A aprovação do Programa para a Revolução Democrática e Nacional, e o que ele representou na evolução do País até ao 25 de Abril de 1974 e para lá dele, coloca o VI Congresso do PCP, realizado em 1965 (o último na clandestinidade), na galeria dos acontecimentos maiores da vida do Partido e da história recente de Portugal.
Para atestar a importância do último congresso clandestino do PCP, o único a ser realizado fora do País – na União Soviética, em Kiev, capital da então República Socialista Soviética da Ucrânia –, quase que bastaria comparar as perspectivas, caminhos e objectivos aí definidos para a Revolução Democrática e Nacional com o processo revolucionário concreto iniciado em Abril de 1974: a via da insurreição popular armada, a participação de sectores das Forças Armadas no derrubamento da ditadura (ou pelo menos a sua neutralização), o papel determinante da classe operária e das massas populares na conquista da liberdade e da democracia e a natureza das realizações revolucionárias comprovam não só o acerto da análise então feita pelo PCP como a influência decisiva que assumiu no desenrolar dos acontecimentos.
Na verdade, a história encarregou-se de comprovar e validar a estratégia e a táctica definidas pelo PCP nesse congresso, quer no que respeita à etapa da revolução, seus objectivos e natureza, quer na via apontada para o derrubamento da ditadura. Desenvolvendo as orientações do IV Congresso, onde pela primeira vez se definiu a via do levantamento nacional, o congresso de Setembro de 1965 repôs a perspectiva insurreccional, para a qual deveriam convergir as acções e movimentações das massas populares e a unidade dos vários sectores antifascistas.
Nesse mês de Setembro de 1965, a validade desta estratégia estava já comprovada pelas poderosas lutas de massas travadas ao longo dos anos anteriores, de que as manifestações do 1.º de Maio de 1962 e a conquista da jornada de trabalho de oito horas nos campos do Sul foram exemplos maiores. Do VI Congresso em diante, a luta popular não cessou de se desenvolver, abrindo brechas cada vez maiores na muralha fascista e preparando o caminho para o derrubamento da ditadura.
Um Programa que a história validou
Outro mérito histórico do VI Congresso do Partido foi o de ter analisado de forma profunda a realidade nacional e internacional e definido com precisão e rigor a natureza e objectivos da Revolução Democrática e Nacional. Caracterizando o fascismo como a «ditadura terrorista dos monopólios, associados ao imperialismo estrangeiro, e dos latifundiários», o Congresso demonstrou que não bastava derrubar o governo fascista e instaurar as liberdades para que a democracia vingasse e se consolidasse. Havia, sobretudo, que destruir as bases de apoio do fascismo e da reacção, liquidando o poder económico de monopolistas e latifundiários e o colonialismo.
O carácter antimonopolista, antilatifundista e anti-imperialista da revolução ficava patente nos oito objectivos fundamentais definidos pelo VI Congresso do PCP: 1) Destruir o Estado fascista e instaurar um regime democrático; 2) Liquidar o poder dos monopólios e promover o desenvolvimento económico geral; 3) Realizar a Reforma Agrária, entregando a terra a quem a trabalha; 4) Elevar o nível de vida das classes trabalhadoras e do povo em geral; 5) Democratizar a instrução e a cultura; 6) Libertar Portugal do imperialismo; 7) Reconhecer e assegurar aos povos das colónias portuguesas o direito à imediata independência; 8) Seguir uma política de paz e amizade com todos os povos.
Muitos destes objectivos tornaram-se verdadeiras bandeiras da luta nos tempos exaltantes da Revolução de Abril e constituem ainda hoje referências da luta dos comunistas, dos trabalhadores e do povo por um Portugal com futuro.
No Relatório da Actividade do Comité Central, Álvaro Cunhal afirmava que «para abrir caminho à democracia torna-se necessário que, derrubado o governo fascista, suba ao poder não um governo militar ou transitório, mas um Governo Provisório, no qual estejam representadas as diversas forças democráticas, incluindo o Partido Comunista». As suas tarefas, explicitou, seriam a instauração das liberdades democráticas e a realização de eleições livres para a Assembleia Constituinte».
Se é certo, e evidente, que a Revolução de Abril foi imensamente mais rica do que qualquer previsão teórica sobre ela, é também inegável que nas suas linhas essenciais ela confirmou e concretizou as linhas apontadas pelo PCP no Programa aprovado no seu VI Congresso.
Um congresso rumo à vitória
Como refere Maria da Piedade Morgadinho (O Militante n.º 338, Setembro/Outubro de 2015), «a preparação política do [VI] Congresso, por sua vez, exigiu uma cuidadosa atenção e um aprofundado trabalho do Partido. Tratava-se de fazer uma nova análise da situação no País, da definição da estratégia e da táctica do Partido em condições inteiramente novas em muitos e importantes aspectos. Tratava-se da caracterização correcta da etapa revolucionária em que nos encontrávamos, da elaboração de um novo Programa para essa etapa e das tarefas dos comunistas para a sua concretização».
«Lembremos que os primeiros anos da década de 60 foram marcados, na vida interna do Partido, por intensos debates políticos e ideológicos que envolveram toda a organização partidária em torno da correcção do desvio de direita na linha do Partido (1956-59) saída do V Congresso. Debates esses que foram iniciados pela direcção do Partido a partir da reunião do Comité Central de Fevereiro de 1960. Prosseguindo na reunião de Dezembro desse mesmo ano e culminaram na reunião de Março de 1961. Este processo conduziu à reposição da via insurreccional para o derrubamento do fascismo, à reposição dos princípios orgânicos revolucionários do centralismo democrático na organização do trabalho de direcção e no funcionamento do Partido, de que o anarco-liberalismo o desviara, causando incalculáveis prejuízos. Simultaneamente, foram aprovadas importantes medidas de carácter conspirativo, de defesa do Partido da repressão fascista, de reforço orgânico e para o alargamento da sua influência entre as massas.»
«Neste processo teve um papel destacado o camarada Álvaro Cunhal, juntamente com outros dirigentes do Partido, entre os quais um significativo número de dirigentes que como ele se evadiram do Forte de Peniche em Janeiro de 1960.(...)
«A reunião do Comité Central de Março de 1961, que encerrou os debates a nível da direcção do Partido sobre a correcção do desvio de direita, elegeu Álvaro Cunhal Secretário-geral do Partido, aprovou uma resolução encarregando a Comissão Política de elaborar o Projecto de Alterações dos Estatutos. Tornava-se, assim, evidente a necessidade de realização de um novo congresso que consagrasse a correcção do desvio da linha política geral do Partido, aprovasse um novo Programa e alterações aos Estatutos. Esse Congresso foi o VI, o último da clandestinidade. A sua preparação decorreu na base da discussão do Relatório da Actividade do CC, aprovado na sua reunião de Abril de 1964, intitulado Rumo à Vitória – As tarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional e cuja elaboração coube a Álvaro Cunhal.»
Efeitos positivos imediatos
Entretanto, no informe ao Comité Central «A Situação do Movimento Comunista Internacional» (1963), Álvaro Cunhal adverte para o perigo de uma cisão no movimento comunista internacional e responsabiliza o Partido Comunista da China por uma «actividade cisionista». Cisão que se viria a verificar entre o PC da China e do Partido do Trabalho da Albânia com o PCP e o Movimento Comunista Internacional. Com uma destacada intervenção de Álvaro Cunhal, face a processos desagregadores dentro do Partido e à acção de grupos e agrupamentos políticos, combate-se o dogmatismo, o sectarismo e o esquerdismo.
A aplicação das novas orientações teve efeitos quase imediatos. A jornada do 1.º de Maio de 1962 mobilizou centenas de milhares de trabalhadores em todo o País, desafiando e enfrentando as forças repressivas. Ao mesmo tempo, os operários agrícolas conquistavam aos latifundiários e ao governo fascista a jornada diária de oito horas, nunca reconhecida oficialmente mas também nunca posta em causa. A oposição à guerra colonial abriu uma nova e poderosa frente de luta antifascista e o movimento juvenil e estudantil protagonizou importantes acções de protesto contra a ditadura.
Do início da década de 60 até ao VI Congresso e dele até ao 25 de Abril de 1974 não mais cessou a luta de massas: nos anos de 1967, 1968 e 1969, aumentam o número e a dimensão das lutas reivindicativas e políticas, de Norte a Sul do País. A classe operária assume a vanguarda da luta antifascista e é seguida por outras camadas e sectores. A Oposição Democrática intensifica a sua actividade e alarga o seu campo de acção. A ARA desfere importantes e significativos golpes no aparelho colonial do regime.
O fascismo entra em crise, que nem a substituição de Salazar por Marcelo Caetano e a manobra demagógica então ensaiada consegue evitar. Abril foi o desfecho lógico de todo este combate.
Publicado no Jornal Avante!