(interpelação n.º 14/XI/2.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro das Finanças,
É evidente que, em primeiro lugar, tem de haver uma palavra para o processo e para a forma de arrogância, para com o País e com o povo, como o Governo apresentou estas medidas, não dando qualquer explicação aos órgãos de soberania, à Assembleia da República, onde, até agora, não entregou esse PEC 4.
É evidente que já percebemos que o Primeiro-Ministro vai recolher as orientações a Bruxelas e, depois, aplica-as no País, sem se importar muito com o funcionamento das instituições. É uma espécie de «administrador-delegado da União Europeia para Portugal», tal como O Sr. Ministro de Estado e das Finanças, guardião das orientações financeiras e monetaristas de Bruxelas, se comporta também como uma espécie de «intendente da política neoliberal para o nosso País», impondo-a em toda a extensão da política governativa.
E a verdade é que, com este Governo, que não apresentou perante a Assembleia estas medidas — e podia
tê-lo feito, não era preciso ser na quarta-feira ou na quinta-feira, podia ter sido uns dias antes, ou na semana anterior, nada o impedia, mas o Governo não quis fazê-lo —, não temos a soberania nacional defendida na União Europeia, porque o Governo, em vez de levar daqui os interesses portugueses para defender lá, traz de lá as orientações do «núcleo duro» da União Europeia para aplicar aqui, e isso é o que está errado neste processo!
Mas nós, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, ao contrário de outros, queremos falar do conteúdo do PEC! Queremos falar dessa questão da facilitação e embaratecimento dos despedimentos, com a dupla
limitação às indemnizações: uma, limitando o número máximo de anos contabilizados, faz com que um
trabalhador que tenha trabalhado 30 ou 40 anos receba de indemnização, se for despedido, apenas como se tivesse trabalhado 12; e outra, limitando os dias que são pagos pelo grande patronato, se despedir um trabalhador, que deixam de ser 30 e passam a ser 10, porque os outros 10 vão ser descontados nos salários de quem trabalha.
E mais: o Governo, que sempre anunciou rejeitar que este mecanismo se aplicasse aos contratos já
existentes, abre agora a porta para o aplicar a todos, para poder despedir facilmente e contratar precários, trabalhadores mais mal pagos, trabalhadores cujos direitos possam mais facilmente ser negados.
E mais: vem lá no PEC a liberalização das rendas e aquela extraordinária expressão da «simplificação do procedimento de expulsão do arrendatário» — é o que lá está escrito nos princípios que o Sr. Ministro anunciou —, como se estivéssemos a falar de caixotes e não de pessoas, que não podem ser expulsas na situação que estamos a viver! «Simplificação da expulsão do arrendatário» — é assim que o Sr. Ministro fala das pessoas que vivem como inquilinos em casas arrendadas!!
E está lá também a aceitação da imposição da União Europeia de liberalização de todos os sectores, de privatização de todos os serviços públicos; o congelamento das pensões, essa medida dramaticamente injusta para os pensionistas do nosso País; o abaixamento real dos salários, a continuada baixa dos salários no nosso País; o aumento do IVA nos bens alimentares; o corte nos transportes; o encerramento de serviços de saúde…! Tudo isto está previsto nesse PEC 4!!
Mas para os grandes interesses económicos, para esses, também há PEC. Só que é um PEC diferente, Sr.
Ministro! É um PEC que permite que a PT, depois de ter antecipado os dividendos para não pagar imposto, tenha agora um novo bónus de 250 milhões de euros para compensar a entrega, vantajosa para a PT, do fundo de pensões!
É um PEC que permite que a banca tenha os mesmos lucros e pague metade dos impostos. É um PEC que diz que, mesmo assim, depois de tudo o que receberam do Estado, ainda se abre a possibilidade para injectar mais dinheiro na banca e no sector financeiro, quando para pensões, salários e serviços públicos é só cortar, é só cortar!!
E isso, Sr. Ministro, é bem a marca da governação deste Governo: para os que têm muito, tudo; para os
que têm pouco, nada.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Percebo bem o Sr. Ministro das Finanças, que vem para aqui com a «conversa do café» para, com isso, querer escapar à questão. E a questão a que o Sr. Ministro não quer responder é a de que o acesso ao tal fundo europeu para apoiar a questão das dívidas soberanas está condicionado pelas regras do FMI.
É o que está escrito nas conclusões do Eurogrupo e é isso que o Sr. Ministro das Finanças não quer abordar. Por isso é que se pôs com a «conversa da mudança do café.»
Sobre este PEC, há uma questão que gostava muito de ver respondida pelo Governo. Queria que o
Governo apontasse uma única medida, uma só!, neste PEC, que seja de justiça social. Ou que apontasse uma única medida que tenha em vista fomentar o desenvolvimento económico, investir, melhorar as condições do País, melhorar o mercado interno. Ou que apontasse uma única medida para aumentar a equidade fiscal, a justiça fiscal, uma medida que faça aqueles que têm muito pagarem mais. Onde é que estão essas medidas no PEC? Não existem. Só há medidas para penalizar os que já estão muito penalizados.
Este é o PEC que bem fica simbolizado por o Governo pretender aumentar o IVA para o leite e baixar o IVA para o golfe. É esta a polícia fiscal do Governo do Partido Socialista!