Intervenção

Código de Procedimento e de Processo Tributário - Intervenção de Honório Novo na AR

Alteração do Código de Procedimento e de Processo Tributário para instrução de reclamação graciosa

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o Governo

Apresenta-nos, finalmente, a sua proposta para alterar o sigilo bancário. Como se diz na minha terra, este tema já tem «barbas» da parte do Governo. E porquê? O Governo começou por anunciar esta questão no seu programa; mais tarde, durante o debate do Orçamento, mais ou menos há um ano, prometeu coisas, mas nada fez; no início deste ano, na altura do debate sobre o relatório contra a evasão fiscal, prometeu novamente e, Sr. Secretário de Estado, há-de convir que não houve quaisquer resultados...

Finalmente, ano e meio depois, temos uma proposta para derrogar o sigilo bancário.

Pelo tempo que demorou, esperava-se uma óptima proposta: que se encarasse de frente a questão central que se coloca sobre esta matéria, que criasse uma legislação, um princípio básico, que é a não existência de sigilo bancário para questões fiscais, que se seguissem as orientações mais recentes ao nível comunitário - da OCDE, da União Europeia, dos países mais desenvolvidos. Mas nada, nada disto cá está!

Por isso, cabe colocar uma série de questões, Sr. Secretário de Estado, independentemente da sua boa vontade e do seu empenho pessoal nesta proposta, que certamente terá havido. Por que é que o Governo tem medo?... Ou, dito de outra maneira, de que é que o Governo tem medo, ao apresentar uma proposta tão incipiente, tão medrosa e que, no fundamental, foge à questão central da eliminação do segredo bancário?

Afinal, o que é que o Governo quer com esta proposta? Quer mesmo combater a grande fuga e a evasão fiscais?

Sr. Secretário de Estado, considera que o «crime de colarinho branco», o crime organizado, que quem faz branqueamento de capitais ou foge em larga escala ao fisco vai a correr reclamar da liquidação que é feita pelas finanças? Será que não está disposto a pagar mais umas dezenas de milhares de euros porque ao lado, ao abrigo do sigilo bancário que lhe é mantido, continua a lucrar milhões de euros?

Sr. Secretário de Estado, ninguém acredita que haja possibilidades de combater de facto o grande crime organizado com este sistema. Sabe qual é a ideia que dá? Que esta proposta tem o único fim de libertar a administração fiscal das reclamações, de impedir que as pessoas reclamem. Parece que o que se pretende com esta proposta é que as pessoas deixem, pura e simplesmente, de reclamar.

É porque se não for isto, Sr. Secretário de Estado, de facto, não se entende para que é que é feita esta proposta. Continuamos, infelizmente, a ter a ideia de que o Governo nos anda a entreter com estes episódios de uma história, sempre anunciada mas nunca concretizada, de eliminação do sigilo bancário em Portugal.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Vale a pena, ainda que em poucas palavras, recordar um pouco da história mais recente da legislação nacional sobre a derrogação do sigilo bancário e, sobretudo, sobre a evolução das posições dos diferentes partidos relativamente a esta questão.

Prometo-vos que não vou insistir na aprovação da reforma fiscal do ano 2000. Não quero sequer voltar a recordar a recusa do PS, do PSD e do CDS-PP das propostas que então fizemos para derrogar a aplicação do sigilo bancário.

De igual modo, não quero voltar a lembrar a rejeição de propostas no mesmo sentido que temos apresentado nos subsequentes debates orçamentais, incluindo o mais recente, de há menos de um ano, que teve lugar em 2005.

O que gostava de sublinhar e recordar hoje é a curiosa evolução da posição de alguns partidos sobre esta matéria, excepto, claro está e como foi bem evidente pela intervenção que me precedeu, do CDS-PP, o qual permanece quase silencioso e exactamente no mesmo sítio em que permanecia em 1974 ou, quiçá, antes mesmo.

O PSD evoluiu da recusa completa quanto à derrogação do sigilo bancário, no ano 2000, para a construção de uma teia de autorizações prévias e de suspensões judiciais que, na prática, manteriam fechado «a sete chaves» o sigilo bancário.

Foi - recorde-se - esta a posição do PSD, ainda no final de 2004, há cerca de dois anos, quando se debateu o Orçamento do Estado para 2005.

Curiosamente, agora, o PSD elimina toda essa teia e permite o acesso a informações bancárias para efeitos fiscais, na generalidade das situações. É a primeira vez que o faz, Sr. Deputado Paulo Rangel. Este foi o primeiro projecto que o PSD apresentou neste sentido.

É o segundo. A base de dados da Assembleia, de que todos dispomos, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, regista 19 inscrições mas não houve uma única iniciativa legislativa com este objectivo a não ser esta.

Mas ainda bem que assim é e não nos vamos zangar por isso.

A verdade é que o PSD deixa o PS nas «covas»... Isto é que é importante. O PSD deixa o PS nas«covas», deixa o PS amarrado à teia de mecanismos herdada do PSD em 2004, que conserva o sigilo bancário quase intocável.

O PS mantém-se, portanto, amarrado e quase nada faz para avançar. Limita-se a apresentar uma proposta de lei que mais parece pretender evitar que os contribuintes, mesmo os cumpridores ou, melhor, sobretudo os cumpridores possam usufruir, sem reservas, sem temores discriminatórios, face à generalidade dos contribuintes (incluindo os que são, de facto, prevaricadores e até os criminosos) do direito a reclamarem.

O que o Governo parece querer com esta proposta de lei é libertar os serviços da «maçada» de elaborarem contestações às reclamações dos contribuintes.

Constou até que o Governo queria abrir o sigilo bancário para além das reclamações graciosas às reclamações judiciais e que o ia fazer, hoje, aqui, através do seu grupo parlamentar. Mas o debate não foi claro. O grupo parlamentar sobre esta questão nada disse e o Secretário de Estado também não foi claro sobre esta matéria. Vamos ver se, pelo menos, esta discriminação, que claramente beneficia os contribuintes mais poderosos, vai ou não ser eliminada.

Mas, na ausência de declarações, parece que o Governo quer também manter mais esta claríssima discriminação entre contribuintes mais ricos e contribuintes menos ricos.

Seja como for, há algo que a proposta do Governo, na realidade, não quer, e sobre isso não há dúvidas: a proposta do Governo não quer o combate ao crime organizado do branqueamento de capitais, não quer o combate o combate à evasão e à fuga fiscais de grande dimensão e de natureza nacional ou internacional.

Sr. Deputado Gameiro, não é com esta proposta que se combate no plano fiscal. Quem faz branqueamento de capitais e evasão e fuga fiscal de dimensão relevante não cairá nas malhas da nova lei, simplesmente porque não reclamará, pois os lucros e proveitos da sua actividade criminosa são mais do que suficientes para superar uma ou outra liquidação menos favorável aos seus crimes e interesses fiscais.

Por isso, a proposta de lei do Governo é absolutamente frustrante. Decepciona que, ao fim de um ano e meio, depois de repetidas e recorrentes declarações e promessas, se apresente um texto tão medroso, que revela a forma como o Governo não sabe nem quer, pelos vistos, afrontar os grandes interesses instalados, não pretende, de facto, promover e concretizar um combate em larga escala e com instrumentos eficazes de combate à evasão e à fraude fiscais.

Quer as propostas do BE quer as do PSD, retomando ideias recorrentes apresentadas em diversos momentos anteriores, abordam uma questão que o Partido Socialista e o Governo inexplicavelmente não querem abordar.

É que, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Portugal não pode continuar a ser uma espécie de «ilha» no seio dos seus parceiros da União ou mesmo no seio dos países da OCDE. Portugal tem de avançar decididamente no combate à evasão e à fraude fiscais, que, no nosso país, assumem valores record no seio dos países mais desenvolvidos.

Portugal não pode continuar a ter um Governo medroso, que não quer afrontar os interesses instalados, desde que sejam dos circuitos financeiros e/ou económicos mais poderosos.

Portugal, para poder começar a introduzir factores de plena justiça e eficácia no combate à evasão e à fraude fiscais, tem de eliminar, de uma vez por todas, o sigilo bancário para efeitos fiscais.

 

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