Intervenção de Duarte Alves na Assembleia de República, Reunião Plenária

Como é possível que o negócio de 2200 milhões de Euros das barragens, não pague um único cêntimo de IMI?

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Senhor Presidente

Senhoras e senhores deputados,

 

Em fevereiro de 2020, quando já estava em andamento o negócio de venda da concessão das seis barragens da região de Miranda da EDP ao consórcio liderado pela Engie, o PCP entregou um projeto de resolução sobre este assunto na Assembleia da República.

O PCP desde início opôs-se à segmentação da concessão da produção hidroelétrica, porque essa segmentação vai no sentido de obstaculizar a necessidade de recuperar uma lógica unívoca da produção hidroelétrica, ao serviço do interesse público, o que exige a recuperação do controlo público deste sector estratégico.

Na altura, o Governo podia ter impedido o negócio, porque mesmo no quadro da privatização da EDP – decidida pelo Governo PSD/CDS – foi estabelecida essa norma que permitia ao Governo impedir a segmentação da concessão. O Governo podia - e devia! - ter feito aquilo que o PCP na altura recomendou: opor-se ao negócio; usar essa prerrogativa para evitar esta situação inaceitável.

E é bom não esquecer todas as implicações de fundo deste negócio.

No tempo do Governo PS/Sócrates, por decisão do então ministro Manuel Pinho, a EDP recebeu da REN a titularidade de todas as grandes barragens do país com uma valorização de 700 milhões de euros. Veja-se: 27 barragens foram avaliadas em 700 milhões… passados alguns anos, com a EDP já privatizada, apenas 6 dessas 27 barragens, são vendidas por 2.200 milhões de euros – o que mostra como essa valorização estava subavaliada. Mais uma razão para, enquanto esta questão não estivesse esclarecida, o Governo não avalizar este negócio.

Este negócio é, portanto, uma consequência do processo de liberalização, segmentação e privatização do sector energético – que teve como protagonistas governos de PS, PSD e CDS.

 

 

 

À dimensão energética, juntou-se, entretanto, o enorme escândalo fiscal, que é o facto de este negócio de 2.200 milhões de euros poder vir a ficar isento de um só cêntimo que seja de imposto. É inaceitável! E é justa a indignação dos portugueses, nomeadamente das populações da região de Miranda do Douro, Mogadouro e Vimioso, que daqui novamente saudamos.

 

Senhor Presidente

Senhores deputados,

 

O PCP traz a este debate um projeto de lei que visa impedir o Estado de recorrer à arbitragem para dirimir litígios de natureza administrativa e fiscal.

Este projeto ganha uma nova atualidade com a publicação do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a clarificar que os equipamentos associados a aproveitamentos hidroelétricos devem pagar IMI.

É importante recordar que essa era a interpretação que a Autoridade Tributária tinha até 2015 – e foi precisamente numa impugnação interposta pela EDP e dirimida em tribunal arbitral, que originou a alteração da interpretação.

O que impede que a EDP ou a Engie venham de novo a colocar esta questão num tribunal arbitral, e conseguir novamente ficar isenta?!

Com a iniciativa do PCP, garante-se que, em relação ao despacho do Governo, ou em relação a uma eventual alteração ao código do IMI, – que acompanharemos –, ou em relação a outros impostos, caso exista uma impugnação da EDP ou da Engie ou de outra energética qualquer, esse litígio será dirimido nos tribunais, e não numa forma de justiça privada onde o Estado sai quase sempre prejudicado.

 

 

Veja-se o exemplo já citado da alteração de interpretação da AT em 2015.

Veja-se o exemplo da barragem do Fridão, caso em que mais uma vez foi um tribunal arbitral que decidiu a devolução de 218 milhões de euros do Estado para a EDP, numa decisão inaceitável.

Ou ainda no âmbito das PPP rodoviárias, as indemnizações decididas em arbitragem que custaram já centenas de milhões de euros ao Estado português em favor das concessionárias.

 

Para que o despacho do Governo, assim como as outras iniciativas que hoje serão votadas, não caiam em saco roto, é preciso aprovar esta proposta do PCP.

E mais uma vez referimos: a matéria fiscal é importante.

Mas no plano da política energética, é precisa uma profunda alteração, terminando com este simulacro de mercado que só beneficia os grandes grupos privados da energia, recuperando o controlo público do sistema elétrico nacional, para servir as necessidades do país e não os lucros. Para promover a transição energética socialmente justa, a redução dos preços, a soberania energética, o desenvolvimento e o progresso do país.

 

 

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