Entre os governantes dos 15 Estados-membros, muitas vezes é fácil decidir sobre algumas políticas da União Europeia, o que é mais difícil é concretizar o que decidiram. E o principal problema está em que, no momento da concretização, cada um deles se vê confrontado com a oposição dos cidadãos do seu país à aplicação das medidas que eles, bem instalados nas Cimeiras do Conselho Europeu, decidem sem ter em conta o que se passa no mundo real. E é assim que muitos dos prazos apontados não são cumpridos, que o processo de liberalização não anda tão depressa quanto gostariam, que são obrigados a modificar os conteúdos das propostas inicialmente apresentadas.
- Na Cimeira de Lisboa, o Conselho decidiu acelerar a liberalização dos serviços postais e, de acordo com esta orientação, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de liberalização imediata para a correspondência com peso superior a 50 grs., duas vezes e meia a tarifa, devendo decidir-se até 31.12.2005 de uma posterior liberalização que teria efeito a partir de 1.1.2007. Perante uma forte contestação do sector a esta proposta, que levaria ao desemprego centenas de milhar de trabalhadores, o Conselho foi obrigado a recuar e a Directiva 2002/39/CE acabou por estabelecer que a liberalização a partir de 1.1.2003 seria para a correspondência superior a 100 grs., três vezes a tarifa e 50 grs., duas vezes e meia a tarifa, a partir de 1.1.2006. O correio transfronteiriço de saída pode continuar na área reservada e uma nova etapa da liberalização, a concretizar a partir de 2009, deverá ser decidida só após um estudo, a elaborar pela Comissão, sobre as consequências do impacto de uma completa abertura do sector.
- Um outro dossier que o Conselho entendeu que deveria andar mais depressa era o da utilização e gestão do espaço aéreo, mais conhecido por "Céu Único Europeu", conclusão reafirmada no Conselho de Barcelona de 2002. Mais uma vez pudemos assistir à oposição dos trabalhadores do sector à proposta apresentada e verificaram-se greves no sector dos controladores aéreos, simultâneas em vários Estados-membros. Mas não só, as contradições entre o que querem e o que podem fazer também se manifestaram em torno da proposta de sujeitar o espaço aéreo militar ao controlo civil e quanto à partilha do controlo do espaço aéreo, que poderia levar alguns países - entre eles Portugal - a perder a sua soberania neste campo. E agora, na Cimeira de Bruxelas, continua a concluir-se pela necessidade de aprovar rapidamente o Céu Único Europeu.
- No que se refere aos transportes de passageiros por via férrea, estrada e via navegável, a Comissão apresentou a sua proposta de liberalização em Setembro de 2000. No entanto, perante uma opinião muito crítica emitida pelo PE em Novembro 2001 - o que resultou, essencialmente, do facto de o respectivo relator ter sido um deputado membro do Grupo GUE/NGL - o Conselho ainda não conseguiu chegar a um acordo sobre este dossier e enviar ao Parlamento a sua Posição Comum o que significa que, por agora, o assunto está congelado.
- Também sobre o desenrolar do processo do acesso aos serviços portuários, as coisas não correram tal como pretendiam. Os trabalhadores do sector efectuaram já duas greves num grande número de portos europeus, o que resultou na paralisação total dos mesmos. Lamentavelmente, alheios a esta luta, a maioria do PE não exigiu, logo à partida, a eliminação dos aspectos mais gravosos desta directiva no que se refere ao ataque que faz à manutenção dos postos de trabalho no sector. O processo está ainda em curso mas o Conselho na sua Posição Comum foi já obrigado a aceitar alguns aspectos de salvaguarda dos direitos localmente adquiridos pelos trabalhadores do sector e a retirar do seu âmbito, pelo menos durante 10 anos, os serviços de pilotagem. O PE emitiu já a sua opinião em segunda leitura e, tudo leva a crer, que se passará ainda ao processo de conciliação. Mas há ainda outro problema quanto a esta proposta. É que, tudo o indica, ela viola a Convenção 137 da OIT e, a este respeito, interpelámos já a Comissão Europeia.
É certo que será difícil travar o processo de liberalização de serviços públicos, enquadrado no processo de construção do mercado interno aprovado em 1986. Mas podemos igualmente estar certos de que a forma como essa liberalização será feita dependerá também da oposição que se conseguir desenvolver em cada um dos Estados-membros, ainda durante o período da sua discussão nas instituições europeias.
Salários €8,13 (cerca de 1.630$00) são os custos salariais horários em Portugal - cerca de 3 vezes menos que a média da UE.
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Pobreza
21% da população portuguesa encontrava-se abaixo do limiar da pobreza em 1999, a mais alta taxa de pobreza na UE. 14% da população encontra-se em risco de pobreza persistente, ou seja, pessoas que se encontram nos últimos 3 anos abaixo do limiar da pobreza.
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Investigação&Desenvolvimento 0,76% do PIB é o peso da despesa doméstica bruta em Investigação&Desenvolvimento em Portugal em 1999. Este é um dos valores mais baixos da UE e bastante aquém dos 3% fixados no Conselho Europeu de Barcelona e reafirmado em Bruxelas. |
Ernesto Ferreira "...De facto, tem sido em nome da competitividade e da modernização que temos vindo a assistir no nosso país - nunca de forma passiva por parte dos trabalhadores - a uma política económica assente na liberalização dos mercados, nas privatizações crescentes que já chegam hoje às funções sociais do estado, no ataque à Segurança Social Pública e universal e que têm conduzido o nosso país para uma situação de recessão económica, de degradação rápida da situação social, de aumento contínuo do desemprego e de discriminações sociais e laborais... ...foi em nome da modernização e da competitividade que o Governo português apresentou um Pacote Laboral, que constitui uma peça fundamental para o retrocesso de décadas nas relações de trabalho, fragilizando direitos individuais e colectivos fundamentais... Considerou ainda o recente Conselho Europeu que "o sector industrial é uma fonte vital do crescimento e do emprego e continuará a desempenhar um papel importante na economia baseada no conhecimento". Estamos de acordo. Mas a prática, qual é? Como se entende então a continuada e prolongada destruição do aparelho produtivo nacional? A deliberada ausência de investimentos produtivos? A falta de investimento público, no conhecimento, na inovação, na investigação? |
Paulo Trindade "...a entrega de fundos da segurança Social à especulação bolsista se revela desastrosa para a sustentabilidade do respectivo sistema público, porque a voragem bolsista é claramente penalizadora em termos de rentabilidade face à capitalização pública... Esta estratégia em que a lei do lucro se sobrepõe ao social, em que se assiste a uma socialização de custos e a uma privatização de lucros, é acompanhada por uma crescente desregulamentação e precarização do emprego público em Portugal... Na Administração Pública portuguesa mais de cem mil trabalhadores estão em situação de trabalho precário... A vertente ideológica desta ofensiva não é descurada e por isso se assiste ao fomentar de toa uma campanha lesiva da dignidade profissional dos trabalhadores da Administração Pública... É óbvio que a culpa do deficiente funcionamento e resposta dos serviços públicos não é dos trabalhadores e os feitos sociais perversos e inatos decorrem, sim, da natureza de classe das opções políticas de direita de sucessivos Governos...". |