Intervenção

Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações<br />Intervenção do Deputado Lino de Carvalho

Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados,

Como é público e notório a proposta avulsa de diminuição dos valores das taxas do Imposto Municipal de Sisa só é debatida hoje como forma de resolver as consequências do precipitado anúncio do Governo, em Fronteira, da nova legislação sobre a tributação do património. Como o Governo tinha de divulgar uma qualquer medida para sublinhar o seu primeiro aniversário e simultaneamente descentrar as atenções das demissões de dois Ministros não cuidou dos termos e das condições do anúncio que fez. Naturalmente que, na expectativa das promessas feitas, isso se traduziu num adiamento pelos portugueses dos projectos para a compra de habitação e para a celebração de escrituras. E, por isso, o Governo, a correr, decidiu apresentar esta proposta avulso sem cuidar, de novo, das consequências de mais uma decisão precipitada. E aqui nos encontramos hoje perante uma proposta singular que pretende baixar as taxas da Sisa mas, simultaneamente, não cuidou dos direitos dos destinatários da receita do imposto, os municípios. É muito fácil promoverem-se desagravamentos imediatos da carga fiscal à custa do bolso alheio. O que diria o Governo se, a meio do ano, e se tivesse poderes para isso, a Assembleia da República decidisse baixar as taxas do IRS ou do IVA com o exercício já em curso e com as respectivas consequências para a receita fiscal do Estado? Desaguaria seguramente numa crise política. O espírito e os objectivos que presidem à chamada “lei travão” devem obrigar a todos !

Em todo o caso, e dito o que fica dito, é óbvio que a proposta de diminuição do valor da Sisa é bem vinda, embora longe dos compromissos assumidos. Porque a verdade é que o Governo quer transmitir a ideia de uma grande reforma mas de facto não teve coragem nem quis avançar com uma verdadeira reforma da tributação do património, imobiliário e mobiliário, criando um único imposto e acabando com a Sisa e a multiplicidade de outros impostos que incidem sobre o património. Limita-se a mudar os nomes aos mesmos impostos. Termina com o único imposto que tributa os acréscimos patrimoniais recebidos a titulo gratuito. E veremos se, entretanto, não se prepara para liberalizar, num futuro próximo, o regime das rendas de casa. É por isso que a proposta de redução dos valores da Sisa que hoje discutimos, se em si mesmo é irrecusável, não pode ser, contudo, desligada da proposta global da chamada reforma dos impostos sobre o Património cujos efeitos sobre o nível de tributação fiscal ainda se desconhecem. Quando a debatermos, e sobretudo quando vier a ser aplicada, veremos então se não estamos perante um presente envenenado e se esta redução agora apresentada não se traduzirá no agravamento da injustiça fiscal designadamente para as classes de rendimentos médios.

Quanto à proposta que temos aqui hoje importa ainda acompanhar o seu percurso até ao final do caminho, até à votação final global. É verdade que o Governo e o PSD já deram sinais de que vão ser obrigados a recuar na pesporrência inicial quanto à recusa de não compensação aos municípios. Aguardemos agora pelo resultado das propostas que irão ser apresentadas, algumas dos quais por nós próprios.

Assim, da nossa parte, PCP, entendemos que se deve completar a proposta do Governo com medidas que não prejudiquem, mais a mais a meio do ano e com os Orçamentos já aprovados, os municípios e a sua capacidade de realizarem obra a favor das populações, para que não se volte a repetir agora o que fez há dez anos o Governo de Cavaco Silva quando suspendeu a Lei de Finanças Locais. E não se focalize a discussão, não se atire o odioso, para cima de um alegado egoísmo dos autarcas. As autarquias são órgãos indispensáveis ao processo de descentralização do Estado, à mobilização e participação das populações e ao fomento de obras necessárias ao desenvolvimento local. Se lhes são amputadas, e de forma inesperada, receitas que são suas, em última análise os prejudicados são os próprios munícipes porque obviamente sofrerão os efeitos da redução do investimento em cada um dos municípios afectados.

É neste contexto, e avaliando a proposta de per si, que encarando de forma positiva o aumento do valor da isenção para € 80.000 e a acentuada redução de todas as taxas da Sisa, apresentamos três propostas que procuram corrigir o erro do Governo no que se refere às receitas municipais, assegurando o cumprimento do princípio da estabilidade orçamental e da neutralidade fiscal e criando mecanismos mais efectivos de combate à fraude e evasão fiscal. Combinam-se assim os interesses legítimos e as justas expectativas de quem quer comprar casa para habitação própria em condições mais favoráveis e os interesses gerais dos munícipes e dos municípios.

1.º - Propomos que quando em resultado da aplicação das novas taxas se verifique uma diminuição das receitas da Sisa arrecadadas pelos municípios haja lugar à correspondente compensação a cada um dos municípios afectados através de verba a inscrever no Orçamento de Estado de 2004;

2.º - Propomos também que nesses casos os municípios possam contrair empréstimos até ao montante máximo correspondente à quebra das receitas de cada um deles, sem que tal conte para os limites de endividamento;

3.º - E propomos, finalmente, para efeitos de verificação do valor real das transacções de imóveis, que os contratos promessa de compra e venda sejam apensos à respectiva escritura e no acto da sua celebração.

Se o Governo, como tem afirmado a Ministra das Finanças e face à “fé” do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, está seguro de que não haverá quebra de receitas municipais então não deve ter qualquer receio de aceitar as propostas que fazemos. E como o Governo não incluiu na sua proposta nenhuma medida que permita combater a volumosa evasão e fraude que se dá em matéria de valor das escrituras e respectivo cálculo da Sisa, e não quis avançar desde já e em simultâneo com o início da actualização do valor matricial dos imóveis, então nós oferecemos uma medida que ajudará seguramente a diminuir a dimensão da fuga ao fisco, designadamente no que se refere às grandes transacções imobiliárias que é onde se registam os mais elevados graus de evasão fiscal.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Senhores Deputados,

A resolução do problema da habitação em Portugal, criando-se melhores condições de acesso à aquisição de casa própria, não passa somente pela redução da taxa da sisa. As crescentes dificuldades financeiras dos portugueses agora agravadas com o vertiginoso aumento do desemprego e a quebra do poder de compra, o seu já muito elevado nível de sobreendividamento, o elevadíssimo preço da habitação, a falta de uma política de promoção da habitação para os sectores de mais baixos rendimentos, o fim que o Governo impôs à bonificação das taxas de juro para o crédito à habitação jovem, tudo isto está seguramente na base das dificuldades de acesso à habitação para muitos milhares de portugueses. A diminuição das taxas da sisa, na ausência do desaparecimento do imposto, constitui, em qualquer caso, um contributo positivo para facilitar a aquisição de casa própria se, no futuro, esta descida não vier a ser anulada pelas alterações à reforma do património. Só que o Governo tem o estrito dever de salvaguardar os interesses dos destinatários das receitas. Aguardamos, pois, com expectativa, o comportamento do Governo e da maioria às propostas que apresentamos que asseguram uma lei mais justa e equilibrada.

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