Exposição de motivos
A gestão pública das unidades do Serviço Nacional de Saúde tem sido atacada por políticas de sucessivos governos. De facto, a sistemática limitação da autonomia da gestão, o constante subfinanciamento, as cativações ou outros métodos de limitação do investimento e da contratação, as restrições ao recrutamento de profissionais e à sua valorização, são fatores fortemente penalizadores de uma gestão eficiente.
É comum fazerem-se comparações entre desempenhos de gestão pública e privada (mesmo omitindo que há uma enorme falta de fiscalização e opacidade desta), esquecendo-se as severas limitações impostas à gestão pública, para além de outros entorses de avaliação.
A acrescer aos fatores referidos, o método de seleção dos principais dirigentes – designadamente os conselhos de administração – tem carecido de transparência, sendo frequentemente questionados os efetivos critérios de decisão, o que aliás não beneficia a sua capacidade de gestão. Sem prejuízo de existirem nomeações de gestores competentes e dedicados ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), são recorrentes casos de critérios partidários, insuficiente qualificação e experiência e excessiva governamentalização.
Por outro lado, as funções de grande relevância desempenhadas na direção clínica e de enfermagem das unidades do SNS beneficiam de ter como titulares profissionais de experiência consolidada e reconhecidos pelos seus pares. O facto de muitas vezes a nomeação governamental destas funções não corresponder ao reconhecimento dessas qualidades pelos profissionais da instituição é fortemente lesivo do bom desempenho da função e da coesão das equipas clínicas. Não raras vezes, a existência de direções clínicas e de enfermagem com pouco reconhecimento pelos restantes profissionais é um fator acrescido de desagregação das equipas e de abandono das instituições por muito profissionais.
Daí que a eleição destes responsáveis pelos seus pares, à semelhança do que já aconteceu no passado, constitui uma garantia de reconhecimento da autoridade técnica e profissional dos dirigentes, promove a coesão das equipas e motiva um melhor desempenho dos serviços.
Nos últimos meses, diversos titulares de cargos de direção e administração das unidades do SNS têm vindo a ser substituídos, frequentemente sem qualquer justificação ligada ao seu desempenho. Tais decisões do Governo, são em regra motivadas pela intenção de responsabilizar os administradores por questões que são da inteira responsabilidade da política do Governo, como é o caso da carência de recursos humanos. A demissão dos conselhos de administração funciona como bode expiatório, mantendo o Governo a política de destruição do Serviço Nacional de Saúde que caracteriza a sua governação.
Para além disso, os administradores cessantes são em muitos casos substituídos por personalidades de cunho vincadamente partidário, tantas vezes sem experiência ou formação adequada para o desempenho das funções. Trata-se de decisões que se têm repetido governo após governo e que são particularmente frequentes com o atual executivo.
Há muitos anos que o PCP tem vindo a propor outros métodos de escolha dos principais dirigentes das instituições de saúde, privilegiando a transparência, a competência e a participação democrática dos profissionais. Isso mesmo esteve presente na intervenção do PCP no debate do novo Estatuto do SNS, publicado em 2022, em particular no projeto para a sua alteração entretanto apresentado.
É nesse sentido que o PCP apresenta o presente projeto de lei, centrado na questão da escolha dos cargos dirigentes de topo no Serviço Nacional de Saúde, designadamente os presidentes dos conselhos de administração das Unidades Locais de Saúde, determinando o seu recrutamento por concurso público, à semelhança do que acontece noutros cargos dirigentes da administração pública. Da mesma forma propomos a eleição dos diretores clínicos e enfermeiros diretores, substituindo o atual regime de nomeação, introduzindo assim importantes fatores de participação democrática dos profissionais médicos e de enfermagem, sem excluir que no futuro se estabeleçam formas acrescidas de participação de outros profissionais de saúde.
O regime agora proposto mantém, por agora, as restantes componentes na escolha dos conselhos de administração das unidades E. P. E. do Serviço Nacional de Saúde, designadamente a nomeação de vogais pelo Governo ou a sua indicação pelas entidades intermunicipais. Permite igualmente, salvaguardados os requisitos de habilitação para a função, a possibilidade de recrutamento dentro e fora da administração pública, tal como acontece em outros cargos dirigentes de topo.
O regime proposto é um avanço muito importante no sentido da desgovernamentalização e despartidarização da administração pública da saúde e simultaneamente uma garantia de transparência, eficácia e coesão dos serviços públicos nesta área. Trata-se de uma necessidade de credibilização das instituições públicas e combate fenómenos de promiscuidade inaceitáveis na gestão de instituições públicas.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1º
Princípio da gestão democrática
1 - Os presidentes do conselho de administração dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde constituídos como entidades públicas empresariais, E. P. E., são recrutados por procedimento concursal público.
2 - Os membros do conselho de administração das entidades E. P. E. do Serviço Nacional de Saúde com funções de direção clínica ou de enfermagem são escolhidos por eleição entre os seus pares.
Artigo 2º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto
O artigo 69º do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 69º Conselho de administração 1 - O conselho de administração do estabelecimento de saúde, E. P. E., é composto por:
a) Um presidente;
b) Um máximo de quatro vogais executivos, em função da dimensão e complexidade do estabelecimento de saúde, E. P. E., incluindo um diretor clínico, um enfermeiro-diretor e um vogal proposto pelo membro do Governo.
2 - O conselho de administração do estabelecimento de saúde, E. P. E., que assuma o modelo de ULS é composto por:
a) Um presidente;
b) Um máximo de seis vogais executivos, em função da dimensão e complexidade do estabelecimento de saúde, E. P. E., que assuma o modelo de ULS, incluindo:
i) Até dois diretores-clínicos;
ii) Um enfermeiro-diretor, um vogal proposto pelo membro do Governo; iii) Um vogal proposto pelos municípios abrangidos pela ULS ou, quando exista correspondência exata com a circunscrição territorial de uma Comunidade Intermunicipal ou de uma Área Metropolitana, pela respetiva entidade intermunicipal.
3- (novo) Os presidentes de conselho de administração são recrutados por procedimento concursal, de entre licenciados há mais de dez anos, vinculados ou não à Administração Pública, que possuam competência técnica, aptidão, experiência profissional e formação adequadas ao exercício da função, aplicando-se para o efeito as regras do Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Central, Regional e Local, previstas na Lei 2/2004, de 15 de janeiro, na sua redação atual.
4 – Os diretores-clínicos e enfermeiros-diretores são escolhidos por eleição pelos seus pares de entre, respetivamente, os médicos com a categoria de assistente graduado ou assistente graduado sénior e os enfermeiros especialistas ou enfermeiros gestores, vinculados à instituição há mais de seis meses.
5 - Os restantes membros do conselho de administração são designados, de entre individualidades que reúnam os requisitos previstos no Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, na sua redação atual, e possuam formação em Administração ou Gestão, preferencialmente na área da saúde e experiência profissional adequada.
6 – Em tudo o que não contrarie o presente diploma, aplicam-se aos membros dos conselhos de administração dos estabelecimentos de saúde E.P.E. as regras do Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, na sua redação atual.
7 - O Governo regulamentará, no prazo de 60 dias, o processo de eleição dos diretores- clínicos e enfermeiros-diretores previsto no número 4 do presente artigo.
8 - O mandato dos membros do conselho de administração tem a duração de três anos e é renovável, até ao limite máximo de três renovações consecutivas, permanecendo aqueles no exercício das suas funções até à designação dos novos titulares, sem prejuízo de eventual renúncia.
9 - Em casos excecionais, podem ser acumuladas funções executivas no conselho de administração, sem efeitos remuneratórios.»
Artigo 3º
Dirigentes em funções
Os atuais membros dos conselhos de administração mantêm-se em funções até ao final do seu mandato, não havendo lugar à sua renovação, sendo a sua substituição realizada de acordo com as regras do artigo anterior.
Artigo 4º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.