Código do Trabalho

Revisão do Código do Trabalho

Intervenção de Francisco Lopes na AR

Sr. Presidente,

Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social,

Quando, face à grave situação social que vivemos, se impunha um sinal de protecção dos direitos dos trabalhadores e de estímulo ao aumento dos salários, como factor de justiça social e de promoção do desenvolvimento do País, o Governo do PS optou por alterar para pior o Código do Trabalho (proposta de lei n.º 216/X).

Ao contrário daquilo que o Sr. Ministro acaba de dizer da tribuna, a proposta de lei do Governo é um género de fixação das 1000 maneiras de fragilizar os direitos dos trabalhadores, de agravar a exploração e de aumentar as injustiças sociais.

É isso que representa o seu conteúdo quanto à caducidade da contratação colectiva, quanto à facilitação dos despedimentos, quanto à legalização e generalização da precariedade, quanto ao ataque aos sindicatos e quanto ao aumento dos horários de trabalho, ao mesmo tempo que propõe a redução dos salários e das remunerações.

Sr. Ministro, é inaceitável que o Governo queira criar condições para que os trabalhadores possam trabalhar mais duas a quatro horas por dia, como horas extraordinárias, sem receber o respectivo acréscimo. São horas extraordinárias sem pagamento.

E o que é que isto significa? Significa a redução das remunerações de muitos trabalhadores em 100 € ou mais por mês! Significa que as entidades patronais, em vez de recorrerem à contratação de novos trabalhadores, abusam das horas extraordinárias sem pagamento! Significa pôr as entidades patronais a decidir sobre o tempo dos trabalhadores! Significa aumentar as dificuldades de compatibilização da vida profissional com a vida pessoal e familiar, incluindo o apoio aos filhos!

Esta proposta de lei, Sr. Ministro, é uma proposta de retrocesso social, uma proposta retrógrada, mas é também uma proposta politicamente ilegítima, uma vez que a maioria do Partido Socialista foi conseguida com um compromisso junto dos trabalhadores e do povo português de alterar os aspectos mais negativos do Código do Trabalho, mas o que os senhores estão a propor é exactamente o contrário. Por isso, se prosseguirem nessa direcção, não só é uma proposta ilegítima como também será uma fraude para com os trabalhadores e o povo português.

(...)

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Hoje, pela mão do PS, escreve-se mais uma página negra dos direitos e interesses dos trabalhadores, da vida do nosso País. A proposta do Governo é alterar para pior o Código do Trabalho, aprovado pelo PSD e pelo CDS-PP, em 2003.

Quando da apresentação do actual Código, os seus promotores disseram que este era essencial para evitar as deslocalizações e o desemprego. Desde então, sofremos o mais significativo movimento de encerramento e deslocalizações de empresas. Essa argumentação era falsa. O Código foi o pretexto para reduzir drasticamente os direitos e o nível de vida dos trabalhadores. Hoje, como se nada se tivesse passado, o Governo PS vem invocar essa estafada argumentação, para justificar a sua injustificável proposta.

Na situação actual, quando os trabalhadores e o povo português, tanto os mais velhos como as gerações mais jovens, estão sujeitos ao desemprego, à precariedade, aos baixos salários, ao aumento dos preços, à subida dos juros, à redução do poder de compra, com o aumento das dificuldades, situações de miséria e o agravamento das injustiças sociais, o que preocupa o PS é baixar as remunerações e os direitos dos trabalhadores para centralizar mais a riqueza, nesta espiral de injustiça e ignomínia.

As alterações ao Código do Trabalho, propostas pelo Governo PS, são o que se pode classificar como as mil maneiras de fragilizar os direitos dos trabalhadores.

O Governo PS ataca a conquista histórica do horário de trabalho, legaliza práticas ilegais e leva-as mais longe. Sob a forma de adaptabilidade, banco de horas, horário concentrado, ou outras, o que está em causa é quando a empresa quiser pôr o trabalhador a trabalhar mais 2 ou 4 horas por dia, para além das 8 horas diárias, 50 ou 60 horas por semana, sem ter de pagar horas extraordinárias.

O tempo do trabalhador ficaria à disposição do patrão e a compatibilização com a vida pessoal e familiar, designadamente o apoio aos filhos, seria gravemente afectada.

O Governo sabe quais são as consequências das suas medidas e procura escondê-las com paliativos, como se o acompanhamento dos pais aos filhos só se justificasse até ao primeiro ano de vida, como consta da proposta do Governo.

Com as horas extraordinárias que deixariam de ser pagas diminuiriam as remunerações dos trabalhadores, em alguns casos em cem ou mais euros mensais, e as entidades patronais, deixando de ter que pagar de forma acrescida as horas extras, o trabalho no fim-de-semana e nos feriados, seriam estimuladas a recorrer à sobreutilização dos trabalhadores, em detrimento da criação de mais postos de trabalho, contribuindo para aumentar o desemprego.

O Governo PS cria todos os mecanismos para fazer caducar a contratação colectiva e o vasto conjunto de direitos que esta consagra. Ao arrepio da Constituição laboral, o princípio do tratamento mais favorável é comprometido com a legislação do trabalho, a deixar de ser meio de protecção e a representar um esburacado passador por onde se podem esvair os direitos laborais.

O Governo PS acolhe os mecanismos que dão ao patronato os meios de facilitação dos despedimentos, simplificação do processo, redução do período de contestação para 60 dias, disponibilidade do Estado para pagar custos que caberiam ao patronato, incentivando-o ao despedimento fácil, rápido e barato.

O Governo PS, que «chora lágrimas de crocodilo» a propósito da precariedade, na prática, legaliza-a e generaliza-a e abre uma área de negócio para as grandes empresas à custa dos dinheiros da segurança social a pretexto de a combater. Introduz novas figuras de contrato precário, como o contrato de trabalho intermitente, e, alargando o período experimental de 90 para 180 dias, dá um instrumento ainda mais apetecível para incrementar a precariedade.

O Governo PS favorece o poder patronal, assume uma posição antisindical, afectando a organização e a acção sindical, com aspectos onde se incluem o condicionamento dos tempos sindicais e esse retrocesso que significa acabar com a obrigatoriedade de a entidade patronal fazer o desconto automático da quotização sindical do trabalhador quando este o desejar. Em nome de quê? Da fragilização da organização dos trabalhadores e da sua capacidade de intervenção.

Neste ano de 2008, o Governo PS, com esta proposta, enfeitando-se com o embuste da esquerda moderna, assume uma posição destacada na galeria dos retrógrados e reaccionários de todas as épocas, que vêm os trabalhadores não como seres humanos mas como peças de uma engrenagem determinada pela exploração e pelo lucro.

O PS, numa lógica de classe que sobrepõe a tudo o resto e numa concepção passadista, compromete o futuro do País. A sua proposta sobre o Código do Trabalho é, para além da injustiça social, uma estratégia de fracasso no desenvolvimento económico. Com estas medidas, ganham os grupos económicos e financeiros e o grande patronato e perdem os trabalhadores e o País.

O Governo diz que não e ataca e insulta o PCP, mas a verdade vem sempre ao de cima. São representantes das associações patronais que assinaram este acordo com o Governo que dizem que as medidas previstas significam «a legalização da precariedade». É Francisco Van Zeller, Presidente da CIP, que afirma «foi uma vitória nossa» e que, sobre o horário de trabalho, refere «no fundo é para acabar com o conceito de horas extraordinárias, trabalhar mais duas horas por dia passa a ser regular». E remata dizendo que tudo isto representa a «redução dos custos do trabalho». E ele sabe do que está a falar! Só a aplicação do banco de horas, relativamente a um salário da ordem dos 1000 €, deixando de pagar essas horas extraordinárias a 50%, significaria retirar 560 € nos rendimentos do trabalhador.

Francisco Van Zeller sabe do que fala. Quem mente é o Governo!

O PS sabe o que está a fazer de negativo aos trabalhadores portugueses. Procurou, durante mais de um ano, esconder-se atrás de uma comissão que o próprio Governo tinha nomeado, passou, depois, para um simulacro de negociação na concertação social, seguido de acordo com as associações patronais, a que a UGT se associou. De seguida, impôs a discussão pública em pleno período de férias, para limitar a participação dos trabalhadores e das suas organizações.

Quando, apesar dessa limitação, com um esforço de participação que se valoriza, foram entregues mais de 3000 pareceres, na maior participação até hoje verificada em torno da legislação de trabalho, precipita o agendamento da discussão na generalidade, hoje e aqui, de tal modo que os Deputados da Comissão de Trabalho só ontem tiveram contacto com os milhares de pareceres enviados, sendo praticamente impossível conhecer o seu conteúdo antes da discussão de hoje. Isto também é desvalorização dos princípios constitucionais que estão assegurados.

É o culminar de um processo viciado no seu andamento. A maioria PS que se propõe aprovar a proposta do Governo de alteração para pior do Código do Trabalho foi eleita invocando querer alterar os seus aspectos mais negativos. O PS pode, mais uma vez, abusar da sua maioria, mas não tem legitimidade política para o fazer. Se o fizer, a sua posição é uma fraude política face ao compromisso que assumiu com o povo português e, em particular, com os trabalhadores.

O PCP condena tal caminho.

Portugal precisa de uma ruptura com o rumo de injustiça social e declínio nacional das últimas décadas.

Portugal precisa de mais emprego, mais direitos, mais qualificação e melhores salários, como factores de justiça social e elementos decisivos para a elevação do perfil produtivo e o desenvolvimento.

É esse projecto de ruptura, essa concepção de futuro, considerando os avanços científicos, tecnológicos e de organização do trabalho e dos processos produtivos como factores de progresso e realização do ser humano, que caracteriza o projecto de lei do PCP para a revogação do Código do Trabalho (projecto de lei n.º 547/X) .

Reparamos os principais malefícios do actual Código, quanto ao papel da legislação de trabalho, à valorização da contratação colectiva, ao direito à greve, aos direitos dos sindicatos e das comissões de trabalhadores, ao combate à precariedade, à formação profissional, à protecção da maternidade e paternidade, aos direitos de personalidade e à garantia da igualdade e da não discriminação, e, quanto ao horário de trabalho, não se aceita o seu prolongamento e desregulamentação e defende-se a sua progressiva redução.

Por muito que as associações patronais e os partidos que as representam, com particular destaque para o PS, queiram impor o retrocesso, a perspectiva de avanço social e progresso civilizacional acabará por ser a opção, que se constrói hoje na acção política, na luta dos trabalhadores e do povo, e se apoia no sentimento, que se alarga, da necessidade de uma profunda mudança política.

A votação, na generalidade, com resultado previsível, não é o fim deste processo. O Governo PS não se livra do julgamento político e muito menos da luta!

E essa continua e continuará!

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