Projecto de Lei n.º 754/X

Cartografia total de apoio ao plano sectorial da rede natura 2000

 

Determina a elaboração da cartografia total de apoio ao plano sectorial da rede natura 2000

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Exposição de motivos

A política de ordenamento do território que tem vindo a ser desenvolvida em Portugal assenta numa perspectiva de flexibilidade tal que, na prática, anula o poder e a consequência dos diferentes instrumentos de ordenamento do território sempre que esse poder e consequência se confronta com os interesses dos grandes grupos económicos e com a sua ânsia de lucro e apropriação dos recursos naturais.

Na verdade, o actual Governo tem agudizado esta política de desarticulação das normas do ordenamento do território, de submissão da estratégia de desenvolvimento regional aos caprichos e desígnios dos grandes interesses económicos, assim sacrificando o interesse nacional a interesses privados. Da mesma forma, tem sido promovida uma política de subversão dos princípios elementares da conservação da natureza, virando os diversos instrumentos de ordenamento e respectivos regulamentos contra as populações por eles afectadas e contra as suas necessidades e anseios. É revelador que seja hoje, em diversas áreas protegidas do país, mais fácil obter licenciamento para instalar um aldeamento de luxo, um hotel de luxo ou um campo de golfe com aldeamento, do que obter licenciamento para cortar uma sebe ou instalar uma vedação para o gado.

A retirada do Estado das suas funções de gestão e fiscalização no que toca à Conservação da Natureza e manutenção da integridade dos recursos naturais tem tido impactos muito importantes que têm conduzido à degradação bem visível dos recursos naturais, hídricos, biológicos, paisagísticos, mineralógicos e geológicos do país. Por sua vez, essa degradação tem tido consequências devastadoras na qualidade de vida das populações e tem ameaçado o direito à fruição dos recursos naturais para importantes camadas da população. Esta política tem tido implicações directas no Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, afectando a sua capacidade para gerir as áreas que tem a seu cargo e sob sua tutela. O ICNB está cada vez mais ausente do território nacional e a sua intervenção na conservação activa da natureza é próxima de nula e inexistente. Cada vez mais o ICNB se vai convertendo numa agência de mediação de negócios privados com o Estado, como se de uma imobiliária se tratasse. É comum ver o ICNB autorizando grandes empreendimentos turísticos, indústrias pesadas e mesmo indústria extractiva em plenas áreas protegidas, mas é raro encontrar o ICNB a proceder a obras ou intervenções ambientais tão simples quanto a limpeza de matas ou estradas, o corte de sebes ou infestantes. Pelo contrário, verificamos um abandono desolador nas áreas protegidas que são assim sistematicamente utilizadas como lixeiras ilegais ou paraísos turísticos de habitação de luxo.

Esta política encontra fundamento numa orientação de direita que preside à actuação do actual Governo, na senda dos anteriores, mas também na abusiva flexibilidade dos instrumentos de ordenamento do território que claudicam sempre que enfrentam interesses de grandes grupos económicos.

A recorrente utilização de meios exteriores, através de externalizações dos serviços, que tem sido levada a cabo por este Governo mostra bem uma política de demissão e privatização da conservação da natureza. No que toca à Rede Natura 2000, conjunto sítios que comportam valores e habitats específicos de interesse relevante, a política do Governo não é diversa daquela que caracteriza a acção do Governo na Conservação da Natureza em geral.

Aliás, no caso da protecção e conservação dos valores e habitats identificados no plano sectorial da Rede Natura 2000, o caso torna-se ainda mais grave. Se é verdade que este Governo fez publicar o Plano Sectorial da Rede Natura 2000, também é verdade que o fez sem as necessárias condições para o seu efectivo cumprimento estarem criadas. O plano sectorial da Rede Natura 2000 é um instrumento de ordenamento do território de elevada importância, identificando os valores e os habitats e definindo linhas políticas e técnicas para a sua preservação e valorização. No entanto, a sua utilidade está directamente relacionada e dependente da identificação da localização dos valores a preservar.

Independentemente do valor em causa, só será possível proceder à sua preservação se existir consciência perfeita da sua localização e capacidade de intervenção localizada. A actual situação verificada que se traduz na ausência de instrumentos cartográficos ajustados e adequados resulta numa absoluta ineficácia deste instrumento de ordenamento do território. É impossível exigir o cumprimento e o respeito por um plano sectorial cuja aplicação territorial não se lhe conhece.

A cartografia que acompanha o Plano Sectorial é, como o próprio texto do Plano descreve, meramente indicativa e carece de um aprofundamento técnico bastante significativo. Quer se trate da cartografia de âmbito nacional ou de cada sítio identificado no Plano, as cartas disponibilizadas (que são as mesmas que acompanharam o processo de discussão pública) são claramente insuficientes. Esta insuficiência técnica traduz-se porém numa flagrante insuficiência política. O ICNB, o Estado e as autarquias locais com responsabilidades em áreas concomitantes com os sítios, valores e habitats da Rede Natura 2000 não dispõem de uma identificação precisa da localização do valor a preservar e mesmo onde existe essa identificação em cartas de escala maior e mais precisa, a verificação dessa localização não está devida e tecnicamente elaborada no terreno.

Por isso mesmo, e porque só com a elaboração e disponibilização pública de uma cartografia de apoio ao plano sectorial da Rede Natura 2000 será possível efectuar o mínimo controlo e assegurar a estabilidade e eficácia do plano, o Partido Comunista Português propõe que sejam fixados prazos e metodologias para a elaboração da referida cartografia. É determinante que seja posto um fim à política de ordenamento do território da falta de transparência, da alteração das zonas de protecção especial ao gosto e sabor dos interesses privados que ali se querem instalar, que cesse a interpretação dúbia de cartas e que se concretize uma definição clara e precisa da localização dos valores identificados nas fichas do plano sectorial da rede natura 2000.

Assim, nos termos legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º

Objecto

A presente lei determina os termos e condições de elaboração e disponibilização pública da cartografia de apoio ao Plano Sectorial da Rede Natura 2000.

Artigo 2º

Âmbito

1 - A cartografia total de apoio ao Plano Sectorial da Rede Natura 2000 é elaborada à escala mínima de 1:25000.

2 - A elaboração da cartografia prevista na presente lei pressupõe a verificação física da localização dos valores e habitats da Rede Natura 2000.

3 - A elaboração da cartografia é acompanhada pela elaboração de fichas de estado de conservação do valor no momento actual.

Artigo 3º

Responsabilidade

A responsabilidade pela elaboração da cartografia total de apoio ao Plano Sectorial da Rede Natura 2000 cabe ao Instituto para a Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) a realizar exclusivamente através de recursos materiais e humanos próprios.

Artigo 4º

Prazo

O ICNB dispõe do prazo de um ano para a elaboração e divulgação pública da cartografia total de apoio ao Plano Sectorial da Rede Natura 2000, nos termos da presente lei.

Artigo 5º

Vigilância

O ICNB afectará os recursos humanos e técnicos necessários, através dos Vigilantes da Natureza, à vigilância e conservação dos sítios Rede Natura 2000.

Artigo 6º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte após a sua publicação.

Assembleia da República, em 23 de Abril de 2009

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