Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos

Reapreciação do Decreto n.º 320/XII — Segunda alteração à Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à cópia privada
Petição solicitando que impeça a aprovação da proposta de lei n.º 246/XII (3.ª), que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sobre a compensação equitativa relativa à cópia privada
(petição n.º 427/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Em primeiro lugar, saudamos os mais de 8000 peticionários que apresentaram à Assembleia da República uma petição para que a Assembleia não aprovasse, tal como foi apresentada, a proposta de lei chamada «cópia privada».
Para além disso, assinalamos esta ironia: o PCP, na altura da entrada dessa petição, propôs, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que o debate sobre a proposta de lei não ocorresse de forma desligada dessa petição e das preocupações dos peticionários, a maioria assim não quis, impôs uma discussão apressada e sem ter em conta a reflexão dos peticionários e eis que a mensagem do Sr. Presidente da República acaba por fazer com que o debate, afinal, aconteça no mesmo dia.
Srs. Deputados, o PCP mantem, nesta ocasião, exatamente o mesmo que tem vindo a dizer sobre a cópia privada, sobre a proposta apresentada pelo Governo, tal como já havia dito sobre a proposta que tinha sido apresentada antes disso pelo Partido Socialista e que, curiosamente, nessa altura, tantas reservas mereceu por parte do PSD e do CDS.
As soluções que a cópia privada apresenta podem já ter sido úteis, podem já ter sido adequadas em determinado momento histórico; hoje, estão absolutamente ultrapassadas. Por isso mesmo, geram injustiças na sua aplicação.
Em primeiro lugar, porque o discurso em torno da justificação das taxas criadas pela cópia privada, na prática, significa que os cidadãos serão forçados a pagar uma taxa por uma coisa que não podem fazer. Os cidadãos serão forçados a pagar uma taxa para poderem fazer uma cópia que a lei proíbe. É certo que não é essa a cópia que a lei prevê, mas é por essa cópia que os Srs. Deputados do PSD e do CDS tentam justificar esta taxa.
Ao mesmo tempo, é injusta, porque afasta as populações do acesso à cultura, aumentando os preços e criando ainda mais dificuldades no acesso à cultura e, de certa forma, generaliza usos de aparelhos e instrumentos que podem ser diversos daqueles para os quais a cópia privada faz crer.
Há uma solução alternativa, que o PCP já propôs, por várias vezes, nesta Assembleia da República. Partilhar não é crime e o PCP entende e propõe que, se for disciplinada e regulamentada a partilha e se os autores e os titulares de direitos de autor e de direitos conexos forem remunerados pela partilha por aqueles que, de facto, lucram com a partilha, que são, essencialmente, os fornecedores de serviços de Internet, então é possível ter uma situação em que os cidadãos, sem terem custos agravados, podem partilhar as obras de arte, mesmo que protegidas por lei, e os autores podem ser remunerados por essa partilha e por esses usos das obras.
A opção é simples: ou insistimos nesta lei contra a cultura, contra os cidadãos, a pretexto da defesa do direito de autor, quando, na verdade, apenas estamos a ficar presos numa situação que está obsoleta, ou remuneramos os autores pela partilha, que é inevitável, que já se faz e que não é crime.

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