Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Consagra o princípio da transparência ativa em toda a Administração Pública

(projeto de lei n.º 809/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O Sr. Deputado José Magalhães já percebeu que, neste debate, todos os oradores se referem em primeiro lugar à parte boa da iniciativa legislativa e, na segunda parte, vão à parte má. Eu não serei exceção.
Portanto, começaria por dizer que, de facto, o princípio geral subjacente à iniciativa, o princípio da transparência, é um princípio estimável e creio que estimado por todos e que, aliás, tem tido uma evolução legislativa muito interessante, como o Sr. Deputado bem referiu, desde a revisão constitucional de 1989 e a lei de acesso aos documentos administrativos de 1993, que é, de facto, um acontecimento legislativo muito relevante no nosso País.
O segundo aspeto de concordância é o de que esta discussão não deve ser crispada. Aí devo dizer que o Sr. Deputado não deu grande contributo ao dizer que temos, de um lado a luz, a transparência, a CADA, e, do outro lado, a escuridão, a sombra, a CNPD.
De facto, não é assim. O que acontece é que há direitos fundamentais que têm de ser conciliados e, portanto, naturalmente que o direito dos cidadãos à transparência e o dever da Administração Pública de transparência têm de ser conciliados com os direitos fundamentais dos cidadãos à privacidade, designadamente no que se refere aos respetivos documentos nominativos. Isso tem de ser conciliado e não pode deixar de o ser.
Ora bem, o que acontece é que, na extensão com que o projeto de lei do Partido Socialista concebe a disponibilização de informação por parte da Administração através da Internet, num portal público, do nosso ponto de vista, ele é suscetível de invadir a privacidade dos cidadãos que interagem com a Administração. Isto porque não podemos conceber a ideia de a Administração Pública estar de um lado e os cidadãos do outro. O que acontece não é isso! O que acontece é que há uma interação natural entre a Administração Pública e os cidadãos e, portanto, toda a informação aqui disponibilizada será suscetível de invadir elementos, informações de caráter nominativo que não têm de ser publicamente acessíveis e cuja acessibilidade deve ser mediada, efetivamente, pela CADA. Aliás, foi para isso que ela foi criada, ou seja, para resolver problemas de compatibilização entre o dever de transparência e o direito de privacidade que alguns cidadãos terão em determinadas circunstâncias.
De facto, esta iniciativa legislativa, de certa forma, escaqueirava, desequilibrava, obviamente, esta conciliação a favor de uma substituição do princípio da transparência, de um exagero em matéria do exercício da transparência que se podia confundir, como muito bem disse a Sr.ª Deputada Cecília Honório, há pouco, como algum voyeurismo relativamente aos documentos na posse da Administração.
Alguns exemplos desse excesso têm a ver, por exemplo, com a obrigatoriedade de publicitação de trabalhos preparatórios. O Sr. Deputado imagine o que isso representaria relativamente ao labor dos grupos parlamentares. O Sr. Deputado tinha uma ideia, elaborava um documento preparatório para um possível projeto de lei do Partido Socialista, apresentava-o aos seus pares e os seus pares diziam: «Ó José Magalhães, veja lá, isto não pode ser bem assim…», mas já estava na Internet, porque era um trabalho preparatório. Provavelmente, o Sr. Deputado teria sido o primeiro a colocá-lo na Internet, mas isso era problema seu. Agora, independentemente da sua vontade, que fosse obrigatório o Grupo Parlamentar do Partido Socialista disponibilizar no site da Assembleia da República um rascunho do Sr. Deputado José Magalhães só porque ele foi feito é um exagero, de facto. É um exagero!
E, portanto, há aqui necessidade de ponderar o elenco, fundamentalmente o elenco. É isso que está em causa.
Queria referir uma última questão, Sr.ª Presidente, e já estou a ultrapassar largamente o tempo. Este elenco alteraria fundamentalmente o papel da CADA, ou seja, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos deixaria de ter problemas para resolver relativamente à acessibilidade a documentos, porque eles estavam todos acessíveis, e passaria apenas a ser uma espécie de provedor do internauta. Ou seja, limitava-se a ver se o elenco estava completo ou não, porque o problema do acesso dos cidadãos aos documentos administrativos estava resolvido, porque estava tudo na Internet.
Sr. Deputado, é, de facto, excessivo. Esta iniciativa precisa de ser calibrada e para isso a baixa do projeto de lei à Comissão é algo que saudamos.

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