Os produtores de leite não devem ser penalizados1. A possibilidade de os produtores de leite portugueses pagarem pesadíssimas multas – 74$00/quilo de leite produzido acima da sua quota individual de referência – é completamente inaceitável. E é inaceitável porque eles são vítimas e não réus. São as vítimas das erradas políticas para o sector leiteiro nacional prosseguidas ao longo dos últimos anos – pelo menos desde a adesão à CEE – por sucessivos governos do PSD e do PS! São as vítimas da subserviência do «aluno bem comportado» face à União Europeia, e também das vistas curtas desses mesmos governos, em particular nas negociações da PAC, no processo de adesão, na reforma da PAC de 1992 e na Agenda 2000 de 1999. São as vítimas da incompetência e incapacidade demonstradas pelo actual Governo PSD/CDS-PP – bem na linha do anterior, PS – de, no quadro de limitação produtiva, inaceitável mas existente, não acompanhar a evolução da produção do sector e não tomar as medidas adequadas e atempadas, por forma a evitar qualquer tipo de penalização aos produtores. Portugal tem, desde as negociações da adesão à CEE, uma quota nacional de referência completamente inadequada face ao atraso das suas estruturas produtivas em relação às médias comunitárias – baixas produtividades por vaca leiteira, nível de animais por exploração – e às suas potencialidades para produzir leite. Como, em 1986, estávamos longe de atingir valores então acordados entre Portugal e a CEE, o governo de então cantou vitória! Como, em 1992, durante a reforma da PAC então negociada e aprovada – recorde-se, mais uma vez, feita durante a Presidência portuguesa da União Europeia, de Cavaco Silva, sendo ministro da Agricultura e dirigindo, portanto, o Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia, o actual deputado ao Parlamento Europeu pelo PSD, Arlindo Cunha – ainda não se tinha atingido o valor da quota de 1986, novamente deram hosanas à capacidade negocial portuguesa, que obteve então um arredondamento da quota nacional com mais 12 mil toneladas! Entretanto, dessas negociações, obtiveram a Espanha, Itália e Grécia, substanciais aumentos das suas quotas. Como em 1999, durante a chamada Agenda 2000, o eng. Guterres e o então ministro da Agricultura conseguiram mais 28 100 toneladas (um aumento de 1,5%), ficaram todos contentes. Entretanto, Grécia, Espanha e Itália obtinham novos e significativos acréscimos nas suas quotas, respectivamente mais 11,1%, 10,1% e 6,9%. Até países já «antigos» na Comunidade, como a Irlanda, Bélgica e Reino Unido, conseguiram percentagens de aumentos superiores à nossa! Repare-se que 0,2 pontos percentuais conseguidos pelo Reino Unido acima da percentagem do aumento português, significam mais cerca de 28 900 toneladas, isto é, tanto como todo o aumento global de Portugal! Só se compreendem as posições de sucessivos governos nestas negociações pela baixa consideração com que avaliavam (e avaliam) as capacidades dos agricultores portugueses, e pela efectiva subestimação das potencialidades agrícolas do País. Ou então, por pura e simples incompetência. Não seria de prever que, como resultado da mesma política aplicada em França, na Alemanha, etc., que iríamos, logicamente, chegar às mesmas produtividades dos agricultores desses países?3. Portugal tem, desde a adesão, uma quota completamente injusta face aos valores atribuídos aos outros países. Se considerarmos que é igual o direito de cada país da União Europeia a níveis de consumo, de auto-abastecimento, de exportação de leite e lacticínios, semelhantes, então a fixação da quota, no quadro das potencialidades das suas terras e climas, deve, logicamente, ter em conta para cada Estado, a população e o direito a modernizar e desenvolver a sua produção e produtividade. Inclusive para cumprimento do que é um princípio fundamental da União Europeia, a coesão económica e social, o que só é possível pela aproximação e convergência real das suas economias. Ora, é manifesto que é impossível que tal aconteça perante quotas fixadas em função das médias históricas de produção. Como os níveis de desenvolvimento das estruturas produtivas são, para anos idênticos, desiguais, qualquer tentativa de o país mais atrasado chegar à média europeia será penalizada. No caso em apreço, logo que se atingem produtividades semelhantes às de outros países – mesmo para níveis de intensificação e número médio de vacas por exploração bastante inferiores – o País e os seus agricultores ultrapassam as quotas e são «castigados»! Isto é, estamos proibidos de «modernizar», «desenvolver» a produção de leite em Portugal! E não só. Este é um caso exemplar, a evidência do absurdo e perversidade de um sistema de quotas – que, em abstracto, é positivo e defensável – que fixa os seus valores exclusivamente através de médias históricas, para países que têm níveis de desenvolvimento muito diversos e desiguais. Como Portugal tem baixos valores de produção à partida, foram fixadas quotas igualmente baixas, e como as ajudas são fixadas em função das produtividades, são também baixas. Mas se tentar subir as produtividades, para obter maiores ajudas – direito a atingir o nível de outros países – corre-se o risco de ultrapassar a quota de produção estabelecida, e ser penalizado! Logo: – Temos de congelar o desenvolvimento da nossa agricultura! – Ficamos, para todo o sempre, amarrados a baixos valores das ajudas! Preso por ter cão, preso por não ter!4. Mas, sucessivos governos, não só não cuidaram de defender os interesses nacionais, reclamando e justificando uma quota mais elevada, conforme as necessidades e as potencialidades do País, como, no plano interno, se têm mostrado completamente incapazes e incompetentes no acompanhamento do sector leiteiro. Basta lembrar que esta é a segunda vez que o País defronta tal problema. (Poderíamos recordar aqui e agora a Conferência de Imprensa realizada pelo PCP em 13 de Março de 2000). No fim de cada mês, de cada trimestre, de cada campanha leiteira, de Abril de um ano a Março do ano seguinte, o governo tem um balanço da situação, produção, número de vacas em produção, défices ou excedentes face à quota. Não é preciso ser um especialista em estatística e cálculo de probabilidades para se prever a evolução e o valor final da produção, no fim de cada campanha, salvo acidentes climatéricos ou epizootias de grandes dimensões. Em Abril do ano passado, fim da campanha 2001/2002, era já previsível o que ia acontecer na seguinte. Previsibilidade confirmada pela evolução real conhecida no fim do primeiro trimestre, Julho de 2002, e reconfirmada no fim do segundo, Outubro de 2002. E nada foi feito para travar a tempo o desastre, mais que previsível desde Março de 2002! Ou mesmo antes dessa data! Nem alertas suficientes e convincentes junto dos produtores. Nem uma medida de saneamento das vacas de refugo ainda em produção, que não seria suficiente mas era alguma coisa! Nada!5. Uma política leiteira errada (política de preços, de resgate da quota aos pequenos produtores, de gestão da quota, de eliminação de salas colectivas de ordenha mecânica e postos de recolha, etc.) tem levado à liquidação de milhares de produtores de leite portugueses, em particular nas zonas do interior e de montanha. Uma verdadeira «matança» de pequenos e médios produtores! Só nos últimos dez anos, entre as campanhas de 1991/1992 e 2001/2002, foram eliminados cerca de 75 mil. Menos 78% face ao número de 1991! Entre 1999 e 2002, menos 20 mil, isto é, 50% do total de produtores existentes em 1999, foi à vida! O País não pode aceitar que, passivamente, resignadamente, o Governo diga que nada pode fazer face a nova «matança» de produtores, que é o que já vem acontecendo e vai agravar-se, se as penalizações avançarem. Seria paradoxal que fossem penalizados exactamente os cidadãos portugueses que responderam aos apelos tantas vezes dramáticos, de todos os órgãos de soberania nacional, e de outras vozes, da dita sociedade civil, para o aumento da produção e da produtividade! No plano interno, há que mobilizar todos os esforços e meios, e considerar todas as fórmulas e formas susceptíveis de impedir a penalização dos produtores. Em Bruxelas, há que reclamar com urgência outra quota leiteira para Portugal. Defender que esta deixe de estar exclusivamente vinculada às médias históricas. Defender que as quotas tenham em conta outros critérios, como o nível de auto-abastecimento, a dimensão actual das explorações e o seu potencial de crescimento, o peso da produção leiteira na economia rural das diversas regiões, e ausência (ou não) de alternativas de produção. Defender terem, todos os países, direito a consumir mais lacticínios, a exportar mais, a uma balança comercial de leite e produtos lácteos equilibrada. Gostaria, em nome do PCP, de saudar as lutas dos produtores de leite do Norte e Centro do País, certo de que esse é o caminho para que lhes seja feita justiça e Portugal venha a alcançar a quota compatível com as suas necessidades e potencialidades.