(projeto de resolução n.º 1506/XII/4.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Discutir desperdício alimentar e gestão eficiente dos alimentos remete-nos em primeira mão para uma abordagem às formas de produção e aos setores produtivos.
A verdade é que, hoje em dia, em Portugal e na Europa, ao mesmo tempo que muitos têm dificuldade em fazer uma alimentação adequada ou sequer alimentarem-se, muita produção fica nas explorações por recolher.
A primeira abordagem que tem de ser feita é no sentido de saber como funciona, com que orientação e com que objetivos a produção em Portugal. Será que os agricultores estão a produzir alimentos em função das necessidades do País? Que estratégia existe orientada nesse sentido? Depressa chegamos a uma conclusão: não existe uma estratégia ou, pior, existe a estratégia de não ter estratégia para permitir que sejam os ditos mercados — que é como quem diz os interesses económicos — a orientar a produção.
Os exemplos que confirmam o que dizemos são vários, como, por exemplo, o maior investimento público de sempre que foi feito no setor agroalimentar, o projeto do Alqueva. Foi o facto de empresários espanhóis quererem produzir azeite que orientou para a instalação, em Alqueva, da massa de olival que lá existe.
Outro exemplo da falta deliberada de estratégia é o objetivo do Governo de assumir o equilíbrio da balança agroalimentar, mas apenas em valor. Isto é, o Governo só se preocupa que aquilo que o País exporta seja em valor suficiente para cobrir os custos do que importa.
Para o Governo e para que este objetivo seja atingido basta que o País se especialize na produção de dois ou três produtos, que o resto comprar-se-á ao exterior. O único problema é que esta estratégia põe em causa, em larga escala, a soberania do País.
A verdade é que para quem tanto se verga a Bruxelas sem ousar levantar um dedo conceitos como soberania alimentar devem dizer muito pouco.
É muito claro que para o Governo, o atual e os anteriores, a função da agricultura não é, em primeira mão, a satisfação das necessidades alimentares do País; a agricultura é apenas mais um setor económico.
Estas opções e estas políticas não são as que o País precisa. O País, apesar de um grau de autossuficiência alimentar que rondará os 70% e apesar de ser autossuficiente em meia dezena de produtos, é altamente deficitário em alguns produtos estratégicos.
O País importa cerca de 50% da carne de bovino, 35% da carne de suíno — da qual já produziu 90% —, 55% da batata, 30% das frutas, 93% do feijão seco, 90% do grão-de-bico, 88% dos cereais e entre estes 96% do trigo. O exemplo do trigo é flagrante nesta relação de dependência do exterior: o País só produz 4% do trigo que consome e o principal fornecedor de trigo era, em 2013, a Ucrânia. Isto dá-nos a dimensão da fragilidade deste modelo.
Outra opção que é necessário implementar tem a ver com a sustentabilidade dos recursos. A terra para produção agrícola é limitada e a superfície agrícola utilizável tem vindo a reduzir, pelo que uma adequada utilização do solo não só é necessária como fundamental para assegurar o futuro do País.
Modelos de produção assentes em exploração intensiva e superintensiva que procuram lucro rápido, elevado e com alta capacidade de esgotamento do solo, ou o assunto da introdução da produção florestal em terrenos de cultivo e de regadio que se tem vindo a falar e a potenciar, nomeadamente com a lei da eucaliptização, são bons contributos para o esgotamento do solo e para a redução da área agricultável.
Neste contexto, a agricultura familiar, a pequena e a média agricultura são as que utilizam de forma mais equilibrada os recursos, quer através de uma vasta diversificação cultural e de rendimentos, quer porque produz localmente o que é consumido localmente e quase sempre produtos de melhor qualidade, para além do seu potencial fixador de populações.
Mas à produção e ao aproveitamento alimentar está ligada outra matéria: a distribuição.
A distribuição dá um contributo grande para promover a agricultura de cariz industrial, uma vez que, ao aniquilar a pequena e a média produção através do esmagamento de preços, deixa apenas espaço para a produção industrial. E a grande distribuição representa 70% desta atividade no nosso País.
O Governo foi obrigado a assumir a existência deste problema da predação da produção por parte da distribuição pela evidência que ela apresentava, mas não o resolveu. O Governo continua com a PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar) na boca e a grande distribuição com as mãos livres para pagar e impor o que quiser e quando quiser.
Para além disso, a grande distribuição é a face visível da normalização dos produtos, em que o calibre e o brilho valem mais do que a qualidade ou a origem do produto. Este processo de normalização tem sido responsável por deixar fora dos circuitos comerciais e dos circuitos de consumo quantidades significativas de alimentos.
Assim, medidas de venda direta de produção permitem ao consumidor o acesso a produtos mais frescos, tendencialmente de melhor qualidade e dos quais se sabe a origem. Estas medidas não serão a solução para todos os problemas de escoamento da pequena e média agricultura, mas dariam o seu contributo.
O Grupo Parlamentar do PCP acompanha as preocupações e as propostas do Partido Ecologista «Os Verdes».
Um país organizado, moderno e soberano tem de garantir a alimentação dos seus cidadãos, procurando atingir a autossuficiência tanto quanto for possível. Medidas de aproveitamento de todos os recursos que implicam a rejeição de imposições que limitem a possibilidade de consumo fazendo prevalecer o aspeto ao conteúdo têm de ser combatidas.
A soberania, nas suas diversas vertentes, não dispensa a soberania alimentar e ela é incompatível com uma visão exclusivamente economicista da agricultura que deixe de fora a sua importância para a satisfação das necessidades alimentares do País; incompatível com uma definição da política agrícola e logo de produção de alimentos, definida a partir do exterior e por princípios de mercado que deixam de fora as preocupações atrás expostas; e incompatível com a não existência de uma política agrícola nacional, com uma abordagem estratégica e que deverá ser orientadora das definições e decisões em matéria de produção agroalimentar.
É isto que falta ao País e é também isto parte integrante daquilo a que o PCP chama uma política patriótica e de esquerda e que estaremos disponíveis para a pôr em prática, assim seja essa a vontade dos portugueses.