Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"Caminhamos a passos largos para a barbárie"

Sobre o debate em torno do conselho europeu, Jerónimo de Sousa afirmou que "o que se está a passar com os refugiados ultrapassa todos os limites, em que alguns estados constrói-em muros e adoptam legislação xenófoba e racista. A palavra da União Europeia é identificar para expulsar, é criar o maior número possível de barreiras e pagar a estados tampão como a Turquia, para aí criarem autênticos campos de concentração do século XXI. Isto não é tolerável!"

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro:
A agenda do Conselho Europeu da próxima semana espelha bem a dimensão da crise da União Europeia e as fundas contradições que percorrem e corroem esse processo.
Comecemos pela questão da Grã-Bretanha.
O que ressalta do processo de negociação são três ideias fundamentais, a primeira das quais é a de que tudo isto acaba por resultar numa deplorável instrumentalização do povo britânico, crítico da União Europeia, que vai direito aos interesses dos poderosos da City de Londres e da agenda da extrema-direita. O que está em discussão não é a legítima vontade popular e aspirações do povo britânico, mas, sim, contradições emergentes entre potências, dentro de uma União Europeia em profunda crise. E, como a história nos ensina, isso escancara a porta à extrema-direita.
Isso leva-nos à segunda ideia, até agora a resultante deste processo e de uma saída por via reacionária: os pacotes de negociação contêm linhas políticas de verdadeira regressão social e civilizacional, que aprofundam políticas muito negativas da União Europeia e abrem precedentes graves ao nível dos direitos laborais e sociais, da discriminação dos trabalhadores e cidadãos em função da sua nacionalidade. Isso elimina qualquer sentido positivo que poderiam ter alguns elementos de respeito pelas particularidades de cada Estado-membro e pela sua soberania, porque, como sabe, estamos a falar de pacotes de negociação indissociáveis.
A terceira ideia, Sr. Primeiro-Ministro, poderia resumi-la numa frase: se na União Europeia existem filhos e enteados, esta discussão só é possível porque a Grã-Bretanha é uma potência. Já relativamente a Portugal, e como a última semana demonstrou, usam-se todos os meios para condicionar decisões soberanas do nosso País e deste Parlamento e para impor opções políticas e ideológicas. Isto é inaceitável!
Irá, com certeza, responder-nos que Portugal está no euro e que existem regras, mas, como a realidade o demonstra e como o Sr. Primeiro-Ministro já reconheceu, são regras que tornam pior a proposta de Orçamento.
Quanto à questão dos refugiados, o que se está a passar ultrapassa todos os limites. A situação é caótica nos hotspots, onde estão a desaparecer milhares e milhares de refugiados — entre eles um número indeterminado de crianças —, há Estados que constroem muros, adotam legislação xenófoba e racista, como é o caso não isolado da Dinamarca.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — E na Grécia?!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — E a União Europeia o que é que faz? Segue essa mesma linha. A palavra de ordem é identificar para expulsar, é criar o maior número possível de barreiras e pagar a Estados-tampão, como a Turquia, para aí criarem autênticos campos de concentração do século XXI. Isto não é tolerável! É uma situação que nos devia envergonhar a todos! Estamos a caminhar a passos largos para a barbárie e o facto de se admitir que a NATO vá para o Mediterrâneo intervir militarmente numa questão humanitária demonstra-o.
Bem sabemos que o Sr. Primeiro-Ministro anunciou medidas unilaterais positivas do Estado português e que queríamos aqui valorizar. Encorajamo-lo a defender na próxima semana uma inversão da política da União Europeia face a este drama humanitário.
O que é preciso não é provocar mais mortes, nem fechar em reuniões umas dezenas de eurocratas mais preocupados com o Tratado de Schengen do que com a vida de centenas de milhares de pessoas. O que é preciso, e extremamente urgente, é criar rotas seguras e legais para os migrantes, é revogar a Convenção de Dublin, que se tem revelado um instrumento de condicionamento aos direitos dos refugiados, é decidir da realocação de verbas destinadas ao retorno dos migrantes e ao controlo do policiamento de fronteiras para políticas de promoção de travessias seguras e legais aos imigrantes e da sua integração social nos países de acolhimento. E, mais uma vez, lhe dizemos: opomos frontalmente a medidas como a da criação da dita guarda costeira europeia.
Sr. Primeiro-Ministro, uma última nota relacionada com o drama dos refugiados, porque eles fogem da guerra e da morte.
A tensão internacional, como sabe, é enorme. Portugal deve defender por todos os meios possíveis a contenção e a via diplomática.
Os perigos são muito grandes e por isso gostaríamos de expressar a nossa preocupação com declarações do seu Ministro da Defesa, que apontam não só para o reforço do envolvimento de militares portugueses em missões militares estrangeiras, nomeadamente no continente africano. Estamos frontalmente contra!

  • União Europeia
  • Assembleia da República
  • Intervenções
  • migrações
  • refugiados