Intervenção

Cartão de cidadão - Intervenção de António Filipe na AR

Criação do cartão de cidadão, sua emissão e utilização: e alteração do Código do Registo Civil e revogação do Decreto-Lei n.º 13/2001, de 25 de Janeiro

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Tal como fez o Sr. Deputado Luís Montenegro, vou começar por agradecer a entrega do protótipo por parte do Governo, mas vou ter de o devolver porque verifico que, segundo o n.º 2 do artigo 10.º da proposta de lei, os progenitores não podem inscrever mais de quatro apelidos e neste cartão estão inscritos oito.

Portanto, este cartão da jovem sorridente Isabel Fonseca não serve. Assim pedia ao Governo que retirasse a «série Fonseca» e viesse cá com uma série correspondente à proposta de lei, a menos que tenha uma proposta de alteração do n.º 2 do artigo 10.º.

Falando agora a sério, esta é uma iniciativa que tem o mérito de ser um passo significativo para facilitar a vida dos cidadãos e, portanto, é sem dúvida um elemento de modernização.

Evidentemente, a «prova dos nove» relativamente à facilitação só será aferida quando os cidadãos se dirigirem aos serviços para solicitar os respectivos cartões de cidadão e verificarem qual o grau de correspondência dos serviços. É que no discurso é tudo muito fácil, mas na prática, por experiências anteriores, verificamos que não é tão fácil assim, seja por inadequação dos serviços àquilo que lhes é exigido seja por falta de auxílio aos cidadãos que poderão vir a ter algumas dificuldades na obtenção deste cartão ou no preenchimento de todos os dados que são necessários.

Será, pois, indispensável um acompanhamento adequado da forma como estes cartões vão ser emitidos.

Sem dúvida, é uma medida de modernização, mas vamos ver se se traduzirá numa medida de facilitação da vida dos cidadãos quanto à emissão. Efectivamente, não temos dúvidas que, depois de emitido, será facilitador, na medida em que um cartão substitui quatro cartões actualmente existentes.

Todavia, há alguns aspectos que devem ser salvaguardados desde já. Em primeiro lugar, é preciso que, na discussão na especialidade, a Assembleia da República tenha a possibilidade de ouvir a Comissão Nacional de Protecção de Dados.

Evidentemente, o Governo procedeu a essa audição, terá até alterado alguns aspectos relativamente a essa matéria, mas importa que haja a devida auscultação da Comissão Nacional de Protecção de Dados no trabalho de especialidade, para verificar alguns dos aspectos que até já foram aqui alguns referidos neste debate e que será importante acautelar, designadamente a inexistência do número único de cidadão, questões relacionadas com o manuseamento de dados e com o acesso de terceiros a dados não visíveis constantes do cartão.

 

Nesta matéria de tratamento de dados pessoais que não são acessíveis à generalidade dos cidadãos, que não são dados públicos, há que ter as devidas cautelas, designadamente em relação àquelas entidades que estão numa posição de domínio sobre o cidadão. Já aqui foram referidas exigências que, por vezes, são feitas por algumas entidades financeiras para conceder crédito ou para a celebração de contratos de seguro ou outras situações em que os cidadãos são interpelados para fornecimento de determinados dados. Ora, essas situações devem ser devidamente acauteladas quando estamos a falar do cartão de cidadão e da possibilidade de certas entidades terem acesso directo a dados dos cidadãos que de outra forma não teriam.

O consentimento nem sempre deve relevar. A consagração absoluta do consentimento do cidadão para acesso a determinados dados pessoais, que releva em termos de vários diplomas relacionados com a protecção de dados pessoais, deve ser vista com cuidado, na medida em que, em muitas situações, o cidadão não está em condições de impedir o seu consentimento. Na verdade, por vezes há certas situações de chantagem sobre o próprio cidadão que faz condicionar a celebração de determinados contratos do acesso a determinados dados. Ora, isso deveria ser devidamente salvaguardado neste diploma legislativo.

Relativamente ao projecto de lei n.º 98/X, hoje em discussão, há um lamento que temos de fazer pelo facto de o agendamento ter sido inusitado. Este agendamento não era previsível, tendo sido decidido de ontem para hoje, o que impediu que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pudesse elaborar o relatório que este projecto de lei carecia e merecia porque estão questão é muito pertinente.

Portanto, o debate está de certa forma prejudicado.

Porém, parece-nos que esta iniciativa legislativa é meritória. Ela tem que ver com uma questão que é muito relevante e, pela nossa parte, damos toda a abertura à aprovação desta iniciativa.

Evidentemente, ela tem aspectos técnicos que terão de ser devidamente aferidos, mas, à partida, embora o agendamento tenha sido inusitado e esta matéria tenha muito pouco a ver com a matéria do cartão do cidadão, já que o projecto de lei foi agendado, importa dizer que ele tem mérito e vale a pena a Assembleia da República legislar sobre uma matéria como esta, pois tem o mérito de procurar impedir situações de troca de crianças, de tráfico de crianças, e, obviamente, tudo o que possa ser feito nessa matéria tem mérito e nós reconhecemo-lo.

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