Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Combate à corrupção

Assegura a transparência e o bom governo
Dá pleno cumprimento às recomendações dirigidas a Portugal em matéria de combate à corrupção pelo Grupo de Estados do Conselho da Europa contra a Corrupção, pelas Nações Unidas e pela OCDE
(projetos de lei n.os 600/XII/3.ª e 601/XII/3.ª)
Aprova a declaração para a abertura e transparência parlamentar
(projeto de resolução n.º 1036/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado José Magalhães,
O senhor apresentou aqui três iniciativas, e qualquer uma delas justificaria questões a colocar. Teremos oportunidade, ao longo deste debate, de colocar dúvidas e reflexões sobre cada uma delas, pormenorizadamente, mas agora queria centrar-me numa questão concreta.
Obviamente que há uma margem larga de consensualidade relativamente às iniciativas legislativas. Não obstante haver aqui uma iniciativa que tem o nome sugestivo de «bom governo» — isso também eu queria, Sr. Deputado! —, se o bom governo se decretasse, o País não estaria na situação em que está. Mas referir-me-ei adiante a essa iniciativa, pelo seu conteúdo e não apenas pelo seu título.
Há uma questão que tem a ver com o combate à corrupção e com a transposição para a lei portuguesa das recomendações do GRECO, que é um propósito que nos fica bem. Aliás, já foi dito aqui, há uma iniciativa do PSD para discussão na especialidade que versa, precisamente, sobre essa matéria, tendo um âmbito de aplicação relativamente próximo daquele que o Partido Socialista apresenta aqui, mas há uma questão relacionada com o combate à corrupção que já por diversas vezes nos ocupou nesta Câmara e relativamente à qual gostaria de saber qual é a posição que o Partido Socialista tem neste momento. Refiro-me ao enriquecimento ilícito.
Não vamos repetir um debate que já se realizou. Esta Assembleia aprovou um texto que foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, respeitamos inteiramente essa decisão, não a atribuímos a nenhum caráter malévolo do Tribunal Constitucional, e o que nos parece é que a Assembleia da República deve procurar encontrar uma solução que não seja a de «bater de novo com a cabeça na parede» da inconstitucionalidade.
Porquê? Por uma razão muito óbvia: é que os portugueses não perceberiam que a Assembleia da República fosse de inconstitucionalidade em inconstitucionalidade para que pudesse sempre dizer que se esforçava muito por aprovar uma lei de combate ao enriquecimento ilícito mas que ela esbarrava sempre na Constituição.
Porquê? Porque seríamos acusados, porventura, a partir de certa altura, justamente de fingir que queríamos aprovar uma lei sobre o enriquecimento ilícito, não o querendo, verdadeiramente. Não queremos incorrer nessa crítica. E lembro que, não há muito tempo, nesta Assembleia da República, tivemos oportunidade de ouvir um contributo muito interessante do Dr. Manuel Magalhães e Silva, que nos sugeriu uma solução de poder dar um sinal claro relativamente à questão do enriquecimento ilícito que não incorreria em inconstitucionalidades, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria. Passaria, obviamente, por tutelar o princípio da transparência, sancionando, a nível contraordenacional, a omissão de declaração de um enriquecimento patrimonial significativo.
Já percebemos que da parte da maioria não há grande entusiasmo relativamente a esta ideia, mas esperemos que não haja uma de duas coisas: que não haja entusiasmo nenhum e se deixe terminar a Legislatura, prometendo, todos os anos, que se quer sancionar o enriquecimento ilícito mas nunca o fazendo, ou, então, que se insista em «bater com a cabeça na parede» e se acabe por nunca aprovar coisíssima nenhuma.
Mas seria interessante saber se, nesta fórmula, ou seja, por este caminho que nos é sugerido pelo Dr. Manuel Magalhães e Silva, se haveria disponibilidade do Partido Socialista para que se desse, também aí, um sinal claro de condenação do enriquecimento ilícito, vindo, aliás, ao encontro daquelas que são as disposições constantes da Convenção de Mérida sobre a corrupção, que foi, inclusivamente, ratificada pelo Estado português.
Gostaria de saber qual é a posição atual do Partido Socialista sobre esta matéria.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Pedro Delgado Alves,
Gostaria de o questionar fundamentalmente sobre o projeto de resolução que aprova a declaração para a abertura e a transparência parlamentar a que o Sr. Deputado se referiu largamente na sua intervenção.
Evidentemente, da nossa parte, há uma margem de concordância muito grande com esta declaração — como se costuma dizer, o papel aguenta tudo o nele quisermos pôr —, passe alguma redundância desta declaração, redundância nos seus próprios termos, já que os mesmos princípios são repetidos enfaticamente em vários pontos, mas também relativamente ao que existe atualmente. É que muitas das propostas apresentadas são uma realidade no Parlamento, que, aliás, tem registado uma evolução significativa neste aspeto da transparência e da acessibilidade da informação, por várias vias, designadamente por via do site da Assembleia da República, na Internet, por via do Canal Parlamento e também por via da desmaterialização, que garante uma acessibilidade às iniciativas legislativas e aos trabalhos parlamentares praticamente em tempo real.
Porém, e uma vez que as declarações têm de ter consequências, há três pontos relativamente aos quais seria bom que nos entendêssemos.
Em primeiro lugar, no ponto 20, quando se fala em registar os votos dos Deputados, diz-se que «a Assembleia da República privilegia a votação nominal ou eletrónica». Ora, sobre esta matéria importa que nos entendamos porque, do ponto de vista da transparência, quer parecer-nos que a votação por levantados e sentados é bem mais transparente do que a votação eletrónica. Isto sem prejuízo das votações que exigem uma maioria absoluta ou uma maioria qualificada, relativamente às quais — a propósito de problemas que surgiram com a votação de uma lei orgânica, em que não se sabia exatamente se a votação efetuada por levantados e sentados tinha correspondido à maioria exigida — foram elaborados pareceres, foi feita uma reflexão do Parlamento (aliás, com intervenção do Sr. Presidente da República, na altura Jorge Sampaio) e chegou-se a uma conclusão sobre a utilização do voto eletrónico e sobre os termos em que ele deveria ser utilizado.
A questão que coloco é se o Partido Socialista pretende rever essa discussão, porque o que consta da resolução não é exatamente a conclusão a que se chegou.
Uma outra questão tem a ver com o ponto 32, sobre a linguagem clara e simples. Também consideramos que a linguagem usada pelo legislador deve ser clara e simples para que não apenas os juristas como também os cidadãos possam entender.
Porém, o que se diz é que «a Assembleia da República assume o dever de apresentar resumos em linguagem clara e simples e ferramentas similares capazes de tornar a informação parlamentar disponível e compreensível aos Deputados e aos cidadãos». Para além de haver um ceticismo muito grande relativamente à capacidade de os Deputados interpretarem o que escrevem, parece-nos que se retoma a ideia de que o Diário da Assembleia da República devia conter uns resumos do que se aprova.
Sr. Deputado, devemos procurar que a linguagem seja clara e simples. Mas estar a legislar com legendas parece-nos que não é propriamente a melhor ideia.
Finalmente, faço um reparo relativamente ao último ponto, relativo a remodelar o site da AR. O que se propõe é que, no prazo de 180 dias, haja uma remodelação do site da AR.
Srs. Deputados, o site da AR tem evoluído muito, tem havido um trabalho muito importante dos funcionários desta Assembleia no sentido de melhorar a quantidade e a qualidade da informação que é disponibilizada através do site da Assembleia da República. Porventura, a maioria dos cidadãos ainda não conhece todas as possibilidades de obtenção da informação através do site da Assembleia da República. Portanto, o esforço de melhoramento permanente do site da Assembleia da República é meritório, deve ser feito, mas os funcionários desta Assembleia têm plena consciência disso.
Não nos parece, pois, que haja necessidade de exigir que, no prazo de 180 dias, nem mais um nem menos um dia, haja uma remodelação do site da Assembleia da República. Essa remodelação vai sendo feita à medida que as coisas vão evoluindo e não nos parece que haja necessidade de uma injunção aos serviços no sentido de, com prazo certo, terem de fazer uma remodelação. Para remodelar o quê? Não vemos necessidade de uma remodelação abruta, vemos é a necessidade permanente de ir atualizando o site da Assembleia, o que, felizmente, tem vindo a ser feito com grande empenhamento nesta Casa.
De qualquer forma, trata-se de questões em aberto. 5 DE JULHO DE 2014 17

Para além destas objeções, da nossa parte, há, como disse, uma grande margem de concordância relativamente a esta declaração.

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