Faz hoje 24 anos que José Saramago, o escritor universal, intelectual de Abril, militante comunista, recebia a notícia de que a Academia Sueca lhe atribuía o Prémio Nobel da Literatura de 1998, prestando, assim, justo reconhecimento e homenagem ao autor de - Levantado do Chão, História do Cerco de Lisboa, Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Jangada de Pedra, A Caverna, Ensaio sobre a Cegueira, Ensaio sobre a Lucidez, A Viagem do Elefante, Todos os Nomes, Intermitências da Morte, entre tantas outras obras, - uma vasta e diversificada obra literária, traduzida em muitas línguas, espalhada, lida e reconhecida pelo mundo inteiro, que faz de José Saramago, escritor de referência e eco mundial, inteiramente merecedor do Prémio Nobel da Literatura, pela primeira vez atribuído a um escritor de língua portuguesa.
Foi para assinalar esse momento marcante e o seu profundo significado político e cultural que o Partido Comunista Português, Partido onde José Saramago militou desde 1969 até ao final da sua vida, que aqui, no Centro de Trabalho Vitória, o acolhemos calorosamente, em ambiente de grande alegria e entusiasmo, e lhe prestámos homenagem em 14 de Outubro de 1998, na sua chegada a Lisboa, após a atribuição do Prémio Nobel.
Foi também aqui que voltámos a juntar-nos em Outubro de 2008 para assinalar o décimo aniversário da atribuição do Prémio Nobel, e, já sem a sua presença física, aqui voltámos em Outubro de 2018, nos 20 anos sobre a atribuição do Prémio, para lhe prestarmos nova, mas não menos sentida, homenagem.
Não esquecemos esse dia e não esquecemos o gesto nobre do escritor militante comunista, quando, após a homenagem do seu Partido, dos seus camaradas e amigos, decidiu dirigir-se para a vigília promovida pela CGTP-IN no Terreiro do Paço, contra o pacote laboral, querendo assim manifestar o seu apoio e solidariedade à luta dos trabalhadores portugueses contra as alterações da legislação laboral.
Hoje, aqui voltamos para simbolicamente assinalar tão notável efeméride, numa sessão que se integra nas comemorações do centenário do nascimento de José Saramago, sob o lema «escritor universal, intelectual de Abril, militante comunista» que o PCP tomou em mãos com um programa próprio e por todo o País.
Lembrando o percurso de vida de José Saramago e a sua opção - na qual envolveu todas as suas extraordinárias capacidades - pela luta transformadora ao serviço da emancipação social dos trabalhadores e do povo, aqui sublinhamos de novo o significado da atribuição do Prémio Nobel, enfatizando as suas inesquecíveis palavras, em Outubro de 1998, quando aqui afirmou: «Eu hoje com o prémio posso dizer que, para ganhar o prémio, não precisei de deixar de ser comunista».
Não esquecemos esse dia e não esquecemos o gesto nobre do escritor militante comunista, quando, após a homenagem do seu Partido, dos seus camaradas e amigos, decidiu dirigir-se para a vigília promovida pela CGTP-IN no Terreiro do Paço, contra o pacote laboral, querendo assim manifestar o seu apoio e solidariedade à luta dos trabalhadores portugueses contra as alterações da legislação laboral.
Não esquecemos também e ficaram registadas na nossa memória colectiva as suas palavras em 2008 quando, referindo-se ainda à atribuição do Prémio Nobel, voltou a lembrar o que, tempos antes, deixara escrito nos Cadernos de Lanzarote: «quando alguma vez se agitou a hipótese de, enfim, eu vir a ganhá-lo, eu deixei escrito muito claro, muito claramente, que se para ganhar o prémio Nobel era necessário abandonar as minhas convicções políticas e ideológicas, pois, não valia a pena, porque eu não abandonaria».
Estamos aqui para celebrar os anos passados sobre a atribuição do Prémio Nobel da Literatura de José Saramago e o que ele significou de contributo para a afirmação da literatura de língua portuguesa no mundo e para o reconhecimento do português como língua de referência importante na cultura mundial. Um Prémio outorgado a um Autor que abriu novas portas à projecção da literatura portuguesa no plano internacional. Um Prémio que transformou José Saramago num embaixador da cultura e da nossa Língua, que as projectou nos mais diversos cantos do mundo, numa intensa actividade, promovendo a reflexão não apenas acerca da sua própria obra, mas da literatura portuguesa, empenhado em mostrar a sua riqueza. Um Prémio, uma obra e uma intensa actividade que serviu o nosso País, projectou e prestigiou a cultura portuguesa além-fronteiras, contribuindo para tornar a nossa Literatura uma referência respeitada e permanente, no contexto da cultura literária universal. Mas um também que foi prémio altamente prestigiante não apenas para José Saramago, mas também para nós, portugueses.
Com este acto, celebramos a inteligência criadora de José Saramago, expressa na sua vasta e singular obra. Mais do que um estilo, como nos mostram aqueles que se aventuram na arte de nos revelar o fazer da nossa literatura, inventou um inovador ritmo oral na escrita, que não se limitou a narrar para os que liam, mas para participar activamente na narração, desenvolvendo e devolvendo a história a todos aqueles que a fazendo não a escrevem.
É um contar de outra maneira da história, impregnada de profundo humanismo, que está presente em Saramago.
Saramago alimentava a esperança de que a realidade se alterasse, que o sentido de justiça social e política se ancorasse projecto superior dos seus concidadãos, num mundo igualitário e solidário, na prosperidade das nações. Daí a sua grandeza e a importância da sua obra, desse peculiar modo de “interpretar o nosso mundo”.
Saramago, pelo novo que a sua escrita transporta, pelos conteúdos que habilmente criticam e questionam “o estado do mundo” e as grandes questões da humanidade, não é um Autor particularmente acarinhado pelo conservadorismo dos poderes instalados, que sempre encontraram pretextos para limitar a divulgação, interna e externamente, da sua obra.
Basta-nos recordar o episódio patético, triste e mesquinho do então subsecretário de Estado da Cultura, Sousa Lara, ou esse outro episódio, de puro ódio ideológico, protagonizado pela Câmara Municipal de Mafra, ao vetar, em Maio de 1998, a atribuição a Saramago, por proposta da CDU, da Medalha de Honra do Concelho, do mesmo modo, em coerência com o mesmo preconceito ideológico e de classe.
Celebramos mais um aniversário da atribuição do Prémio Nobel e nesta celebração evocamos o homem que desde muito jovem tomou lugar na luta pela libertação do seu povo e contra o fascismo.
Fascismo, essa hidra venenosa – arma de arremesso contra o movimento operário - que agora retoma um inquietante levantar de cabeça, nuns sítios às claras e provocatoriamente, noutros a coberto de disfarces vários e novas aparências e alteradas características.
Da Itália chegou-nos há poucos dias esse facto inquietante de uma força da extrema-direita, comprometida com o legado do fascismo, ter sido o partido mais votado nas eleições de 25 de Setembro. Facto que abre a perspectiva da formação de um governo de extrema-direita naquele País, na sequência do avanço das forças de extrema-direita noutros países, como evidenciaram as últimas eleições legislativas em França e na Suécia, mas também o avanço de forças reaccionárias e retrógradas (como em Portugal), o que confirma a necessidade de intensificar a luta contra o revisionismo histórico que branqueia e banaliza os crimes do nazifascismo, fomenta o anticomunismo, promove o obscurantismo cultural.
Uma preocupante evolução que tem causas diferentes em diferentes espaços, mas tem como pano de fundo a aguda crise estrutural do capitalismo e a expressão do aprofundamento do seu carácter explorador, opressor, agressivo e predador e que é responsável pela situação de instabilidade e incerteza no plano mundial, de que são expressão: a instigação da guerra, a deriva militarista e armamentista a que assistimos, protagonizada pelo imperialismo norte-americano, a União Europeia e a NATO. Essa deriva e esses mesmos protagonistas que aqui, na Europa, apostam na promoção e continuação da guerra, em vez da paz, com pesadas consequências para todos os povos, os que directamente a sofrem e aqueles que são também vitimas de uma interesseira política de sanções, com a qual apenas os monopólios ganham e que está a provocar uma séria deterioração da situação económica e social, com a desenfreada especulação, o vertiginoso aumento dos preços da energia, dos alimentos e de outros bens de primeira necessidade, o ataque às condições de vida e o agravamento da pobreza e da fome, e, ao mesmo tempo, empurrando o mundo para uma situação extremamente perigosa.
Causas várias, mas onde predominam como causas maiores as políticas de rapina, ingerência e de guerra contra os povos e o seu direito a decidir soberanamente do seu futuro. Uma política que tem conduzido a um violento aumento da exploração do trabalho, destruição de direitos sociais, brutais ataques à soberania dos povos e a uma gigantesca e crescente concentração e polarização da riqueza. Uma política que, servindo os senhores do dinheiro e do mundo, despreza o homem e os seus direitos e degrada a democracia, como nos dizia também José Saramago no discurso de agradecimento do Nobel em Estocolmo: “Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante”. (…) “aqueles que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal de democracia”.
Evocámos aqui, hoje, o militante comunista e escritor presente e interveniente activo, desde os idos anos 1940 nas mais diversas actividades da Resistência antifascista e os perigos do tempo presente.
Mas este também é o momento de evocar a empenhada e dedicada intervenção de José Saramago na defesa dos valores de Abril que no concreto assumiu, nos seus propósitos de liberdade, transformação social, de efectivação dos direitos sociais universais, elevação cívica e cultural e independência nacional.
Participou em importantes combates políticos e eleitorais, agindo com o seu Partido na luta pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo, na luta pela ruptura com a política de direita e pela afirmação de uma política alternativa, parte integrante da Democracia Avançada inspirada nos valores de Abril, componente indissociável da luta por uma sociedade nova sem a exploração do homem pelo homem.
O momento de evocarmos o intelectual empenhado e atento que conseguiu, através das palavras, subir ao povo, com ele partilhar as agruras, a fome, as lutas e, nessa condição, afirmativa e corajosa, enfrentou aqueles que tentavam em desespero, na Revolução de Abril, um regresso ao passado sinistro da ditadura e se assumiu como um construtor de Abril, servindo os trabalhadores, o povo e o País.
José Saramago foi um escritor que veio do povo trabalhador, a quem amou e foi fiel. Esse homem que amando o seu povo, amou Abril, com tudo o que comportou de sonho, de transformação e de avanço progressista! Esse homem, escritor e comunista, que o PCP jamais deixará de celebrar, não apenas com um escritor maior da Literatura Portuguesa, mas também como o homem comprometido com os explorados, injustiçados e humilhados da terra, que assumiu valores éticos e um ideal político do qual não abdicou até ao fim da sua vida.
Mas, no que respeita a José Saramago, creio que a sua condição de comunista e a grandeza da sua obra literária não são facilmente dissociáveis: estou em crer que, sem essa condição, a massa humana, o herói colectivo que percorre os seus livros não se moveria com o mesmo fulgor e não se sentiria em muitos deles o penoso, trágico, exaltante, contraditório, luminoso, sombrio, incessante movimento da história. Sem dúvida, o Nobel deu projecção planetária ao Autor e à obra.
No discurso na cerimónia da entrega do Prémio, em Estocolmo, José Saramago disse: «A voz que leu estas páginas quis ser o eco das vozes conjuntas das minhas personagens». Poderíamos acrescentar: «E essas vozes conjuntas são um eco do povo, dos trabalhadores, dos imperfeitos humanos que constroem a história».
E enquanto isso, com todas as nossas forças, com todo o nosso empenho, com toda a nossa convicção, com toda a nossa inteligência, com toda a nossa sensibilidade, continuaremos a lutar - nesta luta que, tendo como objectivos imediatos a resolução dos gravíssimos problemas que flagelam o nosso País e o nosso povo, tem sempre no horizonte o objectivo maior da construção de uma sociedade justa, fraterna, solidária, democrática e de paz, liberta de todas as formas de opressão e de exploração: a sociedade socialista e comunista.
No fundo, a sociedade onde todos os explorados e oprimidos se levantarão do chão e franquearão as portas ao mundo novo de igualdade, justiça, progresso social e de paz, que, pelas lutas do presente – em que José Saramago interveio e, pela sua obra e exemplo, continua a intervir – estamos a construir.