Intervenção de

Código do Trabalho (apreciação na generalidade)<br />Intervenção do Deputada Odete Santos

Senhor Presidente Senhores Deputados

Acontecimentos dramáticos muito recentes, e ainda em fase de desenvolvimento, vieram comprovar a falácia dos argumentos invocados pelo Governo para a revisão da legislação laboral.

Vieram provar a falácia de que uma legislação laboral menos proteccionista dos trabalhadores fixaria e atrairia investimento.

Vieram recordar que era falso o argumento de que a baixa produtividade e competitividade das empresas sedeadas em Portugal se devia à legislação laboral.

O encerramento da empresa Clarck, com a sua deslocalização- veio avivar memórias: 1º Esta empresa tem uma elevada produtividade, 4 vezes maior que outra indústria do ramo. Com trabalhadores portugueses, com a legislação laboral que ainda temos. 2º-O encerramento veio demonstrar que não é a prometida , ansiada e antevista subversão da legislação, que não é a redução e aniquilamento dos direitos dos trabalhadores, aplaudida e desejada pelos interesses instalados no Governo, que atrai o investimento.

O outro argumento, brandido pelo senhor Ministro, o argumento falso e desumano do absentismo e carácter fraudulento dos trabalhadores portugueses, contrasta com relatórios internacionais sobre as condições que são disponibilizadas em Portugal, para o factor trabalho, e sobre as péssimas condições em que desenvolvem o seu labor.

Veja-se o Estudo da Fundação Dublin sobre o trabalho na União Europeia na última década do século XX. Veja-se aí o destaque e sobrerepresentação, em Portugal do chamado trabalho servidão. O trabalho sem qualificações.

Vejam-se os relatórios da União Europeia que salientam a elevadíssima taxa de sinistralidade laboral de que são vítimas os trabalhadores portugueses; Salientam a elevada taxa de abandono escolar existente em Portugal; que destacam (veja-se o relatório de 2002 da Comissão Europeia sobre competitividade) que Portugal era o país em que o peso do emprego de baixa qualificação era mais elevado. Era exactamente de 76,7% do emprego total contra a média de 29,6% na Europa dos 15.

Em Portugal, a maioria dos trabalhadores não tem de facto um trabalho decente e produtivo, como a OIT o define: um trabalho em condições de liberdade, de equidade, de segurança e de dignidade. E esta proposta de lei, visando a redução dos custos do factor trabalho( custos que é o mais baixo da União Europeia) contribui ainda para uma maior degradação das condições de vida dos trabalhadores.

Acusamos esta hidra de várias cabeças, que esconde ainda muitas outras, de ter no seu tronco, uma matriz que contraria o paradigma da nossa Constituição Laboral.

A sua matriz é a de considerar que o trabalhador dispõe de liberdade contratual quando celebra o contrato. Encontramos essa matriz em várias disposições, nomeadamente naquelas em que permite que um trabalhador possa celebrar um contrato individual de trabalho com cláusulas mais desfavoráveis do que as constantes dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

Encontramo-la emblematicamente nas disposições sobre direitos de personalidade, em que houve o cuidado de proteger, em paralelo com os direitos dos trabalhadores, os direitos dos empregadores.

Acusamos esta hidra de trazer numa das suas cabeças uma ainda maior precarização das relações laborais, e uma precarização ainda maior no que toca ao emprego jovem.

E não são as últimas negociações com 2 parceiros sociais que vieram modificar substancialmente o quadro da precarização pretendida pelo Governo e pela sua maioria. Essa última negociação, que pode ter um ou outro ponto positivo, não altera o retrocesso social que resultará desta proposta de lei. Nesse acordo chega a fazer-se uma afirmação, que se reduz logo no número seguinte. É o que acontece com os contratos a prazo que serão possíveis não por 3 anos, mas efectivamente por 6 anos no mínimo.

Acusamos esta hidra de várias cabeças de trazer numa delas uma maior desregulamentação do horário de trabalho.

Face à proposta de lei, a regra que se estabelece é a de que poderá haver semanas em que se trabalha 50 horas, 10 horas por dia. E permite-se que por contratação colectiva, se definam horários semanais de 60 horas, 12 horas por dia. E estabelece-se que as pequenas pausas em uso nas empresas, não contam para o tempo de trabalho. Com um aceno amigável para a CIP na redacção negociada com dois parceiros sociais do artigo 10º do diploma preambular.

Acusamos a proposta de lei de contribuir também para a flexibilização com a alteração dos limites do trabalho nocturno. Numa clara submissão dos trabalhadores a uma organização de trabalho puramente ditada pelas regras do mercado.

Acusamos esta proposta de lei de brandir contra os trabalhadores, numa das suas cabeças, ferozes ataques aos direitos conquistados pelos trabalhadores em contratação colectiva quando prevê a caducidade de convenções antes de serem substituídas por outras.

Acusamos a proposta de lei de enveredar,desta forma, pela individualização das relações laborais, limitando o direito à contratação colectiva. Individualização que se reforça com o acordo celebrado com 2 parceiros sociais, relativamente ao artigo 15º do Diploma preambular. Os trabalhadores filiados noutro sindicato que não o Sindicato outorgante de um contrato colectivo, têm direito à negociação colectiva e a impor os resultados da sua própria negociação.

Acusamos esta proposta de lei, ainda quanto ao direito à contratação colectiva, de violar a Convenção 98 da OIT, ao prever na forma por que o faz, a arbitragem obrigatória.

Acusamos esta hidra que saiu à ruía, com pompa e circunstância, mascarada de Código, de trazer numa das suas cabeças, restrições inconstitucionais ao direito à greve, na fixação de serviços máximos em vez de serviços mínimos, violando a autonomia dos trabalhadores consagrada na Constituição, no próprio regime de definição dos serviços mínimos, aniquilando o direito nas greves que visem a satisfação de interesses meramente laborais.

Acusamos ainda esta hidra • de pôr em causa e violar o princípio constitucional de proibição dos despedimentos sem justa causa ao permitir, em certos casos, a substituição da reintegração por indemnização; • de permitir restrições a direitos fundamentais dos cidadãos nas empresas, submetendo esses direitos ao normal funcionamento da empresa • de permitir a maior devassa da vida privada dos trabalhadores admitindo que a entidade patronal recolha informações sobre a gravidez de trabalhadora, sobre doenças genéticas, sobre os antecedentes biológicos do trabalhador, sobre a sua origem ética ou racial, sobre orientação sexual • de tornar impossível, com a flexibilização, a conciliação da vida familiar com a vida profissional • de tornar possível a discriminação em razão do sexo, com o conceito de retribuição.

Acusamos ainda a proposta de lei • de contribuir para a desqualificação do trabalho com um novo regime de mobilidade funcional • de ser motor de degradação da vida familiar, com a flexibilização, mas também com a mobilidade geográfica que não conhece limites nos termos da proposta de lei.

Foram estas e outras acusações, que não cabem no tempo de que dispomos, que os trabalhadores fizeram na greve geral.

E a evolução do debate demonstrou.

Que vale a pena lutar. E que a luta tem de prosseguir.

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