parte, hoje divulgado na imprensa portuguesa evidencia que, mais do que reprováveis desabafos dos responsáveis da Comissão Europeia e do seu presidente, estamos perante uma campanha orquestrada contra as decisões do Tribunal Constitucional e contra a Constituição da República Portuguesa, atentatória da soberania nacional e do respeito devido aos orgãos de soberania do Estado português. Fica claro o "activismo político" da Comissão Europeia, tendo em vista o aprofundamento do rumo de destruição de direitos e conquistas democráticas e sociais, de agravamento das condições de vida dos trabalhadores e do povo português, de total desrespeito pela soberania nacional, numa actuação de indisfarçável recorte neocolonial.
Ao contrário do que a Comissão Europeia sugere ou afirma, não é a Constituição da República Portuguesa e os direitos, liberdades e garantias que consagra que entravam o desenvolvimento económico e social do nosso país, mas antes o Memorando de Entendimento imposto ao povo português as políticas de subserviência aos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros e das grandes potências, que quer o Memorando de Entendimento quer as políticas e eixos orientadores da UE, consagram e defendem.
Tentando a chantagem junto do Tribunal Constitucional e apelando ao desrespeito pelo estabelecido na Constituição da República Portuguesa, a Comissão Europeia coloca-se abertamente contra o povo português que de forma crescente contesta o rumo de desastre nacional e de submissão aos interesses dos grandes grupos económicos e do capital financeiro. Esta inaceitável e grosseira atitude da Comissão Europeia apenas contribui para abrir caminho a novos e mais graves desenvolvimentos na situação económica e social do nosso país e, além disso, para a degradação do próprio regime democrático.
Assim, lavrando desde já, por esta via o mais veemente protesto pela actuação da Comissão por si presidida e exigindo, pelo teor que conhecemos das declarações vindas a público um necessário e urgente pedido de desculpas ao Estado português solicitamos simultaneamente a V. Exa. que, tendo em vista um cabal conhecimento do conteúdo do relatório elaborado pela Representação em Portugal da Comissão Europeia, cujo conteúdo foi em parte divulgado na imprensa, nos envie, o mais brevemente possível, uma cópia do mesmo.
Os deputados do Partido Comunista Português no Parlamento Europeu,
João Ferreira
Inês Zuber