Impede o aumento arbitrário e unilateral do valor dos spreads contratados no âmbito da renegociação das condições de empréstimo à habitação (Primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 171/2008, de 28 de Agosto)
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Nos últimos tempos, têm ocorrido múltiplas queixas de clientes que acusam os respectivos bancos de lhes terem aumentado de forma inesperada os valores dos spreads contratualizados no contexto dos empréstimos para a compra de habitação. Diversas notícias recentes dão mesmo nota que diferentes associações de defesa dos consumidores, mormente a DECO, têm recebido queixas e pedidos de informação sobre este tipo de ocorrências, em que os clientes acusam os bancos de tentarem impor aumentos unilaterais do valor dos spreads contratados.
Esta é uma situação que mereceu da parte do Banco de Portugal a emissão de uma carta circular, (n.º 47/2009/DSB, de 20 de Maio passado), dirigida aos bancos com actividade comercial em Portugal, onde é feita a divulgação do seu entendimento relativamente à renegociação das condições de crédito à habitação prevista no Decreto-Lei n.º 171/2008, de 26 de Agosto.
Nesta carta circular, o Banco de Portugal reconhece ter também vindo a receber reclamações e pedidos de informação relativos às diversas condições e custos associados à renegociação dos contratos de empréstimo para a compra de habitação.
Diz então o Banco de Portugal que, com a publicação do Decreto-Lei n.º 171/2008, de 26 de Agosto, o legislador, tal como é referido no próprio preâmbulo do diploma, "pretendeu eliminar as barreiras económicas ou legais à renegociação das condições dos empréstimos e à respectiva mobilidade, procurando promover a concorrência no sistema financeiro e diminuir o peso dos encargos das famílias com o crédito à habitação". Nesse sentido, prossegue ainda o Banco de Portugal, o legislador "veio proibir a cobrança de comissões pela análise da renegociação das condições do crédito, (...), considerando prática comercial vedada fazer depender a renegociação do crédito da aquisição de outros produtos ou serviços financeiros" (...).
Só que o Banco de Portugal entende que o legislador "apenas proíbe a cobrança de comissões pela renegociação do empréstimo e o condicionamento dessa renegociação à aquisição de outros produtos e serviços financeiros, não se pronunciando o legislador sobre os efeitos da renegociação nas condições dos empréstimos à habitação". Em consequência, o Banco de Portugal conclui na carta circular que se tem vindo a citar, que "é deixada à liberdade das partes a estipulação das novas condições aplicáveis aos contratos, designadamente no que respeita à previsão de novos spreads".
Face ao que antecede, o Banco de Portugal considera então perfeitamente legítimo, e ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 171/2008, de 26 de Agosto, que no âmbito da renegociação de contratos de empréstimos à habitação, as instituições bancárias imponham aumentos de spreads, agravando em consequência as condições financeiras do contrato e provocando aumento dos encargos globais resultantes daquela alteração.
Dir-se-á que ninguém será obrigado a aceitar as novas condições nem o correspondente aumento do valor dos spreads, ou que a alteração das condições contratuais só é possível por acordo entre ambas as partes, cliente e instituição financeira.
Aparentemente assim é, mas a realidade é, na esmagadora maioria das vezes, bem diferente.
Na verdade, quem pretende renegociar contratos de empréstimos à habitação são muitas vezes famílias em riscos de incumprimento face a dificuldades económicas supervenientes em resultado, e como consequência da crise económica e financeira em que o País se encontra mergulhado. Ora, o objectivo destas famílias, na esmagadora maioria destes casos, é a renegociação contratual através do alargamento do prazo do contrato, permitindo deste modo uma diminuição do valor das prestações mensais a liquidar, mesmo que com o prejuízo incontornável de, aumentando o tempo de contrato, aumentar também um pouco o valor final a pagar pelo empréstimo contratado.
Se as instituições bancárias aproveitam estas circunstâncias e se aproveitam das debilidades financeiras dos mutuários para impor simultaneamente o aumento dos spreads, estamos perante um evidente acto de má fé negocial. Os bancos, ao impor um aumento do valor dos spreads nestas circunstâncias, alteram em seu favor as condições financeiras do contrato, mesmo que as prestações possam mesmo assim continuar a ser inferiores aos valores precedentes por causa do efeito da diluição dos pagamentos num prazo contratual superior.
Os clientes, com a corda na garganta, são colocados entre a espada e a parede: ou aceitam as novas condições financeiras agravadas pelo aumento dos spreads e passam a pagar prestações mensais inferiores compatíveis com as suas actuais condições de vida ou não aceitam esta atitude usurpadora dos bancos e arriscam-se a entrar em incumprimento face ao valor anterior das prestações.
Os clientes em situação económica mais fragilizada são os alvos débeis desta atitude oportunista das instituições financeiras. Acabam muitas vezes por aceitar as imposições de aumento do valor dos spreads e as novas condições financeiras agravadas dos contratos, aceitando descer as suas prestações mensais bem menos do que poderia ocorrer se a renegociação fosse feita apenas na base do alargamento do prazo do contrato do empréstimo. E, naturalmente, o valor final a pagar pelo empréstimo será sempre e seguramente bem maior que qualquer outro.
Lamentavelmente, o Banco de Portugal, na sua carta circular de 20 de Maio de 2009, dá plena cobertura a esta actuação das instituições financeiras. E embora cite o preâmbulo do Decreto-Lei 171/2008, de 26 de Agosto, esquece de todo que o legislador pretendeu, com esta legislação, "diminuir o peso dos encargos das famílias com o crédito à habitação".
Mas se o Banco de Portugal tem esta interpretação favorável aos interesses financeiros das instituições financeiras, desprezando de todo os interesses das famílias depositantes, afinal o que deveria ser o objecto central da actuação de uma supervisão bancária, é tempo da Assembleia da República promover uma clarificação do pensamento do legislador, aprovando uma alteração ao Decreto-Lei 171/2008, de 26 de Agosto, e determinando a proibição de aumento do valor dos spreads contratados no âmbito da renegociação dos contratos de empréstimos à habitação.
Assim, e ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, abaixo assinados, apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1.º
Alteração
O Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 171/2008, de 26 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção:
"Artigo 3.º
[....]
•1. [...].
•2. [...].
•3. Às instituições de crédito está igualmente vedado aumentar o valor dos spreads aquando da renegociação das condições dos empréstimos à habitação."
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Assembleia da República, em 19 de Junho de 2009