Perante a emissão de um cartoon por parte da Rádio e Televisão de Portugal, o Ministro da Administração Interna, segundo declarações feitas pelo próprio, tomou a iniciativa de telefonar ao Presidente do Conselho de Administração da emissora pública de televisão para manifestar o seu desagrado pelo conteúdo do cartoon que considerou ofensivo da imagem da Polícia de Segurança Pública.
O conteúdo de um qualquer cartoon que seja emitido por uma estação de televisão exprime única e exclusivamente o ponto de vista do seu autor e tratando-se de algo de inserido num contexto satírico, como é próprio do cartoon enquanto expressão artística, exprime-se no âmbito da liberdade de expressão constitucional e legalmente consagrada em sede de direitos fundamentais.
Compete a cada telespetador fazer o seu juízo de valor sobre qualquer expressão artística, avaliar se a considera boa ou má, feliz ou infeliz, inócua ou provocadora de reações públicas, digna de aplauso ou de censura pública, eventualmente ofensiva da sua sensibilidade.
O juízo que se faça de uma expressão artística é tão livre como a expressão do artista. Pode ser elogiada ou criticada e se alguém considera que a obra publicitada contém algo de ilícito, nomeadamente por ser violadora de direitos ou valores sob tutela legal, tem o direito de apresentar queixa às entidades reguladoras ou judiciárias competentes.
Já o Ministro da Administração Interna, independentemente da opinião pessoal que tenha sobre o conteúdo do cartoon em causa, e do direito inquestionável de a exprimir publicamente, não tem o direito de se dirigir, enquanto Ministro, à Administração da Rádio de Televisão de Portugal, com o objetivo de interferir na transmissão de um conteúdo, abrindo um precedente de pressão do poder político sobre o conteúdo de emissões televisivas.
Por outro lado, não obstante a existência de problemas de racismo e xenofobia em diversas áreas e setores, rejeita-se a generalização desta observação, nomeadamente ao conjunto dos elementos da força de segurança.
Nestes termos, a Assembleia da República condena a tentativa ilegítima do Ministro da Administração Interna de exercer pressão sobre o conteúdo das emissões da Rádio e Televisão de Portugal.