Intervenção de

Carreira dos educadores de Infância e dos Professores do ensino Básico - Intervenção de João Oliveira na AR

Alteração ao Estatuto da Carreira dos educadores de Infância e dos Professores do ensino Básico 

 

 

 

Senhor Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhoras e Senhores Deputados,

O PCP traz hoje à Assembleia da República (Apreciação Parlamentar 39/X) a discussão de um dos mais gravosos diploma que este Governo do Partido Socialista já fez aprovar na área da Educação. Não só pelo conteúdo que comporta, mas também pelo processo que sofreu a sua discussão com os sindicatos, o Decreto-Lei n.º 15/2007 tem a marca de um Governo que definiu como objectivo estratégico a destruição da escola pública e apontou os funcionários públicos, neste caso os professores, como primeiro alvo a abater.

Comecemos pelo processo de suposta negociação com os sindicatos.

O Governo começou por apresentar o primeiro documento para discussão em Junho de 2006, em cima das férias escolares, numa tentativa de fugir à contestação e de silenciar os docentes. Só não conseguiu disfarçar a gravidade das propostas que apresentou e que viria a determinar que, pela primeira vez em Portugal, todas as estruturas sindicais de professores convergissem na rejeição desta revisão, deixando o Governo completamente isolado.

Apesar dessa contestação e da apresentação de alternativas e de contrapropostas, o Governo fez a opção de impor as suas soluções na revisão do Estatuto da Carreira Docente.

E esta opção do Governo já era clara em Junho de 2006, quando a senhora Ministra da Educação assinou o Despacho n.º 13599, que determinava às escolas a aplicação de algumas regras que se encontravam então em discussão.

Infelizmente, este mau prenúncio concretizou-se e o que temos hoje no Decreto-Lei n.º 15/2007 confirma as preocupações que então manifestámos.

A revisão do Estatuto da Carreira Docente, concretizada por este diploma, tem na sua base a ideia errada de que os responsáveis pelos problemas do nosso sistema educativo são os professores, como se os sucessivos Governos fossem meros espectadores da realidade e não fossem eles os principais responsáveis pela situação criada.

Fica ainda claro que, para a estratégia de destruição do sistema educativo que o Governo vai desenvolvendo, é fundamental a desmoralização dos docentes, a limitação do acesso à profissão, a criação de divisões entre estes trabalhadores e a sua sujeição à mesma degradação que se vai impondo a todos os funcionários públicos. Não, aliás, deixa de ser sintomática das intenções do Governo a "limpeza" feita às referências ao direito de negociação colectiva.

Vejamos os aspectos mais negativos e gravosos, mantidos pelo Governo da proposta inicial até à redacção final do Decreto-Lei.

Por um lado, institui-se uma prova para dificultar o acesso à profissão, criam-se categorias hierarquizadas numa carreira que era única e estabelecem-se constrangimentos administrativos de acesso ao topo da carreira para a esmagadora maioria dos docentes.

O Governo fixa critérios inaceitáveis de avaliação dos docentes como as taxas de abandono escolar, os resultados académicos dos alunos ou a apreciação da actividade lectiva pelos encarregados de educação, ao mesmo tempo que impõe a existência de quotas na atribuição das classificações mais elevadas do processo de avaliação, o que por si só é a negação do discurso do mérito tantas vezes repetido.

Por outro lado, agravam-se as condições de precariedade dos vínculos laborais, estabelece-se o aumento efectivo do horário de trabalho e introduzem-se factores de instabilidade que se estendem aos docentes dos quadros, ameaçados que estão com a aplicação das regras relativas à mobilidade e aos supranumerários.

A realidade a que conduz esta revisão do Estatuto da Carreira Docente é a da profunda desmoralização dos docentes, agravando as condições de degradação de todo o sistema educativo. A realidade que temos nas escolas é precisamente o contrário dos discursos que sucessivamente ouvimos da bancada do PS e do Governo e que hoje talvez venhamos a ouvir novamente.

Os objectivos de defesa da escola pública, de apostar na qualificação dos portugueses, de criar melhores condições de ensino/aprendizagem ou de combater o abandono e o insucesso escolares não se fazem com a demagogia, com medidas de perseguição aos docentes e às suas organizações sindicais ou com a degradação da condição profissional dos professores e educadores portugueses.

Com a noção de que este não é o Estatuto da Carreira Docente que cumpre aqueles objectivos, o PCP apresentará propostas concretas de alteração ao Decreto-Lei n.º 15/2007. As propostas que apresentaremos centrar-se-ão nos aspectos que consideramos mais negativos de todo o diploma no sentido de evitar o que consideramos ser uma inaceitável descaracterização das funções docentes e um ataque aos seus direitos e à escola pública.

Pela sua própria natureza e pelo papel que assume, o PCP exige mudanças. É por lutarmos diariamente pela transformação desta sociedade que todos os dias exigimos e contribuímos para mudanças no sentido do progresso e da justiça social.

Não aceitamos, no entanto, que a mudança seja transformada num bem em si mesmo sem que sejam tidas em conta as consequências que acarreta.

A mudança que o Governo impôs com esta revisão do Estatuto da Carreira Docente é uma mudança de retrocesso e de atraso e terá, por isso, a frontal oposição do PCP.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado da Educação,

Vou pegar na nota dominante da sua curta intervenção, que, mais uma vez, tem que ver com o reforço do discurso da melhoria da qualidade.

E vou centrar-me em três aspectos, que o Sr. Secretário de Estado acabou de referir, precisamente para demonstrar aquilo que acabei de dizer há pouco da tribuna, isto é, que este discurso do Governo não passa de afirmações demagógicas que não têm, depois, concretização nas medidas aprovadas e na realidade.

Começo pelo primeiro aspecto que o Sr. Secretário de Estado referiu: a melhoria da qualidade, para implementação de mecanismos de avaliação que premeiem o mérito - o famigerado discurso do mérito! Sr. Secretário de Estado, pergunto-lhe se estes mecanismos de avaliação que premeiam o mérito são aqueles que estabelecem quotas para as classificações mais elevadas da avaliação, tal como previsto no artigo 46.º.

Pergunto-lhe se são os mesmos mecanismos de avaliação que prevêem a avaliação dos docentes com base no abandono escolar, como se os docentes fossem os responsáveis pelo abandono escolar dos alunos, portanto, como se isso tivesse de influenciar a sua avaliação.

 Sr. Secretário de Estado, fica, pois, bem demonstrado que as suas afirmações de que estes mecanismos contribuem para a melhoria da qualidade não passam de afirmações demagógicas.

Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, em relação à questão dos professores titulares e da referência que fez sobre se a uma maior experiência não deveria corresponder esta melhoria que os senhores encontram na categoria dos professores titulares, faço-lhe um reparo: é que o senhor esqueceu-se de referir que o acesso a esta categoria de professor titular não só implica mais experiência, mas implica também mais vagas, porque o estabelecimento do limite de um terço nas vagas de acesso a esta categoria é uma limitação inadmissível à progressão dos docentes na carreira.

Por fim, Sr. Secretário de Estado, quanto à melhoria das condições remuneratórias, se isto não fosse tão grave eu diria que dava para rir, porque a melhoria das condições remuneratórias não se garante impedindo a progressão dos docentes na carreira, Sr. Secretário de Estado.

Aliás, a melhoria das condições remuneratórias é uma consequência directa da progressão na carreira, que os senhores tentam impedir de forma administrativa, nomeadamente com a questão, que já referi, de um terço das vagas.

Portanto, Sr. Secretário de Estado, como vê, tem aqui inúmeras demonstrações da realidade concreta das vossas propostas, que não correspondem ao vosso discurso. É, pois, por isso que têm de ser responsabilizados pelos gravíssimos efeitos que estas medidas vão ter no sistema educativo português.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Nesta altura do debate, talvez possamos registar que ele confirma duas coisas fundamentais: primeiro, a prioridade dada pelo PCP a esta apreciação parlamentar, a este tema da revisão do Estatuto da Carreira Docente, sobretudo pela  epercussão que este diploma pode assumir; segundo, o isolamento do Governo, do Partido Socialista e do seu grupo parlamentar nesta Assembleia da República. Este facto poderia nada ter de interessante se não fosse também acompanhado pelo completo isolamento do Partido Socialista na comunidade educativa no que respeita à avaliação desta revisão do Estatuto da Carreira Docente. É isto que é preocupante, porque traduz uma opção que o Governo assume.

O Governo assume esta revisão do Estatuto da Carreira Docente como uma opção de alterar este diploma contra tudo e contra todos. Não o faz por desatenção, por falta de alternativas ou por falta de contrapropostas; fá-lo consciente de que é contra tudo e contra todos e que será, certamente, com grave prejuízo para o sistema educativo português.

Por outro lado, importa registar que não houve da parte do Governo e do Partido Socialista um único argumento que demonstrasse a bondade das soluções que são aqui apresentadas ou que tentasse

contrariar as acusações e as previsões que aqui foram feitas relativamente às consequências destas medidas.

Aquilo a que assistimos foi à utilização de uma série de desculpas e à criação de figuras como a do numerus clausus do mérito na avaliação ou do numerus clausus da progressão na carreira.

 Importa registar também que o PCP não fica refém da imposição do Governo. O Governo pode tentar impor as medidas que quiser, pode não querer negociar com os sindicatos e impor a sua vontade,

pode, inclusivamente, sugerir novas reedições da «lei da rolha» nesta Assembleia da República, mas o PCP não fica refém dessas imposições e, por isso, trouxemos à discussão na Assembleia da República esta alteração ao Estatuto da Carreira Docente e entregámos propostas de alteração.

O que está em causa nas propostas apresentadas é, por um lado, garantir a existência de uma carreira única, que não estratifique os professores e que não crie divisões nos professores feitas administrativamente e justificadas de forma administrativa, e, por outro, garantir as condições para que os docentes não sejam perseguidos pelos mecanismos da avaliação mas, antes, encontrem nesses mesmos mecanismos um estímulo a obterem melhores classificações.

Os mecanismos de avaliação que estão previstos nesta revisão do Estatuto da Carreira Docente perseguem os docentes e não lhe criam estímulos à melhoria da qualidade do seu trabalho.

Apresentamos também propostas no sentido de garantir a estabilidade e a dignidade dos vínculos dos docentes, impedindo, por exemplo, a diminuição dos quadros de escola e empurrando estes docentes para novos esquemas de mobilidade, em que a Administração decide por si qual a escola onde o docente pode ficar.

Prevemos, ainda, a eliminação de novos obstáculos no acesso à profissão, nomeadamente pela previsão da prova de acesso, com a qual estamos em completo desacordo, porque entendemos que não é uma forma de dignificar o acesso à profissão.

Por último, apresentamos propostas que garantem a progressão na carreira, com base na experiência, no empenho e na qualidade do trabalho dos docentes, eliminando a quota que o Governo estabelece para aqueles que podem progredir plenamente na carreira.

Termino esta minha segunda intervenção referindo apenas um elemento fundamental para a análise das propostas do PCP: ao contrário do Governo, estas propostas que o PCP apresenta resultam de uma opinião que formámos com estreita ligação à opinião e à análise daqueles que todos os dias fazem o sistema educativo.

Não é uma opinião que nos «caia do céu» ou que achemos que é a verdade absoluta. É uma opinião que discutimos colectivamente, em que tivemos em conta as opiniões, a sensibilidade e a análise feita por quem, todos os dias, faz o sistema educativo, e que queremos também trazer à Assembleia da República com a exacta noção de que são propostas que contribuem para a melhoria da qualidade e do desenvolvimento do sistema de ensino.

 

 

 

 

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