Entrevista a Ahmed Sad,Membro da Comissão Política do CC do Partido Comunista de Israel
Avante Edição N.º 1712, 21-09-2006
«A teoria da resolução dos conflitos por via da guerra foi cabalmente derrotada», considerou Ahmed Sad, membro da comissão política do comité central do PC de Israel, a respeito da recente agressão de Israel contra o Líbano. Em entrevista concedida ao Avante!, o ex-director do Instituto de Ciências Económicas e Sociais de Haifa e editor-chefe do jornal Al-Ittihad - diário publicado desde 1944 pelos comunistas israelitas - reafirmou o diálogo como solução para os conflitos regionais, reiterou o direito do povo palestiniano à sua soberania e defendeu a constituição de uma frente de esquerda em defesa da paz e do progresso social em Israel.
A!: Na recente crise entre Israel e o Líbano, qual foi a posição dos comunistas?
Ahmed Sad: Logo no primeiro dia de ofensiva organizámos uma manifestação em Telavive. Saímos para a rua e foi com franco agrado que vimos participarem na nossa iniciativa árabes e judeus. Foi também o primeiro protesto contra a guerra realizado em Israel.
Considerámos na nossa análise que se tratava de uma guerra de agressão cujo único objectivo era servir os planos estratégicos dos EUA no Médio Oriente. A guerra não teve em linha de conta os anseios do povo israelita e dos povos árabes vizinhos, servia apenas e só os interesses imperialistas.
Ao fim de seis dias de bombardeamentos, foi admitido pelo próprio George W. Bush que esta campanha se ajustava aos planos norte-americanos de um Grande Médio Oriente, quer dizer, um novo bloco entre Israel e os regimes reaccionários da região. Partiram do princípio que em poucos dias qualquer resistência armada estaria liquidada, e nesse caso estavam criadas as condições ideais para que surgisse no Líbano um regime abertamente pró-norte-americano.
Não foi gratuitamente que regimes como do Egipto, o da Arábia Saudita e o da Jordânia apoiaram a agressão de Israel contra o Líbano. Pensavam ser possível derrotar a resistência libanesa, fazer surgir um clima repressivo que liquidasse prontamente qualquer insurreição ou tomada de posição adversa aos interesses dos EUA, o que nas respectivas conjunturas nacionais os beneficiaria.
Entendemos ainda deixar claro que não é possível resolver questões complexas como a palestiniana e a libanesa por via do confronto armado. A via da negociação política, das conversações, é a mais acertada, o que exige desde logo o reconhecimento dos direitos de cada povo à soberania.
A teoria da resolução dos conflitos por via da guerra foi cabalmente derrotada, muito embora Israel tenha usado as armas mais destrutivas que os EUA lhes forneceram. Apesar deles terem conduzido uma guerra inumana contra a população civil na qual sobraram assassinatos selectivos, bombardeamentos a pontes, edifícios públicos e residências, apesar de tudo isto, não conseguiram com que as pessoas se revoltassem contra a resistência libanesa, muito pelo contrário. Ao fim de 23 dias não alcançaram os seus intentos por via da força, então agora procuram atingir os objectivos deliniados por via diplomática, através da ONU, e é neste contexto que surge a resolução 1701.
Este documento é abertamente favorável a Israel. Nele não encontramos uma palavra de repúdio pelas acções criminosas de Israel no Líbano. É uma das razões pela qual entendemos que o crime que está em curso contra o povo palestiniano - especialmente na Faixa de Gaza - e o que ocorreu contra o povo libanês, fazem parte de um plano estratégico dos EUA para dominarem o Médio Oriente. Não encontramos outra explicação.
O facto do Hezbollah ter raptado dois soldados de maneira nenhuma justificava a guerra. A questão poderia ter sido resolvida por via das conversações. Anteriormente, em situações semelhantes, decorreram encontros entre Israel e o Hezbollah e foi possível chegar a um entendimento, a um acordo concreto que estabeleceu a troca de prisioneiros. Agora tiveram latitude para liquidarem um Estado, assassinarem pessoas.
Criticámos e continuamos a criticar o governo de Israel porque da nossa perspectiva não há razão para uma acção destas. No fundamental tudo se resume a uma conspiração dos EUA contra os povos libanês e palestiniano.
Tendo o PC de Israel esta análise, quais pensam ser as soluções possíveis para a resolução dos conflitos de Israel com os povos vizinhos?
Tudo começou com a ocupação das Quintas de Chebaa e dos Montes Golã, sem isso, não se teria desenrolado todo este sofrimento. Se Israel quer garantir a sua segurança, deve sair dos territórios anexados desde 1967, reconhecer o direito do povo da Palestina a criar o seu Estado incluindo nele os territórios ainda ocupados, e devolver a soberania sobre as Quintas de Chebaa.
A paz deve ser reconhecida numa base de justiça e de mútuo respeito pelos direitos dos povos, condição sem a qual não haverá segurança e paz no Médio Oriente.
Nas manifestações de que falava, o PCI sentiu apoio popular às suas propostas de resolução dos conflitos?
Na primeira iniciativa, é preciso que se refira claramente, foram só os comunistas que vieram para a rua, não obstante haver um apoio mais amplo contra a guerra, quer de forças de esquerda, quer até de sectores alinhados com as forças de direita.
Passados alguns dias, logo que começou a ficar mais nítido para os israelitas que aquele caminho não conduziria à paz, começámos a mobilizar outras forças em prol do fim dos combates e em defesa de algumas das soluções que referi anteriormente.
Se na primeira manifestação estavam cerca de duas centenas de pessoas, no segundo protesto já estavam aproximadamente 15 mil israelitas pertencentes a diversas organizações. Estiveram, por exemplo, a Aliança das Mulheres Árabes e Judias para a Paz, uma organização de antigos combatentes israelitas, entre muitas outras.
A falência da via armada fez aumentar a contestação ao governo israelita?
Quando a guerra foi interrompida, começou em Israel uma «guerra interna», pelo que o governo encontra-se hoje numa crise muito profunda. Uma parte dos aventureiros da direita criticam este executivo por não ter permitido ao exército ir ainda mais além na destruição do Líbano. Preparam-se para se constituírem como alternativa política ao actual governo. Outro aspecto são as contradições entre os que colocam os políticos como os culpados do fracasso da operação, e os que entendem que, apesar dos meios usados, não era possível vencer esta guerra pela via do confronto.
Entretanto muitos já questionam os motivos pelos quais Israel iniciou mais uma guerra regional, até porque se afirmava que o objectivo era libertar os dois soldados reféns e tal ainda não aconteceu. Colocam dúvidas sobretudo quando depois de tudo o governo enceta o diálogo para a sua libertação através da Alemanha.
Acresce que subsiste o impacto desta guerra na economia israelita. Alguns dizem que isto terá custado 7 mil milhões de dólares e afirmam que as reservas militares estão esgotadas. O ministério da defesa quer que seja novamente reforçada a sua verba na proporção dos recursos gastos. Ora o problema é que para se esse reforço for aprovado, as consequências vão-se fazer sentir directamente no nível de vida e nos direitos sociais do povo israelita.
Contra esta política também estamos dispostos a colaborar numa ampla frente, incluindo árabes e judeus. A palavra de ordem que lançamos é que esta guerra é do interesse e ao serviço dos EUA.
Por outro lado, uma vez que os EUA têm este plano estratégico para o Médio Oriente, torna-se necessário constituir uma frente de oposição em toda a região e dinamizar a solidariedade entre povos e partidos envolvidos.
Criar a alternativa
O prosseguimento das políticas belicistas está a desgastar quer o Kadima quer o Partido Trabalhista, principais forças da coligação no poder. Pode ocorrer uma alteração de forças, sobretudo no interior dos trabalhistas?
O Partido Trabalhista tem hoje muitas contradições no seu interior. Os dirigentes dizem que Amir Perez não deveria ter aceite o cargo de ministro da Defesa.
Quando foi eleito líder do partido, Perez autointitulava-se o «general social» e afirmava que iria defender os pobres, lutar contra o desemprego. Agora todos percebem que essas palavras de ordem ficaram pelo caminho e que os trabalhistas na coligação seguem a mesma política de Ariel Sharon.
Por aqui se vê que os trabalhistas não só não constituem alternativa política credível, como perderam as suas características históricas. É lamentável, mas se houvessem eleições em Israel venceriam as forças reaccionárias.
Não obstante, as condições permitem um crescimento da influência do PC de Israel?
Esta guerra demonstrou que muitas forças que nem sequer colaboravam connosco ficaram convencidas que as nossas propostas e análise política são correctas.
Nessa base estamos a preparar o XXV congresso do partido, subordinado ao tema da constituição de uma frente democrática, pacífica e de esquerda em Israel. Esta é a nossa estratégia para o período mais imediato.
Pensamos avançar por este caminho em todos os campos da luta, quer seja em prol da paz, quer seja na defesa de políticas sociais contra a pobreza e outros flagelos crescentes.
E entre os trabalhadores e as organizações sindicais, quais as principais linhas de trabalho do PC de Israel?
Infelizmente nos últimos dez anos mudou-se o carácter dos sindicatos em Israel. No seu seio estão agora forças de direita.
Antes o Likud e os restantes partidos de direita tinham os seus sindicatos, agora não, a correlação de forças alterou-se e, apesar de sermos muito activos, as condições de acção no seio das organizações de trabalhadores são extremamente difíceis.
È a primeira vez que vem à Festa do Avante. Qual a impressão que retira?
Fico muito satisfeito por perceber o apoio de massas que o vosso partido tem, sobretudo entre os jovens. Isto mostra como é falsa a propaganda imperialista de que com a queda da URSS caiu também o marxismo-leninismo, o ideal comunista no mundo.
Quando vemos o vosso partido com esta força revolucionária só temos razões para acreditar que o futuro não é do capitalismo, é do socialismo e do comunismo.