Intervenção de

Combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo - Intervenção de António Filipe na AR

Estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, e a Directiva 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto de 2006, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, procede à primeira alteração à Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, e revoga a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

O PCP considera importante que se proceda em Portugal à transposição de directivas que tenham como objectivo aperfeiçoar os mecanismos legislativos de combate ao branqueamento de capitais.

Aliás, é um princípio que sempre defendemos, desde há muitos anos e chegámos a tomar iniciativas aqui, na Assembleia, no sentido de antecipar a transposição de directivas, antes mesmo de os governos o terem feito, por forma a que em Portugal não se perca tempo na adopção de medidas que sejam consideradas necessárias para melhorar os mecanismos legais existentes e por forma a prevenir a ocorrência de fenómenos de branqueamento de capitais, no nosso país.

Neste sentido, temos saudado os projectos legislativos que, desde há vários anos, têm sido feitos nesta matéria. Consideramos que, em matéria de prevenção, é importante não apenas alargar tanto quanto possível e adequado as entidades que estão sujeitas a vários deveres de identificação, de comunicação ou mesmo de denúncia de operações suspeitas às autoridades judiciárias e às autoridades de supervisão e que importa melhorar o regime sancionatório aplicável à infracção ou ao incumprimento das exigências que sejam feitas a todas essas entidades. Importa também que haja comunicação entre as várias entidades com competências nesta matéria, por forma a que se possam obter melhores resultados na prevenção e no combate ao fenómeno do branqueamento de capitais.

Se há alguma novidade neste processo legislativo é aparecer pela primeira vez explicitamente a referência ao terrorismo, o que nos parece que é redutor. Obviamente que não contestamos a importância de combater o terrorismo e o seu financiamento, mas é preciso dizer que, muito antes de o terrorismo aparecer com esta intensidade no plano legislativo e no plano mediático, já tínhamos preocupação com o branqueamento de capitais provenientes de diversas actividades ilícitas que são extremamente graves e que não devem ser secundarizadas em nome de um sacrossanto combate ao terrorismo.

Aliás, importa lembrar que a preocupação com o branqueamento de capitais surgiu precisamente a propósito do combate ao tráfico de droga, à sua dimensão e à importância que os fenómenos tinham - e têm, infelizmente - relativamente a essa actividade e que depois se foi alargando ao combate à droga onde nasceu na legislação portuguesa. Aliás, o primeiro fenómeno de branqueamento criminalizado foi o branqueamento de capitais obtidos através do tráfico de droga, que foi sucessivamente alargado a outras actividades criminosas, designadamente ao tráfico de armas, ao tráfico de pessoas e, finalmente, aos crimes de gravidade acima de uma determinada moldura penal.

Portanto, é óbvio que o terrorismo deve entrar nesta moldura, mas apresentar uma iniciativa legislativa destas, que tem que ver com toda a criminalidade organizada, como uma medida de combate ao terrorismo devo dizer que é extremamente redutor e é «tomar a parte pelo todo».

Em todo o caso, este tipo de medidas é importante para o combate à criminalidade grave, seja ela qual for, na medida em que possa dar origem a fenómenos de branqueamento de capitais.

Agora há um aspecto que tem de ser considerado: é que os resultados obtidos com a aplicação desta legislação ficam aquém daquilo que seria esperado. Isto porque, sucessivamente, vamos melhorando os mecanismos relativos, mas depois verificamos sempre que os resultados obtidos, as condenações obtidas e os dinheiros apreendidos por condenações de branqueamento de capitais são muito escassos.

E todos nós sabemos, porque todos os estudos referem isso, as quantias incomensuráveis que resultam do branqueamento de capitais e o carácter exíguo, diminuto daquilo que é apreendido, daquilo que é detectado.

Portanto, importa que haja consequência naquilo que se faz e naquilo que se diz. Obviamente que é importante adoptar estes mecanismos, mas seria importante, também, questionar a existência dos offshores, porque ninguém ignora que é por aí que se processa, fundamentalmente, o branqueamento de capitais e enquanto não se tocar seriamente em todo esse mundo, não podemos falar, sem uma grande dose de hipocrisia, em combater o branqueamento de capitais.

Portanto, era importante a agilização da quebra do sigilo bancário e a criação de mecanismos que permitam às autoridades judiciárias actuar a tempo contra este fenómeno - e estamos a falar de algo em que as autoridades judiciárias demoram vários meses a conseguir seguir uma transacção de capital, que se processa em poucos minutos -, porque enquanto houver esta décalage não será possível falar em combater eficazmente o fenómeno de branqueamento de capitais.

Assim, eu diria que a legislação que estamos a discutir, e que seguramente iremos aprovar (proposta de lei n.º 173/X), é condição necessária, mas está muito longe de ser condição suficiente para poder haver um combate eficaz ao branqueamento de capitais.

Na especialidade não deixaremos de propor, designadamente em matéria de sigilo bancário, medidas que nos pareçam mais adequadas e mais eficazes, mas aquilo que nos parece fundamental é que, para além disto, se encontrem mecanismos que permitam, de facto, às autoridades judiciárias perseguir este tipo de operações de uma forma mais ágil, de uma forma que lhes permita actuar em tempo real, o que passa por um maior envolvimento das autoridades de supervisão, bem como pelo dotar as autoridades judiciárias de maior capacidade de intervenção junto das entidades do sistema financeiro.

Podemos fazer discursos muito bonitos sobre a necessidade de combater o branqueamento de capitais, podemos aperfeiçoar os mecanismos legislativos de prevenção, mas ficaremos todos a ter de concluir que o branqueamento de capitais passa impunemente ao lado de toda esta moldura legislativa.

Portanto, o nosso empenhamento, os nossos votos são para que se possa, rapidamente, concluir uma legislação mais eficaz, não apenas nestes domínios que aqui são propostos mas em outros que seguramente são fundamentais para que este combate tenha o mínimo de eficácia.

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