Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade

Primeira alteração ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro)
(projecto de lei n.º 268/XI-1.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Nuno Magalhães,
Há um único ponto em que convergimos com o CDS, que é o de que deve haver, de facto, uma competência jurisdicionalizada para a colocação em regime aberto no exterior. É o único ponto em que convergimos, e nem sequer da mesma forma, mas discutiremos isso um pouco mais adiante. Em relação ao resto, divergimos, sobretudo no facto de o CDS ter lançado uma campanha de alarme social em torno desta questão.
E se o alarme social nunca é uma coisa boa, ele é muito pior quando não tem o mínimo fundamento e quando se baseia em puras mistificações e em faltar à verdade.
Os senhores dizem que obtiveram, e é verdade, muitas assinaturas para apresentar uma petição, subscrita, em primeiro lugar, pelos Deputados do CDS, solicitando a revisão deste regime, mas os senhores induziram em erro esses subscritores, na forma como lhes apresentaram a petição.
E porquê? Disse agora mesmo o Sr. Deputado Nuno Magalhães que um preso condenado numa pena gravíssima, de 12 anos de prisão, por três juízes e mais trinta da Relação, ao fim de um quarto da pena é posto cá fora.
Então, Sr. Deputado, pergunto-lhe: por que é que não foi? Se o diploma está em vigor há mais de um mês e meio, por que é que os presos não estão cá fora?
Se aquilo que os senhores andaram a dizer fosse verdade, tínhamos, no último mês e meio, cerca de 8000 presos libertados. Tivemos? Não tivemos, Sr. Deputado.
Se fosse verdade o que os senhores têm andado a dizer, o Director-Geral dos Serviços Prisionais não fazia mais nada senão estar, 24 horas sobre 24 horas, a assinar despachos para pôr cá fora 8000 reclusos em regime aberto virado para o exterior. Isto tem acontecido? Não tem! Segundo os dados que foram fornecidos recentemente, há duas pessoas que foram colocadas em regime aberto virado para o exterior. Imaginem!
Imaginem a perigosidade social desta medida! Há duas pessoas que vêm cá fora, trabalham cá fora e voltam à noite para o estabelecimento prisional — que perigo para a segurança pública! O País está em pânico!
Srs. Deputados, não brinquemos com coisas sérias! Não se confunda o regime aberto virado para o exterior com a liberdade condicional, porque são coisas diferentes, e, sobretudo, tenhamos uma discussão séria sobre estas questões.
Vamos aprovar um regime coerente, razoável, de colocação de reclusos em regime aberto virado para o exterior que seja compatível, em termos de prazos, com o regime da liberdade
condicional, porque os senhores, como nem sequer acautelaram esse ponto — provavelmente, só leram a lei até ao artigo 15.º —, não viram que se prevê, no artigo 72.º, que possa haver uma saída jurisdicional, precária, cumprindo um sexto da pena. Como os senhores não chegaram aí, não repararam nisso e fizeram de conta que, no regime aberto virado para o exterior, não está previsto que ele só possa ser aplicado depois de ter havido uma saída jurisdicional prévia. Fizeram de conta que não viram!
Mas, Srs. Deputados, esta não é uma forma séria de discutir estas questões e, por isso, esperamos que deste processo legislativo possa sair uma norma adequada relativamente a esse regime, mas que seja discutida com seriedade e não com base em demagogia e alarmismos sociais.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP apresentou um projecto de lei sobre a matéria da execução de penas e medidas privativas da liberdade tendo em conta, fundamentalmente, três ordens de questões que são abordadas no mesmo.
Em primeiro lugar, consideramos que há matérias que constam do Código de Execução de Penas e que são remetidas para o regulamento geral dos estabelecimentos prisionais. Ora, do nosso ponto de vista, deveriam ser reguladas no próprio Código de Execução de Penas porque são matérias extremamente difíceis do ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias e, sendo essa matéria da competência exclusiva desta Assembleia, deveria ser o próprio Código a regulá-las.
Estamos a referir-nos, designadamente, a aspectos relacionados com a correspondência dos reclusos, com os direitos dos visitantes, com os direitos de revista a pessoas que visitem reclusos, enfim, aspectos que dado a o seu melindre e a sua sensibilidade deveriam ser directamente regulados por lei e não remetidos para um mero regulamento administrativo.
Portanto, há aspectos que consideramos que deveriam ser regulados no Código. Já fizemos algumas propostas nesse sentido aquando da discussão, na especialidade, e entendemos dever retomar alguns desses pontos, os que nos parecem mais relevantes.
Em segundo lugar, há vários aspectos relacionados com os direitos e os deveres dos reclusos que carecem de alguns ajustamentos relativamente às soluções que foram aprovadas.
No que respeita a estes dois pontos, no essencial, retomamos propostas que tínhamos apresentado aquando da discussão da iniciativa originária que deu lugar a este Código de Execução de Penas.
Há uma terceira ordem de questões, que é a que tem sido aqui mais discutida, que diz respeito ao regime aberto e à liberdade condicional.
Divergimos das concepções constantes dos projectos de lei do CDS e do PSD, principalmente do do CDS.
A nossa divergência tem que ver com isto: consideramos que o sistema prisional e a aplicação de penas de prisão não têm uma dimensão meramente retributiva, ou seja, punitiva. Alguém que cometeu um determinado crime é condenado a uma determinada pena de prisão, que cumpre, e por aí ficamos. Ou seja, não há uma perspectiva de ressocialização e entendemos que as prisões não podem ser meros armazéns de presos.
A concepção que subjaz ao projecto de lei do CDS, não tanto ao do PSD, é a de que o cidadão nasce criminoso. Trata-se de uma característica inata: quem comete um crime é um criminoso toda a vida, não há ressocialização possível. No limite, é esta a concepção constante no projecto de lei do CDS.
Portanto, no projecto de lei do CDS não há uma perspectiva que pensamos que o sistema prisional deve ter: é que, a par dessa dimensão retributiva (obviamente, quem comete um crime deve ter uma punição que lhe corresponda), deve existir uma outra. Entendemos que o que é importante para que o sistema prisional cumpra a sua função é que a essa dimensão retributiva seja associada uma outra, que é a da ressocialização.
Não devemos perder de vista a possibilidade de o cidadão se ressocializar, encontrando a sua reinserção social depois de ter cumprido a pena de prisão, e de, em determinada parte do cumprimento da pena de prisão, essa ressocialização poder ser preparada. Ou seja, o sistema prisional deve ter uma intervenção relevante que facilite a possibilidade de reinserção social dos reclusos.
É essa dimensão que os senhores não reconhecem e que entendemos que é fundamental que exista no sistema prisional, para a defesa da sociedade. Na vossa concepção, o criminoso, quando sair da prisão, vai cometer crimes outra vez. Não nos conformamos com isso porque pensamos que o que é importante para a defesa da sociedade e dos valores sociais é que possam existir algumas garantias de que aquele cidadão, cumprida a sua pena, vai viver em liberdade e não vai reincidir na actividade criminosa.
É para permitir isso que existem mecanismos como a liberdade condicional e o regime aberto virado para o exterior. Nunca devemos abrir mão dessas possibilidades, porque elas são importantes para defender valores sociais.
Mas vamos, agora, à questão do regime aberto. Admitimos que deve haver uma intervenção judicial, estamos de acordo com isso.
Aliás, de todo aquele vasto elenco que o Sr. Deputado Nuno Magalhães citou, é nesta questão que todos convergimos.
Mas entendemos mais do que isso: é que não basta — e aqui o nosso projecto de lei distingue-se dos demais — dizer que isto deixa de ser uma competência do Director-Geral dos Serviços Prisionais e passa a ser uma competência dos tribunais de execução de penas, é preciso regular
como, porque o Código de Execução de Penas regula exactamente todas as formas de intervenção dos tribunais de execução de penas.
Em primeiro lugar, do nosso ponto de vista, é preciso definir qual é o regime de custas, porque também há regimes de custas aplicáveis aos tribunais de execução de penas, e achamos que deve haver isenção de custas quando se coloca alguém no regime aberto virado para exterior.
Consideramos que não se deve excluir a intervenção administrativa, porque se trata de algo
completamente diferente da liberdade condicional, trata-se de uma forma de aplicação da própria pena de prisão, porque o recluso regressa ao sistema prisional.
Portanto, deve haver uma decisão positiva relativamente à aplicação deste regime dada pelo sistema e, obviamente, pelo Director-Geral dos Serviços Prisionais, mas essa decisão não deve ser aplicada sem haver uma homologação judicial. Homologação dada por quem? Dada, do nosso ponto de vista, preferencialmente pelo juiz, pelo menos pelo juízo — entretanto pode ter havido rotação de juízes —, que concedeu previamente a saída jurisdicional a título precário, porque não vale a pena estarmos a repetir processos. Ou seja, se o recluso não pode sair em regime aberto virado para o exterior sem que tenha havido previamente uma decisão
judicial que tenha permitido uma saída precária, entendemos que a homologação da decisão de colocação em regime aberto virado para o exterior deve ser feita precisamente pelo mesmo juiz que já conhece o processo, já conhece o recluso e já tomou uma decisão sobre ele.
Propomos isso em nome do aproveitamento dos actos e porque nos parece que, assim, há garantias de que há uma decisão com maior conhecimento de causa e que, evidentemente, pode salvaguardar melhor a segurança jurídica, que todos nós pensamos que deve ser assegurada.
O que nos leva a pensar que esta decisão deve ser jurisdicionalizada é dar o máximo de garantias de que aquele cidadão não vai aproveitar o regime que lhe é concedido para cometer outros crimes, de que ele vai efectivamente regressar ao estabelecimento prisional e dar garantias de segurança.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que, do nosso ponto de vista, esta discussão deve ser feita na especialidade com toda a seriedade e neste ponto pensamos que é possível encontrar uma solução que seja consensualmente aceite e que termine, de uma vez por todas, com a
conflitualidade artificial que se tem criado em torno do Código de Execução de Penas.

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