Projecto de Resolução

Casa do Douro

 

Uma Casa do Douro para os 40 mil pequenos viticultores durienses

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1. O Douro, enquanto região de excelência na produção de vinhos, caracteriza-se pelo difícil e instável equilíbrio entre a produção e o comércio. A Casa do Douro, enquanto associação pública representativa dos vitivinicultores durienses, desempenha uma função estratégica essencial na defesa dos produtores de vinhos generosos e de pasto, e especialmente dos cerca de 40 mil pequenos produtores, face ao poder económico e político do comércio concentrado em menos de uma dezena de grandes casas exportadoras ligadas, em geral, ao capital multinacional e com grandes quintas na Região Demarcada.

O prestígio e a valorização do vinho do Porto e dos vinhos de mesa da região sempre estiveram, intensa e historicamente, ligados à existência da Casa do Douro, como representante unitária da produção face ao domínio dos circuitos comerciais pelas casas exportadoras e à sua capacidade institucional de intervenção reguladora no mercado vitícola regional.

O equilíbrio dos interesses em histórico confronto sempre foi determinado por uma organização institucional, plasmada em lei, arbitrado sempre que necessário pelo Estado, garantindo a prevalência dos direitos legítimos dos que construíram a Região Demarcada, e a qualidade e genuinidade dos seus vinhos, sobre o poder económico e político dos grupos comerciais que, ao longo dos séculos, sempre se apropriaram da maior parte do valor acrescentado da produção vitivinícola de generoso e de pasto.

2. Mas nunca esse poder económico se conformou com a situação e, várias vezes, levou de vencida os interesses dos durienses, sempre que julgou asada a maré política. Desde 1986 que têm feito caminho e consolidado posições as suas teses de liberalização dos regulamentos da produção vínica da Região Demarcada do Douro, no sentido de esvaziar progressivamente a Casa do Douro do seu papel regulador, procurando retirar-lhe funções de comercialização, usurpar-lhe a titularidade do cadastro, impedi-la de manter o controlo das contas - depósito - produtor, reduzir direitos dos viticultores e aproveitando erros de gestão, desprestigiar e fragilizar a Casa do Douro, e ainda desvalorizar a experiência e capacidade profissional dos seus trabalhadores. Neste caminho de instabilização da Região Demarcada do Douro, tendo como objectivo a liquidação da própria Casa do Douro, no seu papel, atribuições e competências, historicamente consagrados na Região Demarcada, o poder económico das casas exportadoras contou sempre com a aliança e cumplicidade activa de sucessivos governos do PS e PSD (com ou sem CDS-PP).

3. As sucessivas reformas da arquitectura institucional da Região Demarcada do Douro levadas a cabo por esses governos e os partidos que lhes garantiram maioria na Assembleia da República, conduziram o Douro, e em particular os seus pequenos viticultores e a generalidade das adegas cooperativas, a uma profunda crise, e mergulharam a Casa do Douro numa situação de total instabilidade orgânica, esbulhada de poderes que lhe estavam atribuídos e em estado, de quase falência económica.

O PCP acusa esses partidos e os seus governos pela dramática situação que hoje vive a vitivinicultura na Região Demarcada do Douro.

4. O PSD é o principal responsável pelas alterações do enquadramento legal da região com a dita reforma institucional de 1995, que visava criar um modelo de gestão interprofissional (CIRDD) e a sua reformulação em 2003, com os Decretos-Lei n.º s 277 e 278, de 6 de Novembro de 2003.

O PS, sempre contestando na oposição essas alterações, é, no governo, o executante exigente da legislação dos governos PSD.

Um e outro partidos, incumprindo sucessivos protocolos negociados e contratualizados com a Casa do Douro, Associação dos Exportadores e Estado Português, que visavam garantir e salvaguardar a sustentabilidade económica da Casa do Douro.

Um e outros partidos, fazendo no governo exactamente o contrário do que afirmavam e defendiam enquanto oposição, tomaram decisões e assumiram políticas que conduziram a Casa do Douro e a Região Demarcada à situação actual, cujos principais traços são bem conhecidos e duramente sofridos pelos durienses. A saber:

•·     Uma profunda, intrincada e contraditória regulamentação legal, sobrepondo poderes de diversas entidades, perturbando os equilíbrios existentes, fragilizando gravemente atribuições e competências da Casa do Douro, subordinando-as aos interesses dos exportadores, e particularmente ao IVDP e ao poder discricionário dos governos;

•·     Uma complexa, burocrática e antidemocrática legislação eleitoral para a Casa do Douro, eliminando a eleição directa da sua Direcção pelos vitivinicultores, eliminando a incompatibilidade eleitoral dos representantes do comércio e afrontando a igualdade eleitoral dos vitivinicultores por intervenção do factor volume de produção;

•·     A expropriação da Casa do Douro de direitos, competências e atribuições tão decisivas quanto as do registo oficial dos vitivinicultores e propriedade e actualização do cadastro das vinhas - hoje apropriado pelo IVDP - o fornecimento da aguardente vínica, eliminado pela sua liberalização a favor das casas exportadoras;

•·     A eliminação da capacidade de intervenção na comercialização de vinhos, no que se inclui a intervenção, em última instância, na retirada da produção dos vinhos da vindima não comercializados e aquisição em cada campanha dos quantitativos necessários à manutenção do stock histórico;

•·     O afundamento da situação económico-financeira da Casa do Douro pelo não cumprimento dos já referidos Protocolos livremente negociados, a não assunção das indemnizações compensatórias resultantes da cessão de obrigação e as contrapartidas financeiras resultantes da reforma institucional devidas à Casa do Douro.

•·     Em consequência de todos estes processos profundamente negativos para a imagem, capacidade e operacionalidade da Casa do Douro, resulta um evidente reforço das posições das Casas Exportadoras face ao Douro e aos vitivinicultores durienses.

5. No quadro da ruinosa política levada a cabo, contra o Douro e os durienses, por sucessivos governos um papel central cabe ao actual Governo do PS / Sócrates, ao ministro da Agricultura, Jaime Silva, e à maioria PS na Assembleia da República que, ao longo de quatro anos e meio os suportou e apoiou politicamente.

Pode caracterizar-se a legislatura nesta matéria como uma permanente guerra contra a Casa do Douro e a vitivinicultura duriense. A saber:

•·        Pela completa recusa de rectificação do quadro legislativo que tinha sido imposto pelos governos PSD/CDS-PP na legislatura 2002/2005;

•·        Pelo assumido incumprimento dos Protocolos negociados com a Casa do Douro;

•·        Pela ameaça e chantagem feitas em torno de umas pretensas e outras reais dívidas da Casa do Douro para com o Estado;

•·        Pela reconfiguração do IVDP feita subrepticiamente através do Decreto-Lei n.º 47/2007, de 27 de Fevereiro, liquidando o «interprofissionalismo», governamentalizando o IVDP, transformado num órgão desconcentrado do Ministério da Agricultura, com perda de poderes do Conselho Interprofissional e agravamento do défice de democratização e representatividade dos 40 mil vitivinicultores da Região Demarcada do Douro, ao acentuar-se o critério «volume de vinho» e a redução do número de membros na composição dos representantes da produção nas secções especializadas;

•·        Pelo assumido confronto e afastamento do Douro e da Casa do Douro em matéria de representação e reconhecimento institucionais, atingindo-a simbolicamente aquando das viagens da Comissária da Agricultura da União Europeia e do ministro à Região sem a visitar e dialogar, em contraposição com o encontro com outras entidades e personalidades regionais e com a «familiaridade governamental» em iniciativas da Associação das Casas Exportadoras;

•·        Pela cumplicidade no afastamento da Casa do Douro, e fundamentalmente da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), da instalação de um cluster vitivinícola na região duriense, entregando a sua promoção e gestão à ADVID, Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense, associação dominada pelas casas exportadoras.

Deve concluir-se que pior era impossível!

Para memória futura ficam mais uma vez registadas as palavras dos que foram deputados do PS na oposição ao governo PSD/CDS-PP entre 2002 e 2005.

Do então deputado Ascenso Simões e hoje secretário de Estado, em 1 de Julho de 2003, invectivando o Governo por não cumprir as prometidas «contrapartidas financeiras devidas à Casa do Douro de 11 milhões de contos» afirmava a «Casa do Douro vive momentos difíceis decorrentes da cessação de competências delegadas e de decisões pouco ponderadas; a Casa do Douro tem umas dívidas a bancos de cerca de 17 milhões de contos, mas tem vinhos e propriedades que ascendem a mais de 27 milhões de contos; a Casa do Douro não precisa do governo para que este lhe pague as dívidas, precisa do governo para que este a ajude a liquidar, com o seu património, essas mesmas dívidas, sem pôr em causa o mercado, sem fazer diminuir os preços e sem criar uma situação de instabilidade social e económica na região.» E posteriormente, em 19 de Março de 2004, dirigindo-se, numa Interpelação, ao governo PSD/CDS-PP, repete a acusação: «Quando é que o governo transfere 55 milhões de euros para a Casa do Douro?»

Do então deputado e hoje deputado Rui Vieira, a 1 de Julho de 2003: « (...) a proposta que aqui nos apresentam (o Governo), é a liquidação efectiva e objectiva da Casa do Douro. (...) É ou não é verdade que quando se transfere para outro organismo, para o IVDP, o núcleo de competências que dava razão de ser à Casa do Douro, tais como a organização e a regulação da Região Demarcada do Douro, impedindo a Casa do Douro de intervir no escoamento dos vinhos excedentários, apoiando efectivamente a produção, deixando-lhe apenas a tarefa residual da gestão e da actualização do cadastro das vinhas e ainda com a obrigação de facultar todos os elementos ao IVDP. (...) Portanto, retirar todas as competências ao organismo é ou não acabar com ele? (...) O Sr. Ministro disse que decidiu impedir a Casa do Douro de intervir no escoamento do vinho - o que é uma opção política do governo. Sabe o Sr. Ministro que essa possibilidade tem sido o estabilizador, o garante de um equilíbrio social e económico na região que se tem mantido ao longo das últimas décadas?»

Do então deputado e hoje ministro da Presidência, Pedro da Silva Pereira, na mesma data de 1 de Julho de 2003, a propósito da retirada pelo governo das competências da Casa do Douro de intervenção no escoamento de excedentes: «É que a regulação na Região do Douro passa por esta intervenção em matéria de comercialização, porque é ela que defende os produtores das vontades económico-financeiras do grande comércio» (...). O que é verdadeiramente extraordinário é que o governo apresente uma proposta de lei que pode significar uma sentença de morte para a Casa do Douro que pode significar a miséria para muitos agricultores daquela região, e o venha fazer nesta Assembleia, procurando sustentar que o que afinal está a fazer é a salvar a Casa do Douro. Isso já não é apenas grave, isso releva da pura e simples hipocrisia política.»

6. Hipocrisia política e demagogia do PSD, que depois de «baralhar» completamente o quadro normativo institucional da Região Demarcada do Douro, agora vem apresentar um Projecto de Resolução a recomendar ao governo que proceda a uma «clarificação legislativa» no quadro institucional!

Hipocrisia política e demagogia do PS que, depois de quatro anos e meio, no governo e na Assembleia da República, a afundar a situação económico-financeira e organizativa da Casa do Douro, vem agora apresentar uma Projecto de Resolução a recomendar ao governo «medidas que contribuam para a sustentabilidade e revitalização da Casa do Douro e um Plano de Reestruturação Organizacional»!

7. O PCP sempre considerou que, independentemente das vicissitudes de percurso da sua gestão, a Casa do Douro enquanto associação pública, representante dos viticultores durienses, com estratégicas funções originárias, é essencial à defesa da produção e dos produtores, ao equilíbrio da organização institucional da Região Demarcada, ao prestígio e valorização de toda a produção vínica.

Compreendendo as razões e o sentido da Petição subscrita por 4089 peticionários e promovida pela Casa do Douro solicitando «uma clarificação legislativa que crie condições à revitalização e fortalecimento na Região das Associações Representativas dos profissionais.

Defendendo que a definição dos aspectos concretos do funcionamento e da organização interna da Casa do Douro, e em particular, do regulamento eleitoral, deve competir, antes de mais, aos seus associados no âmbito da auto-regulação profissional, o PCP entende, no entanto, que a organização da Casa do Douro deve respeitar os princípios constitucionais, em especial quanto aos direitos de todos os associados, e que o Estado não pode demitir-se de definir as suas funções e atribuições estratégicas.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Resolução:

A Assembleia da República delibera, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, emitir as seguintes recomendações no âmbito das suas competências:

1.Que o Estado assuma, em articulação com a Casa do Douro o processo do seu completo saneamento financeiro, nomeadamente assegurando:

(i) com carácter de urgência, as indemnizações compensatórias resultantes da cessação de obrigações e as contrapartidas financeiras resultantes da reforma institucional efectuada em 1995 devidas à Casa do Douro, procedendo às respectivas transferências;

(ii) a execução dos compromissos assinados em sucessivos Protocolos;

(iii) a compensação para os possíveis prejuízos decorrentes dos atrasos verificados na concretização dos Protocolos.

2. Que se proceda à clarificação do quadro institucional da Região Demarcada do Douro, revertendo para esta anteriores atribuições e competências, promovendo o reequilíbrio entre a produção e o comércio, nomeadamente garantindo:

(i) A sua natureza de pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio;

(ii) A representação unitária e a prossecução dos interesses colectivos de todos os viticultores, entendendo-se por tal todas as pessoas, singulares ou colectivas, que cultivem vinha na Região Demarcada do Douro;

(iii) A inscrição obrigatória de todos os viticultores singulares ou colectivos, cabendo-lhe a representação exclusiva da produção nos órgãos interprofissionais do Instituto do Vinho do Porto após a remodelação deste, devendo ter em conta a realidade sócio-económica da região e respeitar critérios de equidade no acesso das associações de produtores ao Conselho Regional de Viticultores da Casa do Douro;

(iv) O registo oficial dos viticultores e a conservação da propriedade do cadastro das vinhas, competindo-lhe proceder à inscrição de todas as parcelas para efeitos da sua classificação de acordo com o respectivo potencial qualitativo e no respeito pelas orientações a definir pelo Instituto do Vinho do Porto;

(v) A intervenção na disciplina, controlo e fiscalização da produção, elaboração e comercialização dos vinhos de qualidade com direito a denominação de origem ou indicação de proveniência regulamentada produzidos na Região Demarcada do Douro;

(vi) A capacidade de intervir na comercialização de vinhos, no que se inclui a retirada da produção dos vinhos de vindima não comercializados e a aquisição em cada campanha dos quantitativos necessários à manutenção do stock histórico;

(vii) Aos funcionários da Casa do Douro, os direitos e regalias adquiridos ou, em alternativa, o direito de requerer a aposentação antecipada;

3. Que se proceda a uma profunda remodelação, em articulação e diálogo com a Casa do Douro, outras associações regionais e os durienses, do quadro dos órgãos e regulamento eleitoral da Casa do Douro, assegurando a sua simplificação, democraticidade e representatividade dos vitivinicultores, nomeadamente estabelecendo que:

(i) O Conselho Regional de Viticultores é o único órgão representativo com funções deliberativas e é composto por representantes dos viticultores directamente eleitos, que constituem a maioria, por um membro em representação de cada uma das adegas cooperativas existentes na Região e por elas designados e por um membro em representação de cada uma das associações de viticultores regularmente constituídas e também por estas designados;

(ii) A Direcção da Casa do Douro é eleita directamente pelos vitivinicultores;

(iii) O regulamento eleitoral da Casa do Douro deve prever um sistema de representação proporcional face ao número dos associados, garantindo a transparência e democraticidade dos actos eleitorais e a igualdade de tratamento das listas concorrentes;

(iv) Têm capacidade eleitoral activa e passiva para os órgãos representativos eleitos por sufrágio universal directo, todos os viticultores inscritos na Casa do Douro, independentemente do volume de produção e colheita de cada um e da entrega da respectiva declaração;

(v) São inelegíveis para o Conselho Regional de Viticultores todos aqueles que forem comerciantes, gerentes, comissários ou corretores de empresas que se dedicam ao comércio de vinhos e seus derivados, não se considerando como tal todos os que venderam exclusivamente os vinhos provenientes da sua produção vitícola e os que vendam na qualidade de directores das adegas cooperativas;

(vi) O regulamento eleitoral, que deve aproximar-se, de forma simplificada, da regulamentação vigente para as autarquias locais, nomeadamente em matéria de formação, apresentação de listas e fiscalização do processo eleitoral, e deve prever uma comissão eleitoral com a seguinte composição:

a) Um presidente, viticultor de reconhecido mérito, eleito pelo Conselho Regional de Viticultores;

b) Cinco membros eleitos pelo Conselho Regional de Viticultores;

c) Um representante de cada lista candidata.

Assembleia da República, em 16 de Julho de 2009

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