Projecto de Lei N.º 538/XI/2.ª

Concurso de ingresso e mobilidade de professores

Concurso de ingresso e mobilidade de professores

Exposição de Motivos

No que toca a política educativa, há muito que o Governo actual, deixou de ter preocupação com a qualidade do sistema e do ensino, com a estabilidade e capacidade das comunidades educativas e com os direitos da população, particularmente com os relacionados com o acesso a um ensino público, gratuito e de qualidade. Pelo contrário, uma visão economicista, empresarial e concentrada nos dogmas da gestão hierarquizada e centralizada, orientada a actuação do Governo em todas as vertentes do trabalho do Ministério da Educação. Esse pendor manifesta-se no conjunto das medidas tomadas por este e anterior governos e respectivos ministérios da Educação: a imposição do fim do regime de gestão democrática dos estabelecimentos de ensino, a entrada em vigor de um novo e retrógrado estatuto da carreira docente, a privatização parcial do papel da escola (principalmente através das chamadas actividades de enriquecimento curricular), a centralização das operações de gestão do parque escolar na esfera empresarial, o regime de avaliação de desempenho de professores, a gritante insuficiência de meios humanos – técnicos e assistentes – no meio escolar, a política de desresponsabilização do Estado e a opção de profissionalização compulsiva do ensino público, são apenas algumas das medidas que constituem a ofensiva política dirigida contra a Escola Pública.

Depois de períodos conturbados, com reflexos evidentes no quadro mediático, o Governo criou a ilusão propagandística de que as escolas se encontram agora em ambiente estável, tranquilo e sereno. Se é verdade que o eco mediático da instabilidade das comunidades educativas é hoje menor, já o mesmo não se pode dizer da instabilidade em si mesma. Pelo contrário, as escolas, os professores, os pais e estudantes, estão hoje confrontados com situações que os colocam em permanente stress, com custos profissionais, pessoais, familiares, emocionais e, principalmente, educativos e pedagógicos. Depois de utilizar a negociação sindical para chegar a um acordo – no seguimento de uma retumbante derrota pela luta dos professores portugueses - eis que o Governo vem anunciar a sua nulidade. Ou seja, o acordo de princípios assumido com as estruturas sindicais de professores foi afinal de contas um expediente para a mitigação do descontentamento, utilizado sem intenção de assegurar o seu cumprimento. A contenção de uma hemorragia política que extenuava a imagem do Ministério da Educação foi o único objectivo do Governo com esse acordo, e essa intenção foi denunciada pouco tempo depois com as medidas chamadas de austeridade tomadas pelo próprio Governo, com o apoio incondicional do PSD. Assim, PS e PSD, uma vez mais convergem para a imposição de condicionantes ao desenvolvimento da Escola Pública e ao progresso e desenvolvimento nacionais. A progressão na carreira, os reposicionamentos e as retribuições salariais, bem como a realização de um concurso extraordinário de ingresso e mobilidade para professores no início de 2011 foram imediatamente sacrificados aos dogmas da contenção orçamental que visam, no essencial, continuar a punir a componente pública do investimento e da despesa, para permitir o alargamento desmedido do lucro privado.
Em resposta ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, o Governo admite finalmente quais os números de professores contratados que se encontram ao serviço do Ministério da Educação nas Escolas Públicas. De acordo com a resposta do Governo, 20920 professores estão contratados para horários anuais completos e 9707 para horários anuais incompletos. A esse número acrescem os professores contratados através da bolsa de recrutamento “para satisfação de necessidades temporárias das escolas” que, segundo o Governo, são 4768 para horários completos e 6095 para horários incompletos. A verdadeira dimensão do conjunto de professores contratados não pode, no entanto, ser totalmente conhecida se não se tiver em conta que existem também técnicos, recrutados sob esse estatuto, que desempenham funções docentes nas escolas – principalmente para leccionação em cursos profissionais – cujo número se desconhece mas que pertence ao universo de 1156 técnicos para horários anuais completos e 2304 para horários anuais incompletos.

Ora, torna-se manifestamente óbvia a generalização do recurso à contratação a termo para garantir uma política de aumento da precariedade dos vínculos laborais no quadro do Ministério da Educação. Essa política de estímulo à precariedade traduz-se objectivamente na degradação da qualidade de vida dos professores, na deterioração da qualidade do ensino e no frontal desrespeito pela vida de mais de 20 mil pessoas que dedicam o seu dia-a-dia à Educação sem merecer por isso qualquer tipo de compensação ou reconhecimento legal, salarial e profissional. Como se tal não bastasse, estes são os professores mais sujeitos às flutuações legislativas, às debilidades do sistema de avaliação de desempenho e às suas injustiças, bem como os mais afectados pela inconstância das políticas educativas e pela falta de investimento na educação. Serão agora, certamente, estes os principais afectados pela nova ofensiva do Governo contra a Escola Pública, nomeadamente a vertida no diploma a que o Governo tem vindo a chamar de “reorganização curricular” e também já anunciada no projecto de Decreto-Lei que visa alterar a “organização do ano lectivo de 2011/2012”. Aquilo a que o Governo chama “racionalização da gestão de recursos humanos” é, nos termos correctos, o despedimento de milhares de professores, ou melhor, a não renovação de milhares de contratos com professores, independentemente do número de anos a que leccionam no sistema público de ensino.

A realização o concurso extraordinário de ingresso e mobilidade assume-se pois, mais do que como uma exigência para o cumprimento de um acordo, como uma urgente medida para assegurar o total preenchimento das necessidades reais das escolas. O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentou já, nesta Assembleia, um Projecto de Lei para a abertura de vagas a concurso correspondentes a todos os horários completos anuais que se verifiquem numa mesma área geográfica ou escola durante 3 anos consecutivos. Perante a rejeição com os votos contrários de PS e PSD, faz todo o sentido assegurar, no mínimo, a realização de um concurso em 2011. A concepção prevista no Decreto-Lei n.º 51/2009 de “necessidades transitórias” tem também servido como base justificativa para a não abertura de vagas a concurso, mesmo quando evidente o seu carácter persistente e não transitório. Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta este Projecto de Lei, visando essencialmente garantir a realização do referido concurso, ainda que os seus efeitos orçamentais possam vir apenas a ser produzidos a partir da publicação da próxima lei do Orçamento do Estado, mas também propondo a alteração ao actual conceito de necessidades transitórias, garantindo a objectividade da lei e a estabilidade dos horários e da contratação para o seu preenchimento.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 51/2009, de 27 de Fevereiro

É alterado o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 51/2009, de 27 de Fevereiro, que passa a ter a seguinte redacção:
“Artigo 38.º
[…]
1- Consideram-se necessidades transitórias apenas aquelas que correspondam a horários, completos ou incompletos, que se verifiquem apenas em períodos inferiores a 3 anos e que não tenham sido satisfeitas pelos concursos interno e externo, as que resultaram das variações anuais de serviço docente e as correspondentes à recuperação automática dos horários do destacamento por condições específicas e do destacamento por aproximação à residência familiar.
2- […].
3- […].
4- […].
5- […].
6- […].
7- […].
8- […].”

Artigo 2.º
Concurso de ingresso e mobilidade

Nos termos das alterações produzidas pelo artigo anterior, durante o primeiro semestre de 2011, realiza-se o concurso de ingresso e mobilidade de professores, de acordo com a legislação em vigor, com vista à integração na carreira docente dos docentes contratados que se encontrem a suprir necessidades não transitórias em estabelecimentos públicos de ensino.

Artigo 3.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, sem prejuízo do disposto na Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.

Assembleia da República, em 1 de Março de 2011

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